Os métodos adequados de solução de controvérsias e a Defensoria Pública, por Franklyn Roger Alves Silva e Diogo Esteves

A utilização de meios alternativos de solução de litígios já era uma preocupação de Mauro Cappelletti por ocasião do Projeto Florença, considerando-se os elevados custos de uma demanda judicial e o tempo percorrido até a decisão final.
De forma geral, os meios ordinários para solução dos conflitos de interesses que surgem na sociedade podem ser divididos em três grupos distintos: (i) autotutela; (ii) autocomposição; e (iii) heterocomposição. Interessa-nos analisar como a Defensoria Pública promove a solução dos litígios por meio dos instrumentos de auto e heterocomposição.
Na autocomposição, as partes celebram acordo de vontades, resolvendo consensualmente o conflito de interesses, seja pela desistência (renúncia à pretensão), pela submissão (renúncia à desistência oferecida à pretensão), pela transação (concessões recíprocas) ou pela resolução colaborativa.
Por meio da transação, a Defensoria Pública desempenha um papel mínimo. Ambas as partes já comparecem à instituição com o litígio alinhavado e postulam apenas a formalização da avença. Não há um atendimento qualificado do membro em favor de uma parte determinada.
Quando o artigo 4, parágrafo 4º da LC 80/94 afirma que o instrumento de transação firmado por defensor público tem eficácia de título executivo, está o texto da norma nacional da Defensoria Pública indicando essa possibilidade de assistência jurídica.
Cabe à Defensoria Pública materializar aquela conjugação de vontades em um documento escrito com força de título executivo extrajudicial, em alternativa ao documento assinado por duas testemunhas (artigo 784, III do novo CPC).
resolução colaborativa é outro método de solução consensual de conflitos, pouco explorado no Brasil. Enquanto na transação as partes chegam a solução do conflito sem a assistência de um profissional, a resolução colaborativa permite a pacificação do litígio por meio de um apoio da Defensoria Pública.
Com origens no Direito norte-americano (collaborative law) e francês (convention de procédure participative), esse método de solução de controvérsias volta o seu olhar e técnicas para as próprias partes. Há um empoderamento dos litigantes, que, mediante assistência jurídica de advogados ou membros da Defensoria Pública, discutem a solução adequada da lide sem a presença de um terceiro condutor[1].
A resolução colaborativa pode ser definida como uma transação qualificada, já que o processo de alcance da solução consensual tem a presença de membro da Defensoria Pública ou advogado, não como terceiro, mas como representante da parte. O estudo da jurisdição e dos métodos demais métodos de solução de controvérsias têm como premissa o fato de que as pessoas não são capazes de solucionar autonomamente os seus conflitos, necessitando recorrer a figura de um terceiro.
Entretanto, essa é uma premissa relativa, posto que o ser humano, desde os primórdios das relações interpessoais, sempre foram capazes de negociar. A complexidade das relações jurídicas é que torna mais dificultoso — mas não inviável — o processo de solução negociada de controvérsias. O que a resolução colaborativa busca restaurar é aptidão do indivíduo em solucionar seus litígios mediante o diálogo e análise de direitos e limites envolvidos na relação jurídica[2].
Quando a autocomposição não pode ser espontaneamente feita entre as partes, os envolvidos podem solicitar a participação de terceiro não interessado para auxiliar na solução do litígio. Como a intervenção objetiva apenas possibilitar a autocomposição, esse terceiro não interessado não recebe o poder de decidir o conflito, atuando apenas para auxiliar as partes na obtenção da solução consensual.
Esse processo voluntário de composição do litígio pode ser feito por intermédio de dois mecanismos procedimentais diversos: (a) mediação e (b) conciliação.
Na mediação, os litigantes buscam o auxílio de terceiro imparcial, que facilita a comunicação e a negociação, propiciando a resolução do problema. Durante o processo de composição, o mediador não exerce atividade opinativa ou sugestiva, deixando para as partes o encargo de criar suas próprias soluções. Nesse contexto, o mediador deve atuar como simples facilitador da resolução do problema, buscando contribuir para o restabelecimento ou manutenção da comunicação entre as partes envolvidas no conflito[3].
A Defensoria Pública tem fortalecido a prática desse método alternativo de solução de litígios, em autêntico protagonismo, já que a mediação lançada no novo Código de Processo Civil possui peculiaridades que desnaturam a essência do instituto e confrontam a própria Lei 13.140/2015.
Na conciliação, por outro lado, os litigantes buscam o auxílio de terceiro imparcial, que conduz e orienta a elaboração do acordo, opinando e sugestionando. Embora não tenha a função de decidir, o conciliador pode interagir com as partes, sugerindo soluções para o conflito de interesses.
