Julgamento TJ-PB: reconhecimento de união estável - convivente varão interditado - Estatuto da Pessoa com Deficiência
Acórdão
APELAÇÃO
CÍVEL Nº 0001300-63.2013.815.2001 - Capital
RELATORA
: Desª. Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti APELANTE : M. C. M.
ADVOGADO
: José Hiram de Castro Veríssimo (OAB/PB Nº 12618)
APELADA :
C. C. de B.
ADVOGADO
: Ana Erika Magalhães Gomes (OAB/PB Nº 13727)
APELAÇÃO
CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL –
CONVIVENTE VARÃO INTERDITADO POR UM DOS IRMÃOS – CURADOR CONTRÁRIO AO
RECONHECIMENTO DA UNIÃO – ESTUDO PSICOSSOCIAL QUE APONTA O MELHOR INTERESSE DO
INCAPAZ – MINISTÉRIO PÚBLICO FAVORÁVEL AO ACOLHIMENTO DO PEDIDO TANTO EM
PRIMEIRA QUANTO EM SEGUNDA INSTÂNCIAS - PRESENÇA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS -
ANÁLISE SENSATA DO MAGISTRADO SINGULAR – MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS NA TEORIA
DAS INCAPACIDADES PÁTRIA – POSSIBILIDADE JURÍDICA DE O PORTADOR DE DEFICIÊNCIA
CONSTITUIR UNIÃO ESTÁVEL – ADVENTO DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA –
GARANTIA DO DIREITO AO AFETO, CUIDADO E ASSISTÊNCIA DO INTERDITADO, APESAR DE
SUA INCAPACIDADE PARA OS ATOS DA VIDA CIVIL – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA –
DESPROVIMENTO DO APELO.
O
legislador constituinte especificou, em seu artigo 226, §3º, que a união entre
homem e mulher constituída como entidade familiar, merece proteção do Estado,
devendo a Lei facilitar a sua conversão em casamento.
“Para a
caracterização da união estável devem-se considerar diversos elementos, tais
como o ânimo de constituir família, o respeito mútuo, a comunhão de interesses,
a fidelidade, a estabilidade da relação, não esgotando os pressupostos somente
na coabitação”1.
1 AgRg
nos EDcl no REsp 805.265/AL, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 21/09/2010
O art.
6º, I, da Lei nº. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência)
expressamente chancela ser juridicamente possível o reconhecimento da união
estável nessa hipótese, considerando que uma parte da capacidade civil da
pessoa fica resguardada, ainda que ela seja portadora de deficiência,
permitindo-lhe o exercício de diversos atos da vida civil, inclusive aquele
objeto de discussão neste feito.
Verificado
no caso concreto que, apesar de incapaz para os atos da vida civil, o
convivente varão, mantém relação de afeto com a autora, caracterizada por todos
os elementos de uma união estável, e ainda, considerando que as escusas
do curador não possuem conteúdo voltado ao melhor interesse do
interditado, deve-se privilegiar a realização do direito ao afeto, cuidado e
assistência como alternativa visando à plena realização dos direitos
personalíssimos do interditado.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acima identificados:
ACORDA a
Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, por unanimidade, NEGAR
PROVIMENTO AO APELO.
RELATÓRIO
Trata-se
de Apelação Cível interposta por M. C. M., curador de J. P. de A. J., contra
sentença (fls. 184/185) proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara de Família
da Comarca da Capital nos autos da Ação de Reconhecimento de União Estável
proposta por C. C. de B. em face do Apelante.
A autora
argumentou, na petição inicial, que convive sob o mesmo teto, como se casada
fosse, com o Sr. J. P. de A. J. desde 2006. Afirma que, apesar de estar o
convivente varão interditado judicialmente, sempre prestou total assistência e
afetividade ao seu companheiro.
Contestando,
o curador e irmão do promovido, asseverou que “a requerente não comprova a
união estável, declara, apenas, que é companheira do interditado, numa
convivência próxima de 7 (sete) anos, o que, data vênia, não corresponde à
verdade” (fl. 115).
