Fraude à execução e efeitos práticos da Lei nº 13.097/2015, por Flávia Maria Vieira de Oliveira e Juliano Zorzi

A 4ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região (São Paulo) proferiu decisão nos autos dos Embargos de Terceiro n° 0000033-36.2016.5.02.0070 para manter a sentença de 1ª Instância que julgou referidos embargos improcedentes e, assim, manteve a penhora realizada sobre imóvel de terceiros.
Os Embargos de Terceiro foram opostos em virtude de penhora judicial de imóvel adquirido do devedor pelos Embargantes. A tese sustentada nos Embargos de Terceiro foi de que, quando da compra do imóvel constrito, desconheciam a existência de dívida decorrente de processo trabalhista, destacando, inclusive, terem sido adquirentes de boa-fé, na medida em que a existência de eventual dívida não estava, de alguma forma, noticiada na matrícula do imóvel.
Frente à decisão que julgou improcedentes os Embargos de Terceiro, os Embargantes interpuseram Agravo de Petição, que foi recebido, mas a ele não foi dado provimento. A 14ª turma manteve a decisão da vara do trabalho, enfatizando que ao tempo da alienação do imóvel, o proprietário já era devedor em processo trabalhista. A falta de diligência dos Embargantes, na medida em que não obtiveram, à época da compra, todas as certidões de praxe para negócios imobiliários, foi destacada pelo tribunal como fundamento para manter a constrição judicial que recaiu sobre referido imóvel, de modo a considerar ineficaz a alienação em relação à dívida trabalhista pré-existente.
O posicionamento do juízo e tribunal trabalhistas não é novidade e tem sido adotado pelos tribunais em geral há algum tempo. O instituto da fraude à execução já estava previsto no Código de Processo Civil de 1973, que determinava a ineficácia de um negócio jurídico em relação ao exequente quando ao tempo da alienação ou oneração de bens corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, ou nos demais casos expressos em lei. O referido diploma não condicionava qualquer dessas hipóteses a qualquer tipo de inscrição perante o Registro de Imóveis (ou outro registro aplicável, a depender da espécie do bem).
Inúmeros foram os casos em que adquirentes de imóveis, na tentativa de afastar o reconhecimento da fraude à execução e assim garantir a eficácia da sua aquisição, alegaram ter agido de boa-fé e desconhecer a pré-existência de demanda ou penhora judicial, especialmente nos casos em que não havia referência na matrícula do bem, de forma que não poderiam ser penalizados pela suposta falta de informação acerca da demanda ou constrição judicial. Em resposta, a jurisprudência acabou por consolidar o entendimento de que a publicidade dos processos judiciais implica uma presunção relativa de ciência das demandas em curso, de forma que a simples alegação de desconhecimento de uma ação seria insuficiente para afastar a fraude à execução, independentemente da falta de averbação dessa circunstância na matrícula.
Por se tratar de uma presunção relativa, os tribunais não descartaram a possibilidade de comprovação da boa-fé e diligência pelo adquirente, desde que este pudesse demonstrar que não era possível identificar a existência da demanda mesmo tendo agido com a diligência minimamente esperada para aquele determinado tipo de negócio, o que, com relação às transações imobiliárias, inclui a obtenção das certidões forenses em nome do vendedor e dos antecessores, minimamente da comarca onde se localiza o imóvel e das comarcas onde residam o vendedor e os antecessores, se diversas. Por outro lado, uma vez registrada a penhora ou averbada a existência de determinada ação na matrícula do imóvel, a presunção de conhecimento torna-se absoluta, não cabendo mais ao adquirente a possibilidade de defesa sob o argumento da boa-fé e desconhecimento da pendência do processo.
Seguindo o mesmo raciocínio, a Lei Federal nº 11.382/2006 incluiu o artigo 615-A ao Código de Processo Civil, que concedeu ao exequente a possibilidade de obter certidão comprobatória de ajuizamento de execução, para fins de averbação no Registro de Imóveis (ou outros registros competentes, a depender da natureza do bem em questão), com o intuito de excluir de uma vez qualquer possibilidade de alegação de desconhecimento da demanda por terceiros, mesmo anteriormente à determinação de eventual penhora. Em seu parágrafo terceiro, o artigo previu expressamente que a alienação ou oneração de bens efetuada após a referida averbação presume-se (de forma absoluta) em fraude à execução.
