Não há diferença legal entre casamento e união estável na partilha de bens, decide STF, por Luiz Orlando Carneiro

 No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios diferentes entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”. Assim, é inconstitucional o artigo 1.790 do mesmo código que discrimina a companheira ou companheiro em união estável, quando se trata de partilha de bens.
Sete dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal votaram neste sentido, na sessão plenária desta quarta-feira (31/8), no início do julgamento de um recurso extraordinário com repercussão geral (RE 878.694), no qual se discute a regra do artigo 1.829 do Código Civil que prevê regimes sucessórios diferentes para cônjuge e companheiro (a) em união estável. Mas o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos para “uma reflexão mais profunda” sobre o assunto.
A maioria já formada a partir do voto do relator Luís Roberto Barroso inclui, pela ordem, os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Os dois últimos adiantaram os seus votos. Além de Toffoli, ficam faltando os pronunciamentos dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
O caso
No caso concreto, a sentença da primeira instância de Minas Gerais reconheceu a companheira como herdeira universal do falecido, dando tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Os dois viveram juntos durante nove anos. O falecido não tinha filhos nem netos, mas apenas três irmãos.
No entanto, em apelação, o Tribunal de Justiça estadual, reconheceu a constitucionalidade do inciso III do artigo 1.790 do Código Civil, e reformou a decisão do primeiro grau. De acordo com o dispositivo em questão, na falta de descendentes e ascendentes, o “companheiro” faz jus, a título de herança, unicamente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, pois concorre com os colaterais até quarto grau, devendo ser excluída sua participação como herdeiro dos bens particulares da pessoa falecida.
No recurso extraordinário ao qual o STF deu status de repercussão geral, a recorrente sustenta que o artigo 1.790 do Código prevê tratamento diferenciado e discriminatório à companheira em relação à mulher casada e alega violação aos artigos 5º, inciso I, e 226, parágrafo 3º, ambos da Constituição. Destaca também a violação à dignidade da pessoa humana, pois o acórdão do TJ-MG permitiu a concorrência de parentes distantes do falecido com o companheiro sobrevivente. E finalmente pede a aplicação do artigo 1.829 do CC (que define a ordem para a sucessão legítima) com a finalidade de equiparar companheiro e cônjuge.
Voto do relator
No voto acompanhado pela maioria dos paresseus pares, o ministro Roberto Barroso anotou, inicialmente, que a questão tem sido tratada de modo diferente por tribunais de Justiça do país. Citou as posições divergentes dos tribunais de Minas Gerais e de São Paulo, de um lado, e do tribunal do Rio de Janeiro de outro. Os dois primeiros a favor da constitucionalidade do artigo 1.790 do CC; o TJRJ pela inconstitucionalidade da norma.
Segundo Barroso, o regime sucessório sempre esteve “intimamente ligado à noção tradicional de família”, na qual os filhos eram submetidos ao pátrio poder, e os filhos fora de matrimônio nem eram reconhecidos. Ou seja, “a família era um fim em si mesmo”, enquanto, depois da Constituição de 1988, o “direito da família”, no singular, passou a ser “o direito das famílias”.
Ainda conforme o relator, a Carta de 1988 é “o ponto culminante” dessa evolução do conceito jurídico de família, ao fixar no inciso 3º do artigo 226: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Lembrou ainda que o próprio legislador ordinário agiu de acordo com a norma constitucional (Leis 8.971/94 e 9,278/96). Mas registrou que o novo Código Civil, de 2003 – baseado num projeto de outra época, anterior à Carta de 1988 – abrigou “algumas ideias que não eram mais do novo milênio”, entre as quais a que está inscrita no artigo 1.790 do Código.
“O incentivo à conversão em casamento não autoriza a inferiorização dos direitos dos conviventes em detrimento dos cônjuges”, afirmou Roberto Barroso.
No seu voto até agora condutor, o ministro-relator concluiu: A Constituição contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta em casamento, incluindo-se as famílias decorrentes de união estável; não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, ou seja, a família formada pelo casamento e a família formada pela união estável; “no sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil de 2002”.

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