Sobreveio
sentença, fls. 184/185, julgando procedente o pedido inicial, reconhecendo a
união estável entre as partes para que produza seus efeitos legais, inclusive
previdenciários e sucessórios, passando a viger entre os conviventes o regime
parcial de bens.
Em
apenso, encontra-se Ação de remoção de curador, suspensa por força do despacho
de fls. 172 daqueles autos, aguardando decisão judicial definitiva neste
processo.
Nas
razões da Apelação Cível (fls. 186/191),
o curador do promovido sustenta as seguintes teses
defensivas:
1) houve
o indevido reconhecimento da união estável entre a autora e o curatelado sem
que a interdição fosse desfeita;
2) o
pretenso companheiro não possui dicernimento necessário para a prática dos atos
da vida civil, razão pela qual entende impossível o reconhecimento da união
estável;
3) a
sentença feriu a Constituição Federal e o entendimento do STJ na matéria, sendo
a postura da autora baseada em interesses patrimoniais na administração dos
bens e direitos do irmão do apelante, sem garantia de preservação;
Ao final,
pugna pelo provimento do recurso para que seja julgado improcedente o pedido de
reconhecimento de união estável.
Contrarrazões
recursais (fls. 197/199), a apelada refutou os argumentos recursais, reiterando
a existência da união estável.
A
Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento parcial do recurso
(fl.205/208).
VOTO
O
instituto jurídico em liça encontra-se previsto na Carta Magna de 1988,
que dispõe em seu artigo 226, §3º:
Art. 226,
§3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua
conversão em casamento.
Neste
diapasão, verifica-se que a União Estável apresenta uma cláusula geral para que
se observe a sua consolidação, devendo a relação apresentar a convivência
pública contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de
família.
Como é
sabido, não é qualquer relacionamento extramatrimonial que adquire os contornos
e as consequências legais da “união estável”. Para a relação ser assim
reconhecida, é imprescindível a cabal demonstração de todos os seus
requisitos2. Aliás, o “namoro simples” ou o “namoro qualificado3”, não conduz,
por si só, ao reconhecimento da união estável, homoafetiva ou não.
2[...]
2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como
requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive,
esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não
consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma
família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a
convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito
apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato,
restar constituída.(REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)
3O namoro
simples é facilmente diferenciado da união estável, pois não possui sequer um
de seus requisito básicos. [...] Já o namoro qualificado apresenta a maioria
dos requisitos também presentes na união estável. Trata-se, na prática, da
relação amorosa e sexual madura, entre pessoas maiores e capazes, que, apesar
de apreciarem a companhia uma da outra, e por vezes até pernoitarem com seus
namorados, não têm o objetivo de constituir família. Por esse motivo é tão
difícil, na prática, encontrar as diferenças entre a união estável e o namoro
qualificado (REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)
O próprio
legislador constituinte cuidou de especificar, em seu artigo 226, §3º4, que a
união constituidora da entidade familiar, merece proteção do Estado, a qual a
lei deve, inclusive, facilitar a conversão em casamento. Assim, para fazer jus
à proteção estatal, o casal deve exteriorizar insofismavelmente a intenção de
constituir uma família, o comprometimento com a vida a dois e com os interesses
recíprocos.
Desse
modo, em face das exigências do art. 1.723 do Código Civil5, exige-se a
convivência entre as duas pessoas de forma “contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família”.
Euclides
de Oliveira in “União estável, do concubinato ao casamento”, 6ª edição, editora
Método, pág. 149, 2003, leciona que:
A
situação de convivência em união estável exige prova segura para que se
reconheça sua existência e se concedam os direitos assegurados aos
companheiros.
Portanto,
o reconhecimento da união estável, diversamente do casamento comprovado com a
respectiva certidão, depende de prova plena e convincente a demonstrar, com
segurança, que o relacionamento se assemelha, em tudo e perante todos, ao
casamento.
