Recursos repetitivos no STJ e no STF : influência (mais do que jurídica) nas nossas vidas, por Henri Matarasso Filho e Theotônio Negrão Neto
Desde 2008, há um importante instrumento criado e que
está à disposição do nosso Poder Judiciário: o julgamento pela
sistemática do artigo 543-C do CPC/73 dos carinhosamente denominados recursos repetitivos.
Até poderíamos dizer que este instituto começou a ser encabeçado em 2006, quando a lei 11.418
criou a possibilidade de análise pelo STF de um leading case para
determinar se há ou não repercussão geral e se a conclusão alcançada se
aplicará a todos os casos semelhantes.
A situação é na verdade um pouco diferente, mas o objetivo aqui não é abordar este ponto, já que o novo CPC (lei 13.105/15), em eu artigo 1.036, tratou de unificar a abordagem legislativa (Sempre
que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com
fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para
julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o
disposto no Regimento Interno do STF e no do STJ).
Bem, passemos ao
objetivo desta publicação: qual é a importância desses julgamentos para
vocês, jurisdicionado, advogados, juízes etc.?
Aliás, cabe aqui uma
observação para que fique clara a questão: a justiça não existe para os
advogados, juízes, promotores, procuradores etc. Estes apenas contribuem
para que a justiça exista (e cumpra seus fins). A justiça, que nos
perdoem os descrentes, é um dos principais pilares do Estado Deocrático
de Direito e é o local onde todo cidadão que se sentir lesado poderá
buscar abrigo e proteção.
Certamente você ou
algum conhecido seu já precisou e a justiça (mesmo tardando) não fugiu
de seu papel. Talvez a decisão final não tenha sido a melhor sob a sua
concepção; ou pode ser que a interpretação dada pelo Poder Judiciário
esteja efetivamente equivocada. Mas, sejamos justos, vivemos numa
democracia e temos a convicção de
que todas as armas estavam à disposição das partes e, no final, uma
pretensão – seja a sua ou não – deverá prevalecer.
Passando, então, à
resposta: esses julgamentos significarão (ou ao menos deverão
representar) qual é a interpretação consolidada do Poder Judiciário
sobre determinado tema da nossa legislação, constitucional ou
infraconstitucional.
O STJ, entre outras
competências, é a cúpula do nosso Poder Judiciário para as discussões
que tratem de violação à lei infraconstitucional e para a pacificação de
divergência de entendimentos sobre matéria infraconstitucional entre os
tribunais (federais e estaduais). A palavra do STJ sobre isso deverá,
em tese, ser a final e observada pelos demais julgadores (artigo 927 do
CPC/15). Um recente exemplo é o REsp 1.551.951/SP
(afetado pela sistemática do artigo 543-C do CPC/73), que trata de
questões relacionadas à comissão de corretagem cobrada dos adquirentes
de imóveis (na planta), à denominada taxa de serviços de assessoria
técnico-imobiliária (SATI), bem como ao prazo de prescrição aplicável em
casos com pedidos referentes ao tema.
Diante da pacificação
de entendimentos sobre variados assuntos pelo STJ, restam dúvidas quanto
à influência disso em toda a sociedade (e não apenas na comunidade
jurídica)?
Outro tema de extrema repercussão e relevância é o do REsp 1.483.930/DF,
em que o STJ definirá se o prazo de prescrição para cobrança das taxas
condominiais é de 5 ou 10 anos. Só na cidade de São Paulo, quantos
condomínios edilícios existem? Aliás, salvo melhor juízo, definida esta
questão, a aplicação será para todos os tipos de condomínio. Quantos
condomínios existem no Brasil?
O STF, por sua vez, é o
órgão máximo do nosso Poder Judiciário, cabendo-lhe a palavra final em
questões constitucionais . O STF, por exemplo, julgará matérias
atreladas ao direito à vida, a direitos da personalidade etc.
Vale o adendo de que os
temas mencionados compuseram matéria recursal. Ou seja, coube e caberá
ao STJ (recurso especial: art. 105, III, da CF) e ao STF (recurso
extraordinário: art. 102, III, da CF) a análise da matéria, através do
julgamento de recursos interpostos de decisões dos tribunais locais.
Pacificado o
entendimento pela sistemática de recursos repetitivos, a tendência é que
a conclusão seja aplicada a todos os processos em curso que tratem do
mesmo tema ou, ao menos, aplicada no momento em que tais processos
aportarem no STJ ou no STF. Em outras palavras: solucionada a crise
jurídica, a tendência é a estabilidade da jurisprudência (para além de
sua uniformização) e a aplicação isonômica da solução encontrada em
todos os casos análogos.
Com os entendimentos
firmados pelo STJ e pelo STF, é possível a sua aplicação já em âmbito
administrativo ou, até mesmo, em contratos. A observação espontânea,
atenta e eficiente a esses entendimentos há de evitar inclusive novas
demandas a serem propostas por aqueles que, vendo-se lesados, podem
invocar judicialmente os entendimentos a seu favor. Este pode ser o
caminho para a tão sonhada segurança jurídica.
Evidentemente, por
outro lado, ser pacificada a discussão não significa que ela nunca mais
poderá ser revista. Não podemos ser escravos das decisões, pois, é
claro, a sociedade evolui e a tendência é que as leis e a sua
interpretação também. A própria jurisprudência tem papel fundamental
neste movimento. Assim, há instrumentos para a revisão dos entendimentos
firmados, tais como a distinção (distinguishing) e a superação (overruling). Eventualmente, determinado entendimento poderá ser afastado por argumentos que ainda não foram analisados.
Enfim, não sustentamos
que apenas os casos repetitivos devem ter a atenção da sociedade. A
verdadeira intenção é chamar a atenção para este instrumento que já se
aplica há quase uma década e cuja importância o novo CPC ressaltou ainda
mais.
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