STJ: prova escrita para admissibilidade de ação monitória, por Rodrigo Becker e Victor Trigueiro

A prova escrita apta a instruir uma ação monitória sempre foi objeto de dúvidas na doutrina e jurisprudência. Antes de incursionar pelo tema específico, contudo, é preciso fazer um apanhado geral sobre o procedimento da ação monitória e seus objetivos, que levam inexoravelmente à discussão proposta.
Cuida a ação monitória ela de procedimento especial destinado a formar um título executivo de forma mais célere, culminando num processo executivo. Para isso, no entanto, é necessário a inércia do réu. Dinamarco ensina que o “processo monitório é destinado a oferecer a satisfação de direitos não amparados por título executivo judicial ou extrajudicial, sem necessário julgamento de mérito”[1].
Destarte, a utilização da ação monitória é possível sempre que o credor estiver na posse de documento escrito ou prova oral documentada, sem eficácia de título executivo, e que pretenda, com isso, a expedição de um mandado monitório de pagamento imediato (art. 700 do CPC/15)[2].
O documento que instrui a monitória passa a ter força executória[3] tão logo o procedimento seja convertido por inexistência de embargos à monitória. Essa é a dicção do art. 701, § 2o, do CPC/15 ao estatuir que constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702.
Portanto, diferentemente da execução, a ação monitória objetiva a satisfação do crédito sem que o autor disponha de título executivo, bastando, como visto, documento escrito ou até mesmo prova oral documentada para que se obtenha decisão do juiz determinando o pagamento do valor indicado.
É bem verdade que, se o réu impugnar a ação, por meio do mecanismo próprio (embargos), fica suspensa a decisão que determinou o pagamento da quantia, razão pela qual diz-se que se instaura novo processo:
“Os embargos que o réu pode opor não fazem parte do processo monitório e são, tanto quanto os do devedor ao processo executivo, um processo distinto: o processo monitório, em si mesmo, não inclui momentos nem fase destinada à instrução preparatória do julgamento do mérito, porque julgamento do mérito não nesse processo.”[4]  
Tem-se, assim, que a criação do processo monitório se deu por uma imposição da celeridade na prestação jurisdicional, facilitando o recebimento pelo credor da quantia devida, quando não dispõe de título executivo.
Não existisse o procedimento monitório, estaria o credor sujeito a uma ação ordinária que, sabe-se, leva muito tempo para formar um título executivo, o qual, posteriormente, ainda precisaria se submeter às regras do cumprimento de sentença.
Extrai-se, destarte, que para o ajuizamento de ação monitória há necessidade de a) comprovação da relação jurídica por meio de prova escrita; b) ausência de força executiva do título e c) dívida referente a pagamento de soma em dinheiro, de entrega de coisa fungível ou bem móvel ou obrigação de fazer ou não fazer.
Todavia, nem o CPC/73 nem o CPC/15 foram claros quanto a natureza do título capaz de ser utilizado na via monitória.
No CPC revogado, a definição era mais parca, limitando-se a estabelecer apenas que a ação monitória competia a quem pretendesse, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.
Já no novo CPC, o legislador foi mais detalhista, mas ainda assim sem uma definição hermética passível de não deixar dúvida no aplicador do direito, mantendo na essência, a ideia do diploma processual anterior. Diz o art. 700 do Código:

Art. 700.  A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I – o pagamento de quantia em dinheiro;
II – a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III – o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.

Veja-se que o CPC não definiu a forma do documento, mas apenas o seu conteúdo, em expressa ampliação das disposições do código anterior. Continua, assim, a dúvida acerca de que tipo de documento pode servir como objeto da ação monitória.
O regramento processual ainda prevê que a prova escrita pode consistir em prova oral documentada, sem estabelecer a forma dessa documentação.
Ressalte-se, no ponto que andou bem o CPC ao não enumerar quais os documentos passíveis de instrução da monitória, porquanto seria um engessamento desnecessário, inclusive pela evolução do sistema documental que certamente não fica restrita às disposições legais no tempo. Destarte, deixar essa tarefa para o juiz no caso concreto é medida acertada pelo novo código.
Como afirma Leonardo Carneiro da Cunha, “no direito brasileiro somente se admite o procedimento monitório documental, não sendo possível o procedimento monitório puro, aquele instaurado sem a existência de prova escrita”[5].
Cabe assim ao intérprete formar seu juízo de valor, sem deixar de observar, por certo, a jurisprudência dos Tribunais, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, uniformizador da lei federal, em âmbito nacional.
Nas súmulas da Corte, encontram-se enunciados acerca da ação monitória, que dão uma orientação dos tipos de documentos aceitos no judiciário:

Súmula 247 – O contrato de abertura de crédito em conta corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.
Súmula 299 – É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.
Súmula 384 – Cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de venda extrajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia.