As provas
carreadas aos autos demonstram a existência de um relacionamento longo e
duradouro mantido entre o curatelado e a autora, sendo tal fato
confirmado pelo curador mais de uma vez no decorrer da instrução processual,
fl. 71 e 167, além de manifestado pelos conviventes expressamente durante o
estudo psicossocial de fls. 165/169, o que o torna incontroverso e independente
de prova, conforme a dicção do art. 334 do CPC1973, in verbis:
Art. 334.
Não dependem de prova os fatos:
I -
notórios;
II -
afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III -
admitidos, no processo, como incontroversos;
IV - em
cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.
Quanto ao
inconformismo do apelante, irmão e curador do convivente varão, tenho que suas
razões afastam-se do melhor interesse do interditado, que se encontra bem
assistido pela sua companheira inclusive no tratamento da doença que lhe
acomete, o que se conclui dos diversos atestados de acompanhamento, exames
diversos e laudos médicos acostados aos autos.
4Art.
226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
§ 3.º -
para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem
e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em
casamento.
5Art.
1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
À fl.
167, o apelante, referindo-se à autora, afirma:
“no ano
de 2006 passaram a morar na mesma casa e como ela estava cuidando dele, todos
os sábados deixava os alimentos e tudo que o irmão precisava para se manter.”
À fl.
166-verso, o interditado diz:
“Confia
muito em C., que pretende se casar com ela e gostaria que ela ficasse sendo
responsável por ele, pois a mesma cuida muito bem dele é paciente, carinhosa,
atenciosa, leva-o ao médico quando necessário, administra a sua renda e seus
medicamentos, mas legalmente está impossibilitada de representá-lo.”
As
testemunhas declaram a existência de união pública, notória e duradoura entre
os conviventes, como se vê abaixo:
Testemunha
A. de P. L. G., fl.184:
“Que no
ano de 2006 o senhor J. apresentou ao depoente a autora C. Cristina de Barros
como sua esposa; que sempre vê o casal junto.”
Testemunha
D. O. de L., fl. 184:
“que tem
conhecimento de que a autora e o sr. J. vivem juntos, como marido e mulher. Qu
conheceu o casal em 2009 e os dois já mantinham, naquela época, vida em
comum; […] Que a autora é quem cuida de J.; […] Que todos consideram a autora e
o sr. J. como marido e mulher.”
Assim,
não merece guarida o argumento da apelante no sentido de que o reconhecimento
da união estável foi indevido, pois a existência do relacionamento desde 2006,
aliada aos depoimentos, documentos e prova pericial carreados aos autos, são
elementos suficientes para caracterizar a união estável do casal.
Desse
modo, restando demonstrados os pressupostos para configuração da união estável
(como entidade familiar) e existência de esforço comum para
construção/manutenção do patrimônio, deve prevalecer a sentença que deu
procedência ao pedido de reconhecimento.
Sobre o
tema:
AGRAVO
REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. REQUISITOS DA UNIÃO
ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS.
INVIABILIDADE. SÚMULA 07/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.
DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
1.- Para
a caracterização da união estável devem-se considerar diversos elementos, tais
como o ânimo de constituir família, o respeito mútuo, a comunhão de interesses,
a fidelidade, a comunhão de interesses e a estabilidade da relação, não
esgotando os pressupostos somente na coabitação. (AgRg nos EDcl no REsp
805.265/AL, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS),
TERCEIRA
TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 21/09/2010).
[...]
