STJ mantém sentença arbitral anulada em primeira e segunda instâncias, por Mariana Muniz

Uma sentença arbitral que havia sido anulada em primeira e segunda instâncias foi restabelecida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No caso em questão, o juízo arbitral havia condenado uma empresa de guindastes ao pagamento de indenização de mais de U$ 1 milhão a sociedade do ramo de navegação.
Os ministros entenderam, por unanimidade, que o indeferimento pelo juízo arbitral de produção de prova contábil — ponto central discutido no recurso — não torna o procedimento de arbitragem inválido.
“Entendo que o árbitro, escolhido pelas partes, lançou mão de instrumentos periciais válidos. Não cabe ao STJ interferir e, consequentemente, enfraquecer, sentenças arbitrais”, cravou o relator do Recurso Especial 1500667/RJ, ministro João Otávio de Noronha.
No caso em questão, a Liebherr Brasil Guindastes e Máquinas Operatrizes protestou contra arbitragem julgada a favor da Chaval Navegação a respeito da instalação de guindastes em um de seus navios. Foi constatado que os guindastes não funcionavam, impedindo que a empresa de navegação pudesse usar a embarcação.
No curso da arbitragem, foi realizada perícia de engenharia que identificou o mau funcionamento dos guindastes fornecidos pela Liebherr. Com base no laudo pericial, o tribunal arbitral condenou a empresa a pagar uma indenização de US$ 1,3 milhão à Chaval.
Após a condenação, a empresa de guindastes pediu que fosse produzida uma nova prova pericial, desta vez contábil, para quantificar os prejuízos financeiros da Chaval. A Liebherr argumentou que a perícia de engenharia avaliou apenas o aspecto técnico do caso, deixando de lado a questão econômica.
O pedido foi negado pela arbitragem, que manteve o ressarcimento de US$ 1,3 milhão à Chaval, sem a realização da perícia contábil. Ao analisar o caso, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) entendeu que a produção da prova pericial contábil e financeira era imprescindível para a correta delimitação da indenização e anulou a sentença.
Anulação
É a própria Lei de Arbitragem (nº 9307/1996) que prevê a anulação das sentenças arbitrais, caso sejam descumpridos alguns critérios e requisitos. Caso uma das partes entenda que houve prejuízo, a parte interessada pode pedir ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral.
Segundo o artigo 32 da legislação arbitral, é nula a sentença caso seja considerada inválida a convenção de arbitragem; se foi proferida por alguém que não podia ser árbitro – alguém impedido de atuar no caso, como um parente ou pessoa próxima a uma das partes.
Se a sentença for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem também é motivo para entrar com um pedido de anulação na Justiça. Além disso, também se pode pedir a nulidade se houver prevaricação, concussão ou corrupção passiva, se a sentença foi proferida fora do prazo estabelecido e se forem desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
Análise
Carlos Forbes, presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), considera que as anulações de sentenças arbitrais não podem ser encaradas de pronto como medidas negativas. “A ação anulatória de sentença arbitral é um instrumento necessário que estabelece os limites para a atuação dos árbitros, sendo verdadeira garantia para as partes e para o próprio instituto da arbitragem”.
Para ele, todo instrumento que se preze precisa de um controle e, por vezes, de correção. “Mais importante do que avaliar em abstrato se uma sentença arbitral foi anulada ou não, devemos avaliar se a decisão judicial é técnica, aplicando as previsões da lei de arbitragem sem fazer mal-uso dessa importante ferramenta de controle”.
A decisão arbitral é terminativa quanto ao mérito, ou seja: não cabe ao juiz togado avaliar o mérito do decidido. Quem explica é Selma Lemes, membro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI: “Ocorre que, no caso presente, a parte alegou que houve cerceamento de defesa, na medida em que foi negada a prova solicitada.  E aí o STJ entendeu, ao meu ver corretamente, que não competia ao juiz analisar essa questão, pois entrou em matéria que era exclusiva do árbitro”.
Portanto, pondera a especialista, não seria o caso de alegar a violação ao direito de defesa invocando o artigo 32 da Lei de Arbitragem – de que não foram respeitados o contraditório e o direito de defesa.
Selma afirma, contudo, que não é comum ver sentenças arbitrais sendo questionadas na Justiça. “Evidentemente há algumas que são questionadas no judiciário, mas a maioria das sentenças são cumpridas”. Esse questionamento poderia se tratar de uma estratégia para procrastinar a execução, um expediente que é usado para isso.
“Essa decisão é muito boa para a arbitragem. Reforça os princípios dispostos na lei de arbitragem. Mais uma vez o STJ dá o tom correto e faz com que a arbitragem trace seu caminho”, avalia.

Comentários