STJ anula cláusula de arbitragem em contrato de franquia, por Guilherme Pimenta

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou uma cláusula de arbitragem prevista em contrato de franquia por falta de observância de um dispositivo da Lei de Arbitragem voltado aos contratos de adesão.
Segundo advogados, a decisão não é comum, mas abre precedente para casos futuros. Especialistas chamam a atenção para o fato de a Corte ter flexibilizado, na decisão, um princípio basilar da Lei de Arbitragem, o da competência-competência.
Pelo princípio, apenas o árbitro do caso tem competência para analisar uma cláusula compromissória, e decidir ela é nula ou não. Apenas após a sentença arbitral as partes poderiam recorrer ao Judiciário, com uma “ação de nulidade de sentença”.
Apesar de frisar a importância da competência-competência, a ministra do STJ entendeu que o Poder Judiciário pode intervir nos contratos quando há uma “exceção para melhor acomodação do princípio”.
“O Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral ‘patológico’, claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula instituidora da arbitragem, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral”, afirmou Andrighi.
De acordo com o advogado Ricardo Ranzolin, já havia jurisprudência nesse sentido em casos de cláusula “manifestamente nula, quando, por exemplo, não há assinatura das partes”.
A advogada Selma Lemes, integrante da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), alerta que abrir um precedente no princípio da competência-competência pode levar a decisões inadequadas.
“O STJ tem referendado a Lei de Arbitragem, e a decisão da ministra é coerente. Mas analiso como um perigo”, afirma. “O princípio em questão é o que dá força e rigidez à arbitragem no mundo todo. A partir do momento em que há uma flexibilização, pode gerar um mal maior, contra a segurança da arbitragem”, analisa Selma, co-autora da Lei Brasileira de Arbitragem.
Contrato de adesão
No caso, o princípio foi flexibilizado para a análise de uma cláusula arbitral prevista no contrato de franquia firmado entre a Odontologia Noroeste LTDA (franqueada) e o Grupo Odontológico Unificado Franchising LTDA (franqueadora).
O ponto central da decisão da ministra Nancy Andrighi foi a definição de que um contrato de franquia pode ser classificado como de adesão.
No voto, a relatora cita jurisprudência do STJ e doutrina do jurista Carlos Alberto Carmona, que define os contratos de adesão como aqueles caracterizados pela desigualdade entre as partes: “basicamente, uma das partes, o policitante, impõe à outra – o oblato – as condições e cláusulas que previamente redigiu”.
Apesar de o contrato de franquia não estar protegido pelas regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os ministros consideraram que todos os contratos de adesão – mesmo aqueles que não tratam de relações de consumo – devem observar o disposto no artigo 4º, § 2º, da Lei 9.307/96.
“É um leading case. A partir de agora, em todos os contratos de franquia, em que é comum as partes optarem pela arbitragem, deve-se constar os requisitos do art. 4º parágrafo 2º da lei”, prevê o advogado Ricardo Ranzolin.
No caso concreto (REsp 1.602.076/SP), a anulação se deu pela ausência de destaque da cláusula em negrito e assinatura especial, requisitos previstos no dispositivo, que prevê:
“Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.
Por outro lado, os ministros afastaram a alegação de nulidade da cláusula por violação ao artigo 51, inciso VII, do Código do Consumidor, que autoriza o Judiciário a declarar nula cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem.
A advogada Flávia Amaral, especialista em advocacia para franquias, discorda do entendimento do STJ. “Em franquias, as partes sempre negociam, mesmo a franqueadora apresentando um contrato padrão. E, não sendo de adesão, a cláusula deve permanecer”, afirma Flávia, sócia do escritório Neves Amaral Advogados.
Outro lado
O advogado João Paulo Duenhas, que representa a franqueadora Grupo Odontológico Unificado Franchising LTDA, informou que avalia com o cliente a possibilidade de entrar com um recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a decisão da 3ª Turma do STJ.
“Tentamos alegar que, nesse caso, o contrato não foi em si de adesão, já que houve a possibilidade de discussão entre as partes [franqueado e franqueadora]”, argumenta.

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