5.- Agravo
Regimental improvido.6
APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE
BENS. INEXISTÊNCIA DE PROVA QUE CARACTERIZE A UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE
COABITAÇÃO, RESPEITO MÚTUO, FIDELIDADE, INTERESSES CONVERGENTES, ESTABILIDADE
DE RELAÇÃO E, PRINCIPALMENTE, AFFECTIO SOCIETATIS FAMILIAR. ALEGADA LITIGÂNCIA
DE MÁ-FÉ. NÃO COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. Para a
caracterização da união estável devem-se considerar diversos elementos, tais
como o ânimo de constituir família, o respeito mútuo, a comunhão de interesses,
a fidelidade, a estabilidade da relação, não esgotando os pressupostos somente
na coabitação. Enquanto a união estável se caracteriza pela convivência marital
entre o homem e a mulher, de forma pública e notória, sendo reconhecidos por
todos como se casados fossem, evidenciando de forma clara e inequívoca o animus
de constituição da família, o namoro é o relacionamento amoroso que, embora
duradouro e público, não transparece para a sociedade as características de
casamento, seja porque os parceiros, conjuntamente, não externaram a vontade de
constituir uma entidade familiar, seja porque a conduta de ambos ou de um
deles é inconciliável com a aparência de pessoa casada. (…).7
Ademais,
acerca das alegações recursais no sentido de que a postura da autora é baseada
em interesses patrimoniais na administração dos bens e direitos do curatelado,
sem garantia de preservação do seu patrimônio, entendo que não há prova de
conduta desabonadora praticada pela autora em relação ao patrimônio do
convivente varão, razão pela qual tais argumentos não são suficientes
para afastar a caracterização da união estável.
6STJ, AgRg no AREsp 223.319/RS, Rel. Ministro
SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe
04/02/2013
7TJPB; AC
024.2011.001307-5/001; Terceira Câmara Especializada Cível; Rel. Juiz Conv.
Ricardo Vital de Almeida; DJPB 20/05/2013; Pág. 10
Além
disso, infelizmente, os autos indicam que a promovente é uma das poucas
pessoas a realmente suprir as necessidades
pessoais de afeto e cuidado do interditado, como se vê das conclusões
exaradas pela equipe multidisciplinar:
“Com
relação à senhora C., se encontra em união estável com o senhor J., pessoa com
o qual quer casar e em sua companhia ele teve uma melhora no que diz respeito
ao afeto, confiança, higiene, alimentação, uso de medicação, cuidados com
médico, dentista, exames laboratoriais, levando-o a uma melhora de seu estado.
A negativa para o casamento poderá acarretar piora das condições psíquicas do
interditado.
Quanto ao
curador, senhor Manuel, […] demonstrou que a intenção inicialmente da
interdição era para beneficiar todos os irmãos com a pensão alta do genitor do
senhor J., o que não ocorreu. Como curador, se desfez de bens do interditado
que estava sob sua administração, com alegação que os valores foram gastos no
sustento do incapaz.
Os demais
irmãos entrevistados não se opõem ao casamento da J. e C., mas desejam que a
administração dos bens fiquem sob os cuidados da família, temem o mau uso do
patrimônio. Sentimos que em nenhum momento houve uma preocupação dos irmãos
como bem estar deste com relação a sua afetividade.”
Por fim,
cabe averiguar a questão da incapacidade civil, levantada pelo apelante como
impeditiva para fins de reconhecimento da união estável entre a autora e o
curatelado.
O
instituto da curatela sofreu significativa modificação com a Lei nº. 13.146, de
2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), inclusive sendo revogado o inciso I
do artigo 1.767 do Código Civil, que sujeitava a curatela aqueles que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tivesse o necessário discernimento para
os atos da vida civil. Por outro lado, restou mantida a disposição do art.
1.775 do mesmo Codex, pela qual o companheiro é “de direito, curador do outro,
quando interdito.”
Por
oportuno, trago o teor do artigo 6º do novel Estatuto da Pessoa com
Deficiência:
Art. 6º A
deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I -
casar-se e constituir união estável;
II -
exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III -
exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a
informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV -
conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V -
exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI -
exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou
adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Na
esteira das importantes modificações legislativas levadas a termo na teoria das
incapacidades pátria, cito o art. 1.550 do Código Civil vigente, alterado pelo
Estatuto acima mencionado (Lei nº. 13.146/2015), ao qual foi acrescentado novo
parágrafo. Confira-se:
CC/02.