Posteriormente, na contramão do posicionamento adotado pelos tribunais e com a justificativa de conferir maior agilidade na conclusão dos negócios e segurança aos adquirentes de bens imóveis, a Lei Federal nº 13.097/2015, em seu artigo 54, trouxe determinações do que foi chamado de Concentração dos Atos na Matrícula, que em tese alteraria os requisitos para o reconhecimento da ineficácia da alienação. Em breve síntese, a lei previu que não poderiam “ser opostas situações jurídicas não constantes na matrícula no Registro de Imóveis” ao “terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre imóveis”, ressalvados os casos de usucapião ou falência, por conta do interesse público sobre as questões envolvidas.
Diz a lei que negócios envolvendo direitos reais sobre bens imóveis deveriam ser considerados eficazes em relação a terceiros, ainda que à época do negócio existam processos em trâmite, quando não tenha sido registrada a citação em ações reais ou pessoais reipersecutórias, ou averbada no Registro de Imóveis a existência de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, mediante solicitação da parte interessada, ou de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei. A lei prevê ainda a possibilidade de averbação da existência de outro tipo de ação “cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir o proprietário à insolvência”, nessas hipóteses mediante determinação do juiz competente, a seu critério.
Diferentemente do artigo 615-A do Código de Processo Civil de 1973, que visou à proteção dos direitos dos credores, a Concentração dos Atos na Matrícula teve como intenção oferecer maior garantia aos adquirentes de direitos reais sobre imóveis, impondo aos credores não uma opção, mas uma obrigação caso quisessem garantir a prioridade de seus direitos sobre terceiros. Assim, o adquirente poderia, teoricamente, dispensar a apresentação das certidões forenses em nome dos antecessores e vendedores. Para as ações que já estavam em curso no início da vigência da norma (fevereiro de 2015), a lei previu o prazo de 2 anos, vencendo em 19 de fevereiro de 2017, para que os credores providenciassem a averbação da existência de execuções ou constrições sobre bens dos devedores. Para todos os processos protocolados após fevereiro de 2015, o comando legal já deveria valer.
Contudo, a eficiência e o alcance da lei são altamente questionáveis e, na prática, os adquirentes diligentes continuam exigindo toda a documentação de praxe. Dentre outros pontos, já se discutia a competência da norma para tratar de aspectos processuais da fraude sem alterar expressamente as disposições do Código de Processo Civil de 1973 (então em vigor).
Por fim, o novo Código de Processo Civil, em vigor desde março de 2016, manteve o conceito do Código de Processo Civil de 1973 e não previu a necessidade de averbação como condição ao reconhecimento da fraude à execução (salvo em hipóteses específicas tais como fraudes arguidas em ações fundadas em direito real ou com pretensão reipersecutória). Em seu artigo 828, o novo Código de Processo Civil replicou a disposição do artigo 615-A do diploma antigo, outorgando ao exequente o direito – não obrigação – de obter certidão de execução para fins de averbação perante o Registro de Imóveis.
Desse modo, a Lei nº 13.097/2015 provavelmente não trará os efeitos pretendidos inicialmente, seja pela sua competência para alterar normas de aspecto processual, seja pelo advento de lei posterior e especial, qual seja, o novo Código de Processo Civil, que para a fraude à execução não exige qualquer averbação no tocante a demandas em curso que possam resultar na insolvência do devedor. Ademais, a viabilidade da regra da Concentração dos Atos na Matrícula dependeria ainda da sua aceitação pelo judiciário, em detrimento dos credores exequentes, em especial perante os tribunais trabalhistas, considerando a natureza das ações, a postura protecionista frente aos empregados e a preferência por penhoras em espécie.
Na prática, portanto, a Lei nº 13.097/2015 não deve implicar grandes alterações na sistemática adotada pelos tribunais e, em última análise, apenas torna mais abrangente a relação de situações que poderão ser averbadas na matrícula em garantia dos direitos dos credores, ao incluir a possibilidade de averbação da existência de outros tipos de ação, que não execução, cujos resultados possam reduzir o devedor à insolvência. De uma forma ou de outra, ainda que possam indiretamente auxiliar potenciais adquirentes na identificação de passivos que afetem ou possam afetar o imóvel, o efeito direto e prático de tais averbações continua sendo dar maior segurança a credores, que optando por tomar tal providência, afastam de uma vez a possibilidade de defesa por eventuais adquirentes dos bens.

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