No
meu tempo de acadêmico do curso graduação a frase da epígrafe acima era
uma das mais repetidas durante os cursos de Direito Romano e Civil, a
qual (como o ideal do direito em uma sociedade equilibrada e racional)
poderia resumir segundo penso toda uma constituição escrita, sem a
necessidade de mais palavras. Parece que no nosso Brasil dos últimos
anos ela foi levada ao paroxismo com um sinal negativo: “viver desonestamente, prejudicar a quem for possível e tomar de todos os que lhes pertencem.”
Vivendo agora novos tempos, depois do adeus a alguns nada queridos,
quem sabe aquela equação não toma lugar entre nós, dentro de um ideário
de justiça efetiva?
Quando nos voltamos
para o instituto da arbitragem, sabemos que ela pode ser realizada de
direito ou por equidade. No primeiro caso o árbitro deve aplicar a lei,
pura e simplesmente. No segundo penso que ela expressa precisamente o
terceiro elemento da epígrafe, quando a sentença atribuirá a cada parte
aquilo que lhe pertence, no âmbito de cada caso concreto. Mas as
arbitragens por equidade no Brasil têm tido uma aplicação praticamente
inexistente e, segundo penso, isto se deve ao fato de que as partes têm
muito medo dela. Melhor ainda, receiam a maneira pela qual o árbitro
entende o que ela seja e como deve ser aplicada. Daí a preferência pela
arbitragem de direito. Afinal de contas a lei é conhecida (ou deveria) e
poder-se-ia esperar com algum grau de segurança e certeza qual seria o
resultado da decisão que viesse a ser proferida em uma demanda, seja
perante o Judiciário, seja via arbitragem.
Mas se o mundo do
direito fosse tão previsível e de fácil entendimento e realização, qual a
razão da existência de tantas doutrinas diversas sobre um mesmo tema e
de tantas decisões que se contrariam na aplicação da lei? Como temos
visto a jurisprudência nos mostra que as sentenças podem ir do “oriente ao ocidente”, tal como parece fazer o sol no seu aparente no seu transcurso diário pelos céus do nosso planeta.
Os motivos são os mais
diversos possíveis, um deles, mais direto, diz respeito ao fato evidente
de que o direito não é uma ciência exata e sua concepção legal, seguido
de sua interpretação e aplicação, seguem processos lógicos extremamente
complicados. Que o digam os sociólogos e exegetas jurídicos. De
qualquer forma a arbitragem de direito encerraria (ou pareceria
encerrar) evidentemente um nível de segurança muito maior do que deixar
ao árbitro decidir segundo a equidade, com todo o eventual subjetivismo
que na sua concepção pareceria (e poderia mesmo) estar presente.
Uma coisa é certa: não
se pode confundir a equidade com a tal da função social da propriedade,
da empresa ou do contrato. Cada vez que eu tenho diante de mim uma
sentença que usa a função social dentro de um dos campos acima citados,
adotando-a como o seu fundamento, eu tremo nas minhas bases e preciso
urgentemente tomar um antialérgico jurídico bem eficaz. Isto porque o
conceito de função social tem sido introduzido no direito brasileiro de
forma casuística e oportunista, dentro de um modismo destinado a
proteger não disfarçadamente aquela parte em uma relação jurídica na
qual é considerada objetivamente como mais fraca (e isto somente porque a
outra é “mais rica”), dando-lhe quase que automaticamente ganho na
causa. Alô, alô, trabalhadores e consumidores e invasores de
propriedades alheias.
Eu já afirmei em outra
oportunidade que a história do nascimento da função social não é nada
exemplar, tendo ela feito parte do Código Civil Italiano da era
fascista, muito utilizada nos tempos do camarada Mussolini, em situação
não por coincidência aparentada com o nazismo contemporâneo. Nos dois
sistemas político/jurídicos estava presente a ideia (melhor dizendo,
“desculpa”) do bem comum em favor do povo e do Estado, tão disfuncional
quanto uma maçã na qual foi injetado um veneno. Que o diga Branca de
Neve. Portanto, falando-se em função social, “modus in rebus”. Claro que
não se pode defender o extremismo do capitalismo selvagem, como tem
sido designada a exploração da atividade econômica isenta de qualquer
nível de irresponsabilidade. Mas é também condenável o outro lado da
moeda, defensora do Estado ilimitadamente paternalista que não vê
fronteiras em sua irresponsabilidade fiscal. Será que alguém deseja
amanhã ser a Venezuela de hoje?