Art. 1.550. […]
§ 2º. A
pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair
matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável
ou curador.
Vê-se
que, em face da aproximação, realizada pelo próprio legislador constituinte
originário (art. 226, §3º), entre os institutos do casamento e da união estável,
é possível interpretar o texto legal (art. 1.550, §2º, do CC) de forma
ampliativa para dizer que também a pessoa com deficiência mental ou
intelectual em idade núbia poderá conviver em união estável, afinal “in eo quod
plus est semper inest et minus” (quem pode o mais (contrair casamento), pode o
menos(constituir união estável)), o que se aplica ao caso dos autos.
Igualmente,
o art. 6º, I, da Lei nº. 13.146/2015 expressamente chancela ser juridicamente
possível o reconhecimento da união estável nessa hipótese, considerando que uma
parte da capacidade civil da pessoa fica resguardada, ainda que ela seja
portadora de deficiência, permitindo-lhe o exercício de diversos atos da vida
civil, inclusive aquele objeto de discussão neste feito.
De fato,
a Ação de remoção de curador, em apenso, é a seara própria para a discussão
aprofundada sobre a curatela imposta ao convivente varão e exercida por seu
irmão (ora apelante).
Contudo,
tais modificações legislativas denotam uma mudança sensível na forma de ver e
tratar as pessoas com especiais necessidades, privilegiando-se a ideia de que a
proteção deve estar atrelada ao respeito, amplamente considerado, mormente
quando se trata de considerar a manifestação de vontade da pessoa, nos limites
possíveis à sua capacidade de autodeterminação e compreensão do contexto em que
está inserido.
No
caso concreto, apesar de judicialmente
considerado incapaz
para os
atos da vida civil8, o convivente varão exprimiu claramente a vontade de
continuar a já consolidada relação de afeto mantida com a autora, caracterizada
por todos os elementos de uma união estável.
Nesse
ponto, relevante trazer à tona o art. 5º da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro, segundo o qual “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Em
atenção a esse dispositivo, tenho que a melhor interpretação para o caso
versado é a que permite a constituição de união estável pelo portador de
deficiência mental ou intelectual, levando em consideração o contexto histórico
em que vivemos, bem como o propósito da legislação específica no tema, isto é,
ao fim social desejado (no caso, a efetiva inclusão destas pessoas no seio
social) e, ainda, harmonizando a solução jurídica dada ao fato apresentado com
as liberdades e garantias individuais dos cidadãos (bem comum).
Logo, ao
aplicar as leis, cabe considerar que “A lei é morta. O magistrado vivo. É uma
grande vantagem que ele tem sobre ela.” (Anatole France).
Por fim,
considero que as escusas do curador não possuem conteúdo voltado ao melhor
interesse do interditado, motivo pelo qual deve ser concretizado o direito ao
afeto, cuidado e assistência como alternativa visando à plena realização dos
direitos personalíssimos do interditado.
Com base
em tais considerações, deve ser mantida incólume a sentença de 1.º grau.
Isso
posto, NEGO PROVIMENTO AO APELO, mantendo irretocável a sentença vergastada, em
harmonia com parecer ministerial.
É como
voto.
Presidiu
a sessão o Exmº.Sr. Des. Leandro dos Santos. Participaram do julgamento, além
da Relatora, eminente Desª. Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti, o Exmº.
Des. José Ricardo Porto e o Des. Leandro dos Santos. Presente à sessão a Exmª.
Drª. Vasti Cléa Marinho Costa Lopes, Procuradora de Justiça.
Sala de
Sessões da Primeira Câmara Cível “Desembargador Mário Moacyr Porto” do Tribunal
de Justiça do Estado da Paraíba, em 18 de outubro de 2016.
Desa
Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti
RELATORA
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