Em muitos casos, no entanto, a via consensual resta irremediavelmente obstruída, não sendo possível a autocomposição do conflito de interesses. Nessas hipóteses, a contenda subsistente entre as partes deverá ser resolvida por intermédio da heterocomposição, onde terceiro não interessado fará a emissão de juízo de valor acerca da situação conflituosa, decidindo definitivamente a questão. A decisão proferida pelo julgador possui caráter impositivo e substitui a vontade das partes, fazendo concretamente os desígnios do direito objetivo.
A heterocomposição pode assumir, basicamente, duas formas: (a) arbitragem; ou (b) jurisdição. Na arbitragem, regulada pela Lei 9.307/1996, as pessoas maiores e capazes poderão escolher terceiro imparcial para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A autoridade do árbitro não deriva de poder superior às partes, mas da própria autonomia volitiva das pessoas envolvidas na questão conflituosa.
Após regular o procedimento, o árbitro deverá analisar as alegações apresentadas pelas partes, decidindo de maneira impositiva o litígio. A sentença proferida pelo árbitro não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (artigo 18), produzindo entre as partes os mesmos efeitos da sentença prolatada pelos órgãos jurisdicionais (artigo 31). Inclusive, o artigo 515, VII do novo CPC confere à sentença arbitral eficácia de título executivo judicial, o que significa afirmar que a Defensoria Pública estaria no pleno exercício de atividade jurisdicional.
Modernamente, a doutrina tem chamado a conciliação, mediação, arbitragem e resolução colaborativa como métodos adequados de solução de conflitos, posto que é a natureza do conflito de interesses que indicará o meio mais adequado para a solução[4], criando um ambiente multifacetado, onde a parte seleciona qual mecanismo melhor lhe atenderá[5].
É por isso que somos do entendimento de que a Lei Complementar 80/94 foi muito feliz ao prever que a solução extrajudicial dos litígios é um meio preferencial evitando o uso da expressão “prioritário”. O direito do cidadão de dirigir-se aos tribunais para a solução do conflito não pode ser suprimido pela vontade do defensor público[6].
A instituição, quando presta assistência jurídica, deve ser capaz de avaliar qual é o melhor método de solução do conflito, levando em consideração o que é mais adequado ao assistido, e não para atender interesses da própria instituição.
O artigo 4º, II, da LC 80/1994 deve ser interpretado da forma mais ampla e abrangente possível, de modo a expandir a pacificação dos conflitos sociais. O membro da defensoria pública apenas deverá fazer a propositura de demandas judiciais quando a via consensual restar irremediavelmente obstruída[7].
Note-se, porém, que apesar dos avanços da doutrina moderna em matéria de solução extrajudicial de conflitos, as críticas deduzidas por Owen Fiss aos métodos adequados de solução de controvérsias, especialmente por subtrair o direito de acesso ao judiciário e por nem sempre significar um ganho equitativo das partes[8], sempre merecerão atenção e consideração.
A solução extrajudicial não pode servir para a supressão de direitos. Fiss pondera que a disparidade de recursos entre as partes pode influenciar negativamente na celebração de um acordo por meio de métodos de autocomposição. As partes mais hipossuficientes dispõem de menos condições para aferir o potencial resultado do litígio e levar essas condições em consideração no momento do acordo. A necessidade de solução imediata do conflito também é um favor que pode ocultar o prejuízo advindo da solução autocompositiva. Uma parte mais rica pode induzir o hipossuficiente a aceitar um valor muito aquém ao que ele poderia receber em juízo.
O acordo é muitas vezes firmado por uma impossibilidade financeira da parte em custear as despesas do litígio. Nesse ponto, apesar de o autor referir-se à realidade norte-americana, onde as partes detêm capacidade postulatória, e a assistência jurídica gratuita é exceção, importante considerar que essa circunstância tem aplicabilidade no cenário brasileiro. Constrói-se uma teoria de acesso à Justiça, mediante o reconhecimento do direito constitucional à assistência jurídica e gratuidade de Justiça, olvidando-se de outros fatores extraprocessuais que influenciam a deflagração e processamento de uma lide (despesas de transporte para o fórum e para o órgão de assistência jurídica; dias de trabalho perdidos, por exemplo).  
Marc Galanter, quando aborda a distinção entre repeat player litigants(litigantes frequentes) e one shooter litigants (litigantes eventuais)[9], deixa claro que as partes não habituadas a enfrentarem litígios possuem maiores dificuldades em avaliar os seus comportamentos na relação processual, especialmente as vantagens e riscos do processo, o que não ocorre em relação aos litigantes frequentes, detentores de estruturas, conhecimento técnico e disponibilidade para litigar[10]. Linha de pensamento semelhante é comungada por Leonardo Greco[11].
Jamais deve o membro da instituição suprimir do assistido a possibilidade de conhecer e avaliar, conjuntamente, qual método de solução será o mais adequado, levando em consideração o tempo, a vantagem da proposta e os custos extraprocessuais (não alcançados pela gratuidade de Justiça).

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