Julgados recentes do TJ/SP desconsideram a boa-fé do terceiro adquirente quando da decretação de fraude à execução Alexandre Junqueira Gomide
Em maio do presente ano, pouco tempo após o início da vigência do CPC, advertíamos que a proteção do terceiro adquirente de boa-fé estava em xeque nos termos do atual CPC.
Segundo artigo publicado nesse rotativo, alertávamos que a súmula 375 do STJ1 poderia ser revogada a considerar nova redação estabelecida no art. 792, do CPC (clique aqui).
Também advertíamos que, embora a lei 13.097/15
(editada pouco antes do CPC/15) tenha consolidado a concentração dos
atos na matrícula, determinando que não poderiam ser opostas situações
jurídicas não constantes na matrícula do bem, o CPC/15 poderia
reformular um entendimento doutrinário e jurisprudencial criado desde
meados dos anos 90, do século passado.
Isso porque, o CPC/15, retomando a redação do CPC/73
(art. 593, inciso II), determina que é considerada fraude à execução
"quando ao tempo da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor
ação capaz de reduzi-lo a insolvência" (art. 792, inciso IV).
Embora os incisos I, II
e III do art. 792, reafirmem a ideia da súmula 375 e da lei 13.097/15,
determinando que a fraude à execução requer registro da penhora e averbação
de ato de constrição, o inciso IV põe tudo a perder, uma vez que,
segundo o texto legal, bastaria uma simples ação em curso capaz de
reduzir o devedor à insolvência para que fosse decretada a fraude à
execução (desde que o alienante tivesse sido citado).
Em defesa da proteção
ao terceiro adquirente de boa-fé, naquele texto, defendemos o teor da
lei 13.097/15 e da súmula 375 do STJ. Além disso, aguardávamos os
primeiros julgados para saber se a jurisprudência teria um enorme
retrocesso ou corrigiria o que pensávamos ser, talvez, um erro técnico
do legislador.
Fato é que no dia 28 de
setembro, em evento realizado no Sinduscon-SP (CongressoJurídico),
indaguei, na presença de muitos colegas, ao Des. Francisco Loureiro,
qual seria a posição do TJ/SP a respeito da fraude à execução, a
considerar a nova redação imposta pelo art. 792, inciso IV, do CPC/15.
Para a nossa surpresa, o Des. Francisco Loureiro, um dos mais
prestigiados desembargadores do TJ/SP, afirmou que, no entendimento
dele, o atual código revogava a súmula 375 do STJ.
Ressalte-se que, embora
a súmula 375 do STJ presuma a boa-fé do terceiro de adquirente quando
não há registro na matrícula, referida presunção é relativa e, portanto,
ainda que não haja qualquer informação a respeito de constrição sobre o
bem, provando-se que o adquirente tinha conhecimento de algum
apontamento, fica comprovada a má-fé e deve ser reconhecida a fraude à
execução.
Somos defensores,
portanto, da forma como foi construída a súmula 375, do STJ e da lei
13.097/15, que confere maior segurança às transações imobiliárias, além
de determinar ao credor, uma conduta pró ativa para que realize
averbação da ação executiva ou mesmo o imediato registro da penhora na
matrícula do bem que pretende excutir.
O retorno ao
entendimento de que a fraude à execução é verificada tão somente quando
haja ação em curso (da qual o alienante tenha sido citado) em nossa
opinião, seria uma enorme involução ao ordenamento.
Ocorre que, em recente
pesquisa no TJ, com pesar, verifiquei recentes decisões que retomam a
mesma ideia de julgados da década de 1970, desconsiderando o registro da
penhora na matrícula do imóvel.
Refiro-me, por exemplo, ao julgado da lavra do Des. Vito Guglielmi, julgado no dia 27 de outubro de 20162.
Segundo o julgado, que reformou decisão de 1º grau, basta ação em curso
contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência para que seja
decretada a fraude à execução. O julgado desconsiderou o teor da súmula
375, do STJ.
Além disso, em outro julgado3,
datado do dia 17 de novembro de 2016, o Des. Ruy Coppola afirmou que
"para a caracterização da fraude à execução nestas hipóteses, mostra-se
necessária a presença de dois requisitos fundamentais: a existência de
ação em curso, com a citação válida do réu/executado e que a alienação
ou oneração do bem conduza o devedor ao estado de insolvência". No que
diz respeito à súmula 375, do STJ, o julgado afirma que "em se tratando
de transferência gratuita de propriedade imóvel, não se aplica a súmula
375 do STJ, porquanto irrelevante, em tais hipóteses, perquirição quanto
à boa-fé dos donatários".
Em acórdão da lavra do Des. Sérgio Shimura4,
afirmou-se que a súmula 375 não tem caráter vinculante e que "a lei não
exige necessariamente o conluio fraudulento. Basta que o executado
aliene seus bens após a citação, cuja venda o reduza a insolvência". Por
fim, assevera o julgado que "pela máxima de experiência, todo
interessado na aquisição de imóvel deve pesquisar junto ao distribuidor
cível da situação do imóvel ou do domicílio do alienante para constar se
pende alguma demanda contra o alienante".
Advirto o leitor,
contudo, que há esperança. Os julgados acima não refletem a
jurisprudência aparentemente majoritária do Tribunal Paulista, que ainda
possui inúmeras decisões5 reafirmando que a fraude à
execução requer a observância do registro da penhora na matrícula do
bem, presumindo a boa-fé do terceiro adquirente (presunção relativa,
repita-se).
Nesses termos, na
esperança de que a presunção de boa-fé prevaleça sob a presunção de
má-fé, continuamos animados de que o atual CPC/15 não retroceda à
construção doutrinária e jurisprudencial da súmula 375, do STJ.
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1
Súmula 375: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro
da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente".
2 TJ/SP, Agravo de instrumento nº 2102787-20.2016.8.26.0000, Rel. Vito Gugliemi, j. 27 de outubro de 2016.
3 TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2161835-07.2016.8.26.0000, Rel. Ruy Coppola, j. 17 de novembro de 2016.
4 TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2020018-52.2016.8.26.0000, Rel. Sergio Shimura, j. 11 de maio de 2016.
5 Nesses termos, Apelação 1066584-04.2015.8.26.0100,
Rel. Tasso Duarte de Melo, j. 9 de novembro de 2016; Apelação
0000190-87.2016.8.26.0363, Rel., Melo Colombi. j. 17 de novembro de
2016; Apelação 0046534-34.2012.8.26.0114, Rel. Moreira Viegas, j. 10 de novembro de 2016.
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