Guarda compartilhada deve prevalecer mesmo quando há desavença entre os pais, decide STJ, por Mariana Muniz

A guarda compartilhada deve prevalecer mesmo quando há desavença entre os pais da criança. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que julgou um disputa judicial entre o pai e a mãe de um adolescente (REsp 1.626.495/SP).
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, “não importa a desavença do casal, o que importa é o interesse da criança”.
Na origem da questão sobre a guarda compartilhada, está a Lei 13.058/2014. É que a legislação, ao alterar o parágrafo 2º do artigo 1.584 do Código Civil, disse que quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, e os dois estiverem aptos a exercer poder familiar, “será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos pais disser ao magistrado que não deseja a guarda do menor”.
A controvérsia analisada pelo STJ na sessão da última quinta-feira (15/9) girava em torno de responder se a animosidade entre s genitores poderia impedir a guarda compartilhada, à luz da nova lei.
Para Andrighi, a nova redação do artigo. 1.584 do Código Civil mostra, com força vinculante, a preponderância da guarda da guarda compartilhada. Segundo a ministra, o termo “será” não deixa margem para debate e estabelece a presunção de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, esse vai ser o sistema eleito.
Ao levar seu voto para debate com os outros ministros, a relatora contou uma situação ocorrida enquanto ocupava o cargo de Corregedora-Nacional de Justiça.
Diante da resistência de magistrados a respeitarem a prevalência da guarda compartilhada nesses casos de desavença entre os pais, foi preciso, segundo ela, baixar uma recomendação para que os juízes fiquem atentos à lei que rege a guarda compartilhada.
“O que estamos vendo Brasil afora é que os juízes se negam terminantemente a cumprir o que diz a legislação”, explicou Andrighi. “Relutei muito, pois é um ato antipático. Mas me senti no dever, já que existe uma lei em vigor no território nacional”, afirmou.
Ao abordar a Lei 13.058/2014, a ministra destacou que, apesar da preocupação do legislador com a efetividade da fixação da guarda compartilhada, “perdura ainda hoje o debate sobre a conveniência/possibilidade de se estatuir a guarda compartilhada na ausência de consenso – entenda-se: quando um dos ascendentes recusa a implantação da fórmula, no período pós-separação”.
A conclusão do voto da ministra foi por dar provimento ao recurso especial para cassar o acórdão do tribunal de origem e determinar o retorno do processo ao juízo de piso para estabelecer os termos da guarda compartilhada.
De acordo com Andrighi, tanto a sentença quanto o acórdão ignoraram os elementos dos autos que mostram que o recorrente – pai do menor – é uma pessoa responsável e apta a cuidar do seu filho, em guarda compartilhada.
“Decisão que igualmente afronta o comando legal e dissente de outros julgados que apontam para a imposição da fixação da guarda compartilhada”, afirmou.
Ela foi acompanhada de maneira unânime pelos integrantes da turma, ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.
Jurisprudência
Apesar das variações no posicionamento jurisprudencial da Corte, a postura adotada ainda em 2011 pela 3ª Turma no julgamento do Recurso Especial 1.251.000, de Minas Gerais, influenciou a redação da Lei 13.058/2014. O posicionamento foi favorável à guarda compartilhada, como o ideal a ser buscado na criação dos filhos, no pós-divórcio.
Essa linha jurisprudencial foi inaugurada também pela ministra Nancy Andrighi. Como ela mesma recupera no voto sobre o caso analisado na última quinta-feira, vencia a ideia de que os filhos, em regra, deveriam ficar com a mãe, restringindo-se a participação dos pais a certas circunstâncias.
A ministra atribui essa compreensão ultrapassada a um sistema que ainda era vigente na dominante jurisprudência nacional – o da ultrapassada sociedade patriarcal e os seus padrões, que foram, segundo ela, superados por uma nova postura social.
“O texto constitucional de 1988 definiu novos parâmetros para as relações intra-familiares, como a paternidade responsável; a igualdade entre os gêneros; a preservação, para a criança e, ao adolescente, dos valores imateriais necessários ao seu desenvolvimento sadio (dignidade, convivência familiar e proteção contra a negligência) ”, escreveu.
Em sua argumentação, Andrighi aponta que paralela a essa evolução do pensamento jurídico, ocorreu a crescente percepção de que o melhor interesse dos filhos deve ser perseguido na fixação do sistema de guarda.
A jurisprudência da Corte varia entre a defesa da guarda compartilhada, mesmo sem consenso e a admissão de que, reconhecendo o tribunal de origem a inviabilidade de implantação da guarda compartilhada por falta de consenso, a matéria não poderia ser apreciada novamente, por meio de recurso especial – por causa da Súmula 7 do STJ.
Também existe uma terceira linha de entendimento: a da inviabilidade da guarda compartilhada quando os conflitos entre os pais forem muito significativos. Exemplos desses variados posicionamentos, são os recursos 1.560.594, 1.495.479 e o 1.417.868/MG.
No caso do 1.417.868/MG, julgado pela 3ª Turma no último 10 de maio, o ministro João Otávio de Noronha, relator do caso, entendeu que a guarda compartilhada deve ser aplicada mesmo sem o consenso dos pais.
Mas que essa regra cai por terra quando “os desentendimentos ultrapassarem o mero dissenso, podendo resvalar, em razão da imaturidade de ambos e da atenção aos próprios interesses antes dos do menor, em prejuízo de sua formação e saudável desenvolvimento”.
Urgência
A presidente da Comissão Nacional da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a advogada Melissa Telles Barufi, avalia que a decisão de Andrighi fortalece o entendimento de que ainda é necessário conscientizar os operadores do direito de que a guarda compartilhada é um direito dos filhos e não dos genitores.
“Alguns conflitos oriundos da conjugalidade podem causar grandes descontroles emocionais, os quais podem gerar ódio capaz de superar o dito amor incondicional que mães e pais dizem sentir pelos seus filhos”, afirmou. “E por este motivo os infantes são postos em zona de grande perigo”.
ara ela, que também preside o Instituto Proteger, não se pode favorecer o pai ou mãe que, ao sofrer o fim do amor, ultrapassa a linha da relação conjugal e viola os direitos dos filhos, cometendo abuso do poder familiar – podendo, inclusive, ter o poder familiar suspenso, conforme dispõe o artigo 1.637 do Código Civil.
“Da mesma forma é preciso aceitar, de uma vez por todas, que não serve mais aquele pensamento quase imutável de que o melhor lugar para o filho é com a mãe – simplesmente por ser mãe”, ponderou a advogada.
O reconhecimento da igualdade parental é, segundo Barufi, urgente. “Cabe ao Estado através do poder Judiciário agir com maior presteza e principalmente agilidade, especialmente em demandas onde a saúde física, psicológica e moral das crianças está em debate”.

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