A ilegal incidência do IR na integralização de capital com direitos de sócio estrangeiro, por Rogério Pires da Silva
O recente Ato Declaratório Interpretativo (ADI) n. 7 da Receita
Federal do Brasil divulgou inusitado entendimento fazendário sobre o
regime tributário da integralização de capital de sociedade, no Brasil,
por sócio residente no exterior, quando realizada por meio de cessão de
direito – situação na qual o Fisco interpreta que há incidência de
imposto de renda de fonte (IRF) à alíquota de 15%.
O artigo 72 da Lei 9.430/1996 tem, de fato, uma redação razoavelmente
ampla: “Estão sujeitas à incidência do imposto na fonte, à alíquota de
quinze por cento, as importâncias pagas, creditadas, entregues,
empregadas ou remetidas para o exterior pela aquisição ou pela
remuneração, a qualquer título, de qualquer forma de direito, inclusive à
transmissão, por meio de rádio ou televisão ou por qualquer outro meio,
de quaisquer filmes ou eventos, mesmo os de competições desportivas das
quais faça parte representação brasileira”.
Todavia, mesmo que o direito seja cedido à pessoa jurídica no Brasil
por força de integralização de seu capital promovida pelo sócio
estrangeiro, é fora de dúvida que o imposto previsto na lei só pode
atingir “as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou
remetidas para o exterior” – pois esta é a base de cálculo escolhida
pelo legislador para fazer incidir o imposto.
Por certo que a integralização de capital da sociedade consiste em
uma troca, segundo a qual o sócio transfere à sociedade uma parcela de
seu patrimônio, e dela recebe quotas ou ações representativas do capital
integralizado. Mas as quotas ou ações assim recebidas não são uma
“importância” em dinheiro – e tampouco são “pagas, creditadas,
entregues, empregadas ou remetidas para o exterior”.
O citado ADI também estipula que, na hipótese de direitos que
impliquem aquisição de conhecimentos tecnológicos ou transferência de
tecnologia, essa integralização de capital fica sujeita, adicionalmente,
à contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) de que trata a
Lei n. 10.168/2000.
Essa lei também define a base de cálculo da contribuição como sendo
“os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a
cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de
remuneração decorrente das obrigações” de que cuida aquele diploma
legal. Não parece haver espaço, também aqui, para a interpretação no
sentido de que as ações ou quotas de capital cedidas ao sócio no
exterior configuram uma “remuneração” pelo direito cedido – muito menos
“valores” pagos, creditados, entregues ou remetidos.
Evidentemente, há possibilidade de que os direitos aqui analisados
sejam transferidos à pessoa jurídica no Brasil, em integralização de
capital, e na sequência essa participação societária seja alienada a
terceiro, com efetiva remessa – aqui sim – de “importância” ao exterior,
correspondente ao preço da alienação dessa participação. É até
ponderável acreditar que em situações de patologia jurídica esse
procedimento seja adotado com o objetivo de disfarçar uma compra e venda
dos direitos – o que, em todo caso, remete a um abuso de forma que deve
ser objeto de lançamento de ofício, dependendo das circunstâncias.
Mas é inviável a leitura de que, como regra geral, toda e qualquer
integralização de capital com tais direitos estaria desde logo
equiparada à remessa (ou crédito) de “importância” (na redação da regra
de IRF) ou de “valores” (no texto da norma sobre a CIDE) ao exterior.
Com efeito, isso equivaleria ao emprego da analogia para exigência de
tributo não expressamente previsto na lei (o que é vedado pelo art. 108
do CTN) – o que conduz necessariamente a uma ofensa ao princípio da
legalidade em matéria tributária (Constituição, art. 150, I).
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, por exemplo, que a
pretensão de cobrar ICMS sobre a habilitação de aparelho móvel celular –
exigida pelo Convênio ICMS 69/98 – configura analogia para estender
ilegalmente o âmbito material de incidência do tributo (Recurso Especial
n. 816.512/PI, j. 25.11.2009, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção
daquela Corte).
A analogia fazendária também foi afastada, na jurisprudência daquela
Corte, em outro caso em que o fisco federal pretendia (ilegalmente)
excluir contribuinte do regime mais favorecido do SIMPLES (à época,
regido pela Lei n. 9.317/96), com amparo em que sua atividade –
fabricação de esquadrias – encontrava obstáculo na regra que vedava a
opção do regime às empresas de construção civil.
A interpretação fazendária aqui analisada, contudo, é particularmente
nociva porque não se limita a gerar efeitos no que tange aos tributos
nela expressamente mencionados. É importante reconhecer que, além de
poder gerar inúteis (e evitáveis) discussões no Poder Judiciário, à
vista dos precedentes acima citados, essa leitura criativa da norma
acaba por fomentar também possíveis outras exigências igualmente
ilegais.
Basta citar que, a prevalecer o entendimento contido no ato
fazendário, a integralização de capital com direitos poderia
teoricamente estar submetida também à incidência de PIS e COFINS, por
equiparação a uma importação de serviços, além do ISS municipal.
Se o propósito do Ato Declaratório Interpretativo 7/2016 foi o de
aumentar arrecadação – sobretudo numa época em que a União Federal vê
seu orçamento apresentar forte “déficit” – é relevante considerar que as
operações aqui analisadas (integralização de capital com direitos) são
muitíssimo raras. Trata-se, portanto, de ato normativo inutilmente
ilegal.
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