Muito embora tais enunciados tenham sido editados na vigência do CPC/73, certamente serão mantidos, porque, na essência, não houve modificação na disciplina da monitória, no novo CPC, capaz de alterar a dicção dos referidos verbetes.
Vê-se, portanto, que coube ao judiciário, a partir de casos concretos, estabelecer hipóteses em que se admite o procedimento monitório fundado em contrato de abertura de crédito em conta corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, cheque prescrito, e para haver saldo remanescente oriundo de venda extrajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia.
Nenhum desses documentos caracteriza-se como título executivo, mas podem ser objetos da ação monitória, que pretenderá uma rápida solução do crédito, por meio da expedição de mandado monitório de pagamento.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça ampliou esse leque de documentos, em julgado paradigmático, no qual se decidiu que o correio eletrônico (e-mail) pode fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações.
A controvérsia residia em saber se a correspondência eletrônica – e-mail – constitui documento hábil a embasar a propositura de ação monitória.
Entendeu a Corte que a prova hábil a instruir a ação monitória não precisa, necessariamente, ter sido emitida pelo devedor ou nela constar sua assinatura ou de um representante. Basta que tenha forma escrita e seja suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado.
Ademais, para a admissibilidade da ação monitória, não é imprescindível que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do juiz, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado.
Em arremate, concluiu que a legislação brasileira não proíbe a utilização de provas oriundas de meio eletrônico. Imbuído desse mesmo espírito da “era digital”, o novo Código de Processo Civil, ao tratar sobre as provas admitidas no processo, possibilita expressamente o uso de documentos eletrônicos, condicionando, via de regra, a sua conversão na forma impressa.
Vale transcrever a ementa do julgado:

“1. A prova hábil a instruir a ação monitória, isto é, apta a ensejar a  determinação  da  expedição do mandado monitório – a que alude os artigos   1.102-A  do  CPC/1.973  e  700  do  CPC/2.015  -,  precisa demonstrar  a  existência  da  obrigação,  devendo  o  documento ser escrito  e  suficiente  para,  efetivamente, influir na convicção do magistrado  acerca  do  direito  alegado, não sendo necessário prova robusta,  estreme  de  dúvida,  mas sim documento idôneo que permita juízo de probabilidade do direito afirmado pelo autor.
  1.  O  correio  eletrônico  (e-mail)  pode  fundamentar  a pretensão monitória,  desde  que  o  juízo  se convença da verossimilhança das alegações  e  da  idoneidade  das declarações, possibilitando ao réu impugnar-lhe pela via processual adequada.
  2.  O  exame sobre a validade, ou não, da correspondência eletrônica (e-mail)  deverá  ser  aferida  no  caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora.” (REsp 1381603/MS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 11/11/2016)
 Percebe-se com esse julgado uma tendência do STJ em ampliar o objeto da ação monitória, que cada vez ganha mais espaço, deixando de lado a ação ordinária para formação de título executivo. Esse viés da Corte certamente atende aos anseios constitucionais e sociais de uma prestação jurisdicional mais célere, que pode ver no procedimento monitório uma forma de resolver conflitos e dar ao credor aquilo que lhe é devido mais rapidamente.
Ademais, o mundo digital é uma realidade permanente e em constante desenvolvimento. Pessoas estabelecem conexões diárias e reiteradas por meio eletrônico. O papel tem perdido espaço em todos os campos sociais, daí porque a decisão do STJ é perfeita quando reconhece essa evolução e admite que essa nova forma de estabelecimento de relações sociais e econômicas seja utilizada para embasar a ação monitória.
Vale ressaltar, de outro lado, que a permissividade não pode ser genérica, nem desmedida, a ponto de prejudicar a defesa do devedor, razão pela qual mantém-se a importância da prova escrita como forma de se constituir documento apto a embasar a monitória, inclusive quando se trata de prova oral.
Entendemos que acertou o STJ ao proferir a decisão acima, deixando, ainda, para o caso concreto a análise das circunstâncias específicas acerca da forma como a mensagem eletrônica foi instituída. Caberá ao juízo singular validá-la como prova escrita apta a instruir a ação monitória, a partir do modo como o e-mail foi criado, e não pelo simples fato de ser uma prova eletrônica.
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