Mas se a arbitragem por equidade pode trazer algum pavor, naquela de direito podemos encontrar alguns desvios na sua aplicação: (i) a utilização pelo julgador de uma eventual ideologia preconceituosa, causadora de distorção da norma utilizada; (ii)
uma decisão pode ser o resultado da pura preguiça do julgador em
estudar o caso com profundidade. Neste sentido, sabe-se como é fácil
aplicar a jurisprudência dominante (ou alguma jurisprudência “especialmente selecionada”); (iii)
o uso de uma súmula construída em um dado momento histórico do direito,
mas que se torna rapidamente superada dentro de um dinamismo social e
jurídico cada vez mais acentuado, especialmente no Direito Comercial; e (iv) como novidade palpitante do direito pátrio, a aplicação de um determinado enunciado,
elaborado em alguma jornada jurídica qualquer durante um fim de semana
ensolarado dentro de um resort cinco estrelas situado na beira da praia,
realizada por um organizador nada isento.
Particularmente eu considero a utilização direta e gratuita de enunciados pelos julgadores como um verdadeiro crime jurídico
praticado pelo juiz precipitado. Mas vejam que sua utilização estaria
no campo da arbitragem de direito (ainda que torto) em completa
frustração da segurança e certeza que dela seria de se esperar.
E sobre essa mesma arbitragem de direito, diz-se à boca pequena que em algumas decisões o árbitro procuraria dar um jeito de “equilibrar”
uma situação que ele julgasse injusta sob algum aspecto em relação à
parte perdedora. Em favor desta o árbitro procuraria fazer algum ajuste
na sua decisão, fundada em algum preceito de direito positivo que
entendesse ser suscetível de aplicação. Eu pessoalmente desconheço um
caso em que se tenha adotado tal tipo de saída, na minha experiência
pessoal que já passou de três lustros.
A questão é que o
direito no seu sentido estrito não costuma se mostrar tão claro como
deveria e isto se dá em uma enorme quantidade de situações apresentadas
para uma solução, seja no Judiciário, seja no campo da arbitragem.
Trata-se principalmente de questões nascidas na execução de contratos
complexos de longa duração e que, por isto mesmo, se têm caracterizado
como incompletos. Incompletos não segundo a teoria da
imprevisão, mas na sua regulação consciente pelas partes no sentido de
que, dados os elevados e insuportáveis custos de transação que estariam
presentes em um clausulado exaustivo, não são e nem poderiam ser
explicitados todos os problemas passíveis de aparecimento no futuro, ao
lado da solução justa previamente acordada pelas partes. Muitas vezes
uma tarefa como estas se revelaria tão impossível quanto se achar um
politico “inteiramente” honesto.
Diante de um contrato incompleto, como ele seria resolvido por arbitragem segundo um dos seus dois modelos?
Na arbitragem de
direito o árbitro procuraria verificar de forma estrita os termos da
avença e sua eventual modificação pelas partes ao longo tempo de sua
execução. Muito comum tem sido o caso da adoção nas relações contratuais
duradouras no tempo de determinadas formalidades que as partes devem
atender estritamente (notificações específicas dentro de determinados
prazos sobre pontos da execução de uma obra civil de grande porte, v.g).
Mas, encontrando-se as partes inicialmente de boa-fé (caráter que tende
a desaparecer progressivamente conforme o andamento da carruagem se
problemas surgirem) e considerada a dinâmica da obra, tais
formalidades deixam aos poucos de serem feitas e exigidas de lado a
lado. Isto significa, no fundo, que o contrato sofreu durante a sua
execução alterações de aceitação recíproca pelas partes, ainda que de
forma tácita. A prova neste sentido, muitas vezes é difícil e até mesmo
irrealizável do ponto de vista efetivo, dando-se no plano dos chamados comportamentos conclusivos.
A maneira pela qual as partes agem em muitas ocasiões não dá indícios
seguros de que houve uma alteração contratual superveniente e em que
sentido ela ocorreu.
