Novo CPC: é possível penhora antes da citação? Por Luiz Dellore

Desde dezembro de 2014, muitos foram os temas enfrentados nesta coluna do JOTA [1], sendo que o tema execução já foi antes enfrentado algumas vezes [2]. O objetivo neste momento é analisar a (im)possibilidade de penhora antes da citação.
A realização da penhora
No caso de execução de quantia, se não houver o pagamento do débito, haverá a penhora, que é a constrição judicial de bem do executado, capaz de garantir o pagamento do débito exequendo.
Pode o exequente, já na inicial do processo de execução, indicar os bens do executado que devem ser penhorados (NCPC, art. 829, § 1º).
Só não serão penhorados os bens indicados pelo exequente se (i) forem impenhoráveis ou (ii) se outros bens forem indicados pelo executado e aceitos pelo juiz, diante da demonstração de que a constrição será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente – o que será apreciado, por certo, caso a caso e após o exercício do contraditório.
Desde o Código anterior, existe a previsão de que o juiz poderá determinar que o executado indique quais são, onde estão e quanto valem os bens passíveis de penhora, sob pena de ato atentatório à dignidade da justiça, que acarreta a imposição de multa (NCPC, art. 774, V). Mas o efeito prático disso, para se conseguir obter algum bem, é pífio.
Ainda sob a perspectiva prática, o mais efetivo é a realização de penhora em dinheiro. 

E, por sua vez, o melhor da penhora em dinheiro é sua realização por meio eletrônico, o que popularmente se denomina penhora online.

O NCPC trouxe algumas novidades quanto à penhora.
Mas isso significa a possibilidade de penhora antes da citação?
A resposta é, em regra, negativa.
Isso porque o art. 829 aponta que (i) inicialmente haverá a citação e (ii) somente se não houver o pagamento pelo executado, no prazo de 3 dias, haverá a penhora.
Nesse sentido, vale conferir o artigo (grifos nossos):
Art. 829.  O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação.
§ 1º Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado.
Mas haveria alguma exceção, alguma possibilidade de se realizar a penhora antes da citação?
A penhora online
O NCPC regula a penhora online de bens do executado (NCPC, art. 854 e ss.), com algumas inovações no procedimento em relação ao que antes existia.
Requerida essa forma de penhora, após requerimento do exequente, o juiz, sem dar ciência ao executado, determinará às instituições financeiras que tornem indisponíveis ativos financeiros do executado (NCPC, art. 854). O juiz deverá cancelar, em 24 horas, eventual indisponibilidade excessiva (NCPC, art. 854, § 1º).
Efetivada a indisponibilidade, o executado será intimado e terá prazo de 5 dias para comprovar que (§ 2º e 3º):
I – as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;
II – ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.
Somente após essa manifestação é que haverá efetivamente a penhora, e então a instituição financeira deverá transferir o montante penhorado para conta à disposição do juízo (§ 5º).
Assim, percebe-se que antes da efetiva PENHORA, haverá prévio BLOQUEIO de valores. E esse bloqueio poderá ocorrer antes da citação?
A resposta é negativa. Isso porque, conforme art. 829 antes exposto, para que haja a penhora, inicialmente há de se dar a oportunidade de pagar.
Portanto, haverá o seguinte:
  1. citação
  2. oportunidade para pagamento;
  3. caso não haja pagamento, bloqueio online
  4. após, penhora
Arresto executivo (por oficial de justiça ou online)
Se, ao tentar realizar a citação, o oficial de justiça não encontrar o executado, mas encontrar bens penhoráveis, poderá arrestar tais bens. Este é o chamado arresto executivo (NCPC, art. 830), previsto desde o sistema anterior.
Essa constrição não configura penhora, mas sim busca evitar que os bens desapareçam, para resguardar o sucesso da execução.
Uma vez efetivado o arresto, o exequente deverá providenciar a citação por edital do executado – caso não haja seu comparecimento espontâneo ou não seja realizada a citação por hora certa, por exemplo.
Após a citação, o arresto será convertido em penhora (NCPC, art. 830, § 3º).
No sistema anterior, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que seria possível o arresto executivo online. Ou seja, se o executado não for encontrado, é possível que se realize o arresto por meio eletrônico, via constrição eletrônica. A primeira decisão constou do informativo 519/STJ (grifos nossos):
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARRESTO EXECUTIVO ELETRÔNICO NA HIPÓTESE DE NÃO LOCALIZAÇAO DO EXECUTADO.
É possível a realização de arresto on-line na hipótese em que o executado não tenha sido encontrado pelo oficial de justiça para a citação. O arresto executivo de que trata o art. 653 do CPC consubstancia a constrição de bens em nome do executado quando este não for encontrado para a citação. Trata-se de medida que objetiva assegurar a efetivação de futura penhora na execução em curso e independe da prévia citação do devedor. Com efeito, se houver citação, não haverá o arresto, realizando-se desde logo a penhora. Portanto, o arresto executivo visa a evitar que a tentativa frustrada de localização do devedor impeça o andamento regular da execução, sendo a citação condição apenas para sua conversão em penhora, e não para a constrição. Em relação à efetivação do arresto on-line, a Lei 11.382/2006 possibilitou a realização da penhora on-line, consistente na localização e apