Breves e iniciais reflexões sobre o julgamento do STF sobre parentalidade socioafetiva, por Flávio Tartuce

Em julgamento na tarde de ontem, o Supremo Tribunal Federal acabou por firmar a seguinte tese no julgamento da repercussão geral sobre a paternidade socioafetiva: "A paternidade socioafetiva declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios".
Apesar das críticas de alguns colegas, vejo a tese como um avanço, como bem salientado pelo professor Ricardo Calderon, que sustentou oralmente no feito, representando o IBDFAM.
Destaco três pontos:
1. Reconheceu-se, expressamente e por vários ministros, que a afetividade tem valor jurídico sendo princípio inerente à ordem civil-constitucional brasileira. Como já destacava a grande maioria dos doutrinadores da matéria, trata-se de um princípio do Direito de Família Contemporâneo.
2. A paternidade socioafetiva firmou-se como forma de parentesco civil (nos termos do art. 1.593 do CC), em situação de igualdade com a paternidade biológica. Não há hierarquia entre uma ou outra modalidade de filiação. Chegou-se, assim, a um razoável equilíbrio.
3. A mutiparentalidade passou a ser admitida pelo Direito Brasileiro, mesmo que contra a vontade do pai biológico. Ficou claro, pelo julgamento, que o reconhecimento do vínculo concomitante é para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios. Teremos grandes desafios com essa premissa, mas é tarefa da doutrina, da jurisprudência e dos aplicadores do Direito resolver os problemas que surgem, de acordo com o caso concreto.
Dentre esses problemas, destaco a questão levantada pelo professor José Fernando Simão, a respeito da possibilidade de demandas frívolas, buscando puramente o patrimônio, contra pais biológicos. Tal medida passa a ser juridicamente possível, sob o argumento de que a paternidade, inclusive biológica, não pode ser irresponsável (conforme bem destacado pelo Ministro Gilmar Mendes).
Também me preocupa a aplicação da tese para a reprodução assistida heteróloga, o que poderá fazer com que tal técnica torne-se inviável, pelo temor dos doadores de material genético.
Em resumo, destaco que a tese proposta pelo ministro Luiz Fux, teve os apoios dos ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Carmen Lúcia (oito votos).
Foi vencido, em parte, o ministro Tofolli que propunha outra tese, no sentido de que o reconhecimento posterior do parentesco biológico não invalida, necessariamente, o registro do parentesco socioafetivo; admitindo-se, nesses casos, o registro concomitante da dupla paternidade, inclusive para fins sucessórios.
Também foi vencido o ministro Marco Aurélio, que posicionou-se contra o registro concomitante.
Penso que temos uma nova realidade para o Direito de Família e das Sucessões no Brasil, especialmente diante da multiparentalidade. Muitos serão os debates a partir de agora. Mas passos importantes foram dados.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

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