Erro grosseiro na interposição do agravo do art. 1042, por Rodrigo Becker e Victor Trigueiro

Um julgado recente do Superior Tribunal de Justiça, que modificou a orientação anterior do Tribunal referente ao conhecimento de agravo (art. 1042 do CPC) interposto contra decisão que não admite recurso especial contrário a entendimento firmado em sede de repetitivo.
Antes de analisarmos a posição do STJ, importante delinear a situação concreta em exame.
Trata-se de recurso especial interposto com fundamento contrário a acórdão exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de RESP repetitivo.
No tribunal de origem (TJ ou TRF), o recurso especial não foi admitido pelo seu Presidente, em razão de estar a insurgência recursal contrária ao posicionamento firmado em recurso repetitivo.
Contra essa decisão de inadmissibilidade, a parte interpõe agravo, na forma do art. 1042, para que seja submetido ao STJ, e consequentemente, admitido o recurso especial.
A decisão lançada, em exame nesta coluna, trata exatamente do cabimento desse agravo, haja vista a disposição do art. 1042, que assim estabelece:

Art.  1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

Na vigência do CPC/73, essa hipótese já era concebida pela jurisprudência, porquanto já existia a sistemática dos recursos especiais repetitivos, que deveriam ser replicados pelos Tribunais de segundo grau (art. 543-C do CPC/73). Ainda pelo CPC anterior, caso houvesse interposição de recurso especial contra acórdão que aplicou entendimento firmado em repetitivo, da mesma forma como hoje, o recurso não deveria ser admitido (art. 543-C, § 7º, I, do CPC/73).
O STJ entendia que não cabia agravo do art. 544 (CPC/73) para impugnar essa decisão, pois a questão já estava sedimentada na Corte Superior, devendo a parte interpor agravo regimental (interno), perante o próprio Tribunal de origem para apontar possível distinção entre seu caso e o precedente aplicado.
Se o recorrente interpusesse agravo do art. 544, o STJ remetia o recurso à Corte de origem para sua apreciação como agravo interno. Isso porque, para o Tribunal, na redação do mencionado dispositivo, não havia distinção acerca do fundamento utilizado para a negativa de seguimento do apelo extraordinário. Destarte, não se tratava de erro grosseiro a interposição equivocada de agravo.
A título de ilustração, confira-se acórdão nesse sentido:

  1. No julgamento da Questão de Ordem no Ag 1.154.599/SP, a Corte Especial assentou o entendimento de que não cabe agravo (CPC, art. 544) contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543-C, § 7º, I, do CPC, podendo a parte interessada manejar agravo interno ou regimental na origem, demonstrando a especificidade do caso concreto.
  2. Entretanto, o art. 544 do CPC prevê o cabimento do agravo contra a decisão que não admite o recurso especial, sem fazer distinção acerca do fundamento utilizado para a negativa de seguimento do apelo extraordinário. O não cabimento do agravo em recurso especial, naquela hipótese, deriva de interpretação adotada por esta Corte Superior, a fim de obter a máxima efetividade da sistemática dos recursos representativos da controvérsia, implementada pela Lei 11.672/2008.
  3. Então, se equivocadamente a parte interpuser o agravo do art. 544 do CPC contra a referida decisão, por não configurar erro grosseiro, cabe ao Superior Tribunal de Justiça remeter o recurso à Corte de origem para sua apreciação como agravo interno.
  4. Agravo interno provido. (AgRg no AREsp 260.033/PR, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, DJe 25/09/2015)