Em tais situações,
suponhamos que o contrato tenha sido efetivamente modificado de fato, do
qual resultou um ônus não previsto para uma das partes, mas cuja prova
não tenha sido feita nos autos em vista de alguma dificuldade concreta. A
decisão de direito dos árbitros terá de obedecer aos termos
originalmente estabelecidos, passando-se por cima do prejuízo
experimentado por uma das partes o qual, inclusive, poderá levar ao
inadimplemento das obrigações fundamentais do acordo com a frustração do
negócio e até mesmo a futura quebra da empresa prejudicada. Este
resultado evidentemente não é bom para o mercado em razão do
desaparecimento de uma unidade produtiva. Assim, não se realiza o
negocio ou a obra encomendada e perdem com tal resultado as duas partes e
a economia como um todo.
É neste momento que o
árbitro, mesmo que dentro de uma arbitragem de direito, pode ser
indevidamente levado a procurar uma solução de justiça equitativa e
desobedecer à determinação prévia das partes quanto ao tipo de solução
com a qual expressamente concordaram. Para isto ele terá de distorcer os
termos do contrato ou de uma lei, de alguma maneira que não seja
acintosa. Mas dificilmente a percepção de que isto aconteceu escapará à
parte prejudicada em detrimento da confiança no instituto da arbitragem.
E esta percepção não ficará no âmbito privado das partes em vista do
sigilo do processo, mas passará para o conhecimento do mercado em geral
se aquela que perdeu a causa vier a buscar satisfação perante o
Judiciário, com ou sem razão, diante das hipóteses legais previstas em numerus clausus de anulação da sentença arbitral.
Se, por outro lado, a
arbitragem tivesse sido escolhida na modalidade de equidade, as
situações de desequilíbrio nascidas durante a mudança dos fundamentos
econômicos de base no curso da execução de um contrato incompleto,
seriam reconduzidas pelo árbitro a um ponto que não permitisse os
efeitos negativos acima mencionados, preservando-se o acordo para que
atingisse a finalidade originalmente estabelecida. No fundo, a decisão
buscaria verificar a solução em favor da qual as partes – desde que
boa-fé e considerando os riscos naturais inerentes ao negócio - teriam
optado, caso tivesse sido prevista a eventualidade negativa (fato que,
como vimos, deixou de ser feito no exemplo dado em função dos custos de
transação), levando assim o acordo a bom termo.
Este exercício do árbitro seria feito não na base do achômetro,
mas fundado em elementos objetivos, tais como perícias técnicas e
contábeis, e realizável mesmo que o conjunto probatório não fosse
suficiente para uma decisão fundada no direito, se este tivesse sido o
caminho adotado.
Mas também um caminho
seguro para o árbitro na arbitragem por equidade seria a adoção, por
analogia, de dois pontos presentes na conhecida business judgement rule: (i)
verificar se os efeitos danosos do contrato teriam se manifestado ainda
que a parte causadora tivesse agido com base nas informações
disponíveis e que tivessem sido razoavelmente adequadas diante de uma
decisão que tenha sido tomada; e que (ii) a mesma
decisão tivesse sido adotada como a mais adequada na situação concreta
de um determinado contrato, segundo parâmetros racionais do exercício da
atividade empresarial. Tais orientações informariam a decisão por
equidade, ainda que viesse a contrariar a letra expressa do acordo.
Evidentemente na
arbitragem por equidade não têm os árbitros o direito de passar por cima
de atos de culpa grave ou de dolo da parte que causou a quebra do
contrato, tendo acarretado prejuízos para a sua contraparte. De outro
lado, a culpa leve poderia ser considerada justamente para minorar a
responsabilidade do causador de um dano, sempre tendo em conta um
princípio razoável de equidade. Por exemplo, nas circunstâncias segundo
as quais a parte culpada tenha buscado um determinado nível de
informações para uma tomada de decisão, que depois se mostrasse abaixo
do padrão mínimo aceitável para tal finalidade.
Ou seja, a arbitragem
por equidade quando realizada segundo o principio de que se deve dar a
cada um o que lhe pertence, não constitui um bicho papão do qual o
mercado possa ter assim tanto medo. Tirar de alguém o que é seu mediante
uma ação judicial ou arbitragem consistiria, isto sim, em uma
indesejável expropriação privada.
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