CPC nos Tribunais: A retirada do reconhecimento da Repercussão Geral pelo STF

A Emenda Constitucional nº 45/2004, que ficou conhecida como a Emenda da Reforma do Judiciário, trouxe diversas alterações estruturais para os órgãos do Poder Judiciário, importantes para o aperfeiçoamento do sistema de justiça, dentre as quais, destaco a criação do Conselho Nacional de Justiça, que veio conferir uniformidade no tratamento das informações pelos diversos órgãos do Poder Judiciário, estabelecer metas de julgamento, realizar diagnósticos de congestionamento do Poder Judiciário, dentre outras medidas importantes.
Para além das questões estruturais, preocupado com a situação caótica vivenciada pelo Supremo Tribunal Federal, a referida emenda criou a Repercussão Geral em Recurso Extraordinário, requisito de admissibilidade que condiciona o conhecimento do RE no âmbito da Suprema Corte.
Para melhor elucidar o tema, transcrevo o dispositivo:
Art. 102 § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros(Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Regulamentando o dispositivo, o artigo 543 – A do CPC revogado assim dispôs:
Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.      (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
  • 1º  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Por sua vez, o novo Código de Processo Civil regulou o tema de forma similar. Reproduzo o artigo 1.035 do novo codex:
Art. 1.035.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
  • 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.
Basicamente, é requisito para conhecimento do Recurso Extraordinário, a transcendência da relevância da questão discutida no processo. Caso o tema esteja circunscrito à solução de questões particularizadas, sem repercussão econômica, política, jurídica ou social, deve ser negado conhecimento ao recurso.
Retornando ao dispositivo previsto na Constituição Federal, verifica-se que o Recurso Extraordinário apenas será inadmitido, por ausência de repercussão geral, se contar com 8 votos contrários ao seu conhecimento.
No particular, o regimento interno do Supremo Tribunal Federal estabeleceu um procedimento próprio para a análise da presença da repercussão geral. Trata-se do debate, em plenário virtual, sobre a presença ou ausência do requisito recursal. Vejamos o que diz o Regimento Interno da Corte:
Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) ou o Presidente submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.
Art. 324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais Ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de vinte dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral.
  • 1º Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral.
Do exposto, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, no regimento interno, definiu que a omissão do Ministro na apresentação de voto quanto à existência ou não de repercussão geral, acarreta a presunção da presença do requisito. Sendo assim, apenas será reconhecida a inexistência da RG se 8 votos forem apresentados efetivamente nesse sentido.
Pois bem. No julgamento da Questão de Ordem no RE 584247, o Supremo Tribunal Federal discutiu, na sua composição plenária presencial, a possibilidade de a Corte “retirar” o reconhecimento da existência da Repercussão Geral, nas situações em que a sua presença foi reconhecida por ausência de votos contrários.
O Ministro Roberto Barroso, que conduziu o novo entendimento firmado pela Corte, demonstrou preocupação com o acúmulo de processos com Repercussão Geral reconhecida no âmbito do STF, o que poderia ser parcialmente solucionado com a retirada do reconhecimento da RG, especialmente em casos onde se presumiu a sua presença em virtude da ausência de manifestações dos Ministros (denominou de RG por WO).
Ao pedir a palavra, o Ministro Teori Zavascki afirmou que, enquanto não finalizado o julgamento do Recurso Extraordinário, que apenas iniciou-se em Plenário Virtual, poderia o Supremo livremente rever seu posicionamento quanto ao requisito da RG, e afastá-lo, para deixar de conhecer o Recurso Extraordinário, por ausência de RG. Citou ainda precedentes no sentido de que o julgamento de plenário virtual não opera preclusão da deliberação sobre o recebimento do recurso.
Os demais Ministros seguiram o posicionamento do Ministro Roberto Barroso, vencido o Ministro Marco Aurélio, e firmaram posicionamento no sentido da possibilidade de retirada do reconhecimento da existência de Repercussão Geral, nos casos em que foi reconhecida por ausência de votos contrários.
No caso concreto, a deliberação final do Plenário do STF foi efetivamente pelo não conhecimento do recurso por ausência de Repercussão Geral, alterando o posicionamento adotado no Plenário Virtual, que havia reconhecido a existência da RG.
Apesar de o caso estar circunscrito a um processo específico onde houve omissão de alguns ministros, fica a impressão que o Supremo Tribunal Federal abrirá as portas para a retirada do requisito da repercussão geral em casos diversos, o que, por um lado, destravará um sem número de processos que estão aguardando julgamento nos tribunais de segunda instância e tribunais superiores, mas por outro lado, pode significar mais um movimento defensivo na jurisprudência da Corte Suprema, com o simples objetivo de dispensar processos que os próprios ministros não tenham interesse em julgar.

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