Destaque-se que nem poderia ser diferente, porque a posição pelo cabimento de agravo interno decorria do próprio STJ (adotando entendimento do STF), razão pela qual seria temerário reputar grosseira a interposição de recurso que somente a jurisprudência entendia incabível, por interpretação extensiva e sistemática do dispositivo que regulava os recursos repetitivos.
Todavia, recentemente o Superior Tribunal de Justiça mudou essa orientação. Afirmou o Tribunal que, após a entrada em vigor do CPC/2015, não é mais devida a remessa pelo STJ, ao Tribunal de origem, do agravo interposto contra decisão que inadmite recurso especial com base na aplicação de entendimento firmado em recursos repetitivos, para que seja conhecido como agravo interno.
Explicou a Corte que, no novo CPC, há expressa previsão legal no sentido do não cabimento de agravo contra decisão que inadmite recurso especial quando a matéria nele veiculada já houver sido decidida pela Corte de origem em conformidade com recurso repetitivo (art. 1.042, caput), devendo a parte, se for o caso, interpor agravo interno para o Tribunal de origem.
A ementa do julgado que firmou o posicionamento foi lançada nos seguintes termos:

  1. Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 passou a existir expressa previsão legal no sentido do não cabimento de agravo contra decisão que não admite recurso especial quando a matéria nele veiculada já houver sido decidida pela Corte de origem em conformidade com recurso repetitivo (art. 1.042, caput). Tal disposição legal aplica-se aos agravos apresentados contra decisão publicada após a entrada em vigor do Novo CPC, em conformidade com o princípio tempus regit actum.
  2.  A interposição do agravo previsto no art. 1.042, caput, do CPC/2015 quando a Corte de origem o inadmitir com base em recurso repetitivo constitui erro grosseiro, não sendo mais devida a determinação de outrora de retorno dos autos ao Tribunal a quo para que o aprecie como agravo interno.
  3. Não se configura ofensa ao art. 535 do CPC/73 quando o Tribunal de origem, embora rejeite os embargos de declaração opostos, manifesta-se acerca de todas as questões devolvidas com o recurso e consideradas   necessárias   à   solução   da   controvérsia, sendo desnecessária a manifestação pontual sobre todos os artigos de lei indicados como violados pela parte vencida.
  4.   Agravo parcialmente conhecido para, nessa extensão, negar provimento ao recurso especial, com majoração dos honorários advocatícios, na forma do art. 85, §§ 8º e 11, do CPC/2015. (AREsp 959.991/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 26/08/2016)

Importante ressaltar que, para o STJ, agora, a interposição de agravo, na hipótese em estudo, constitui erro grosseiro, e, portanto, não se admite mais a remessa dos autos ao Tribunal de origem para recebê-lo como regimental[1]. Será o caso de não conhecimento do agravo, por manifesto descabimento, pois taxativa a dicção do art. 1042 do CPC[2].
Essa linha de raciocínio do acórdão, em consonância com a lei, é correta, na medida em que a evolução do processo civil brasileiro passa por um momento de reflexão argumentativa, que objetiva reduzir demandas e dar força ao precedente, trazendo celeridade à prestação jurisdicional.
Pode-se afirmar, ainda, que se trata de uma necessidade de fechamento argumentativo do processo, em que, para se alcançar a produtividade e finalidade, necessário que se diminua o espaço de argumentação das partes[3], notadamente quando a argumentação for improdutiva e irrelevante para o desfecho do processo.
Dessa forma, a decisão do STJ foi acertada e consentânea com a lei, impedindo, assim, que as partes transformem o agravo do art. 1042 em mais um recurso naquela Corte, quando a matéria nele tratada, já tiver sido solucionada no âmbito de recurso especial representativo da controvérsia.
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[1] Medida cabível anteriormente, em razão do precedente firmado no AgRg no AREsp 260.033-PR, citado acima.
[2] Destacou o STJ, contudo, que tal disposição legal aplica-se aos agravos apresentados contra decisão publicada após a entrada em vigor do Novo CPC, ressalvando, ainda, as hipóteses de aplicação do aludido precedente aos casos em que o agravo estiver sido interposto contra decisão publicada na vigência do CPC/1973.  
[3] Agravo em recurso extraordinário e agravo em recurso especial: entre imposição de precedentes, distinção e superação in Coleção Novo CPC, Doutrina Selecionada, V. 6, 2ª edição. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 997.

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