Repercussão Geral e suspensão da tramitação de processos, por Rodrigo Becker e Victor Trigueiro

Inicia-se o ano de 2017 e a coluna CPC dos tribunais retorna aos trabalhos, apresentando tema de extrema relevância para a dinâmica de tramitação dos processos que discutem temas cuja repercussão geral foi reconhecida em Recurso Extraordinário, processado no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Diferentemente do que se passava no Código de Processo Civil revogado, o novo CPC estabeleceu regra que possibilitou a suspensão da tramitação de processos, na esfera nacional, individuais ou coletivos, quando reconhecida a repercussão geral de determinado tema constitucional, pela Suprema Corte.
É o que dispõe o artigo 1.035, §5º, do novo código, que se transcreve a seguir:
Art. 1.035.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
§  5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

A questão que se põe é saber se a suspensão da tramitação dos processos em âmbito nacional ocorre por força de lei (ex lege), ou se depende de decisão judicial. Em outras palavras, estaria o relator do Recurso Extraordinário obrigado e determinar a suspensão da tramitação dos processos em âmbito nacional, ou seria essa providência uma faculdade conferida ao relator?
Em texto publicado nesta coluna, defendeu-se a aplicação automática do dispositivo, em relação aos processos pendentes de julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça. A propósito do tema, confira-se aqui.
A respeito do assunto, os Ministros do Supremo Tribunal Federal têm apresentado posições aparentemente contraditórias em decisões monocráticas. Alguns têm entendido ser a suspensão decorrência automática do reconhecimento da repercussão geral, enquanto outros têm entendido de maneira diversa.
À guisa de exemplo, no Recurso Extraordinário nº 808.202, assim se manifestou o Ministro Dias Toffoli:

Quanto à postulação do recorrido Elton Ruschel, saliento que não desconheço a existência de decisões monocráticas nas quais os respectivos relatores, entendendo que o art. 1.035, § 5º do CPC tem aplicação automática ante o reconhecimento da repercussão geral, determinaram a paralisação do trâmite de todos os feitos, em todas as instâncias e fases, que versavam sobre semelhante questão. Alerto que ainda não há decisão colegiada desta Suprema Corte firmada nesse ou em outro sentido e aplico, à espécie, o entendimento pessoal sobre esse tema, no sentido de que o reconhecimento da repercussão geral não implica, necessariamente, em paralisação instantânea e inevitável de todas as ações a versarem sobre a mesma temática do processo piloto. A respeito, assim consignei no julgamento da Reclamação nº 25.069/MG:
“b) A pendência de solução nesta Suprema Corte de matéria submetida à repercussão geral tem o condão, por lei, de sobrestar, na origem, os recursos extraordinários que versarem sobre controvérsia idêntica à do processo representativo de controvérsia (no caso, o RE nº 976.566/PA), nos termos do art. 1.030, III, do CPC – provimento já obtido nos autos da ACP nº 1.0701.07.206669-2, por força de decisão de minha relatoria no ARE nº 871.336/MG. Não se nega, é verdade, que o art. 1.037, II, do CPC institui a competência do relator do processo representativo da controvérsia de, na decisão que afeta o processo de julgamento nesta Suprema Corte, determinar a ‘suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional’ (grifei), determinação que, além de ser ausente no RE nº 976.566/PA, também não resulta na suspensão dos efeitos de eventual decisão que tenha sido proferida em processos com matéria idêntica. Diferentemente do que pretende fazer crer o reclamante, o reconhecimento da repercussão geral do tema pelo STF não tem o condão de antecipar a tutela recursal pretendida no processo representativo da controvérsia, tampouco transportar esse efeito para todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.”
De fato, a situação prevista art. 1.030, inciso III, do Código de Processo Civil é distinta daquela delineada no art. 1.035, § 5º, posto que, nessa segunda hipótese, inexiste sobrestamento imediato decorrente automaticamente da lei.
A redação do dispositivo – “o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento” – sem sombra de dúvida transparece uma forte recomendação. Mas ainda assim uma recomendação, não uma obrigação. Caso se desejasse o contrário, bastaria à lei enunciar que o reconhecimento da repercussão geral leva à paralisação do trâmite de todos os processos pendentes relativos à questão em todo o território nacional; ou então, dispor que o Relator obrigatoriamente determinará a suspensão. Não o fez, contudo. E ao assim proceder, conferiu a este último, em verdade, a competência para analisar a conveniência e a oportunidade de se implementar tal medida. O responsável pela relatoria do paradigma determinará, sim, o sobrestamento; não o fará, contudo, por obrigação decorrente de lei, mas de acordo com o seu juízo de necessidade e de adequação, observando os argumentos apresentados pelas partes do feito, tudo no contexto de sua competência jurisdicional.
Isso posto, a suspensão, nos moldes do art. 1.035, § 5º do CPC, de todos os processos atinentes à discussão sob exame neste recurso extraordinário requer o reconhecimento da repercussão geral e a existência de relevantes fundamentos para tal. Orientação semelhante, registre-se, foi adotada pelo Ministro Roberto Barroso no RE nº 888.815/RS (DJe de 25/11/16) e pelo Ministro Marco Aurélio no RE nº 566.622/RS (DJe de 4/7/16).

Veja-se, no ponto, que o Ministro Toffoli entende que, muito embora a imposição do dispositivo, trata ele de uma recomendação e não de uma obrigação. Interessante, ainda, que o próprio relator reconhece que outros ministros da Corte têm posição diversa, no sentido de ser a suspensão dos processos automática.
De outra banda, vale referir decisões proferidas pelo Ministro Teori Zavascki (RE 852475 e 928 902), que, sem maiores fundamentações quanto à necessidade de suspensão da tramitação dos processos em âmbito nacional, simplesmente aplicam o art. 1.035, §5º, e determinam a suspensão.
Determino a suspensão do processamento de todas as demandas pendentes que tratem da questão em tramitação no território nacional (CPC/2015, art. 1.035, § 5º).
Oficiem-se os Presidentes de todos os Tribunais do país, com cópia deste despacho e do acórdão do Supremo Tribunal Federal em que se reconheceu a repercussão geral.
A comunicação aos juízos de 1º grau e às turmas recursais de juizados deverá ser feita pelo Tribunal de 2ª instância com os quais mantenham vinculação administrativa.

No campo doutrinário, alguns autores manifestaram-se sobre o tema, ainda que não com a profundidade necessária.
Didier e Cunha, ao tratarem do art. 1.035, §5º, asseveram que “o §5º autoriza o relator, no STF, uma vez reconhecida a repercussão geral, a suspender o processamento de todos os processos pendentes que versam sobre a questão e tramitem no território nacional”[1].
Como se observa, não tratam os autores de forma aprofundada sobre o debate proposto nesta coluna, limitando-se a afirmar que o dispositivo legal “autoriza” o relator a suspender os processos, em posição que aparenta defender a facultatividade da suspensão.
Alvim, Mello, Ribeiro e Medeiros parecem defender orientação contrária:
Justamente com o objetivo de concretizar de modo visível o princípio constitucional da isonomia, o §5º determina que o relator do recurso extraordinário, uma vez reconhecida a repercussão geral, suspenda o trâmite de todos os processos em curso, no território nacional, que versem sobre a mesma matéria.[2]

Os autores, utilizando-se de verbo enfático (determinar), dão um caráter impositivo ao artigo, do que se pode extrair que propugnam a obrigatoriedade da suspensão.
Mais adiante, entendem os autores que não se trata de analisar a questão do ponto de vista do Supremo Tribunal Federal, mas dos Tribunais que receberão a determinação. Afirmam que, como o novo CPC não possui dispositivo que obrigue as cortes a acatarem a decisão final do STF em repercussão geral, somente a suspensão obrigatória é que possibilita a interpretação de que os tribunais inferiores devem seguir a orientação do STF em repercussão geral[3]. Caso contrário, não haveria necessidade de se obrigar a suspensão, se os Tribunais pudessem divergir do entendimento do STF em repercussão geral.
No mesmo sentido da obrigatoriedade, Daniel Assumpção Neves afirma que o relator deverá “determinar a suspensão do processamento de todos os processos”[4]. Também aqui o autor deixou de tratar do tema, fazendo breve alusão à suspensão, utilizando-se, da mesma forma, de verbo impositivo, que leva crer que defende ele a obrigação.
Não há, como se vê, consenso a respeito do tema tanto no âmbito doutrinário como no jurisprudencial. Cumpre a nós, operadores do direito, construirmos uma posição, para defendê-la em juízo, observando cada caso concreto, a fim de resguardar a posição defendida, até que o Supremo Tribunal Federal, por decisão colegiada, resolva a questão definitivamente.
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[1] Didier Jr., Fredie, Cunha, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, vol., Editora Juspodivm, Salvador, 2016.
[2] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [et. al]. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2015, p. 1507.
[3] WAMBIER, Teresa Arruda, Ob. Cit., p. 1507.
[4] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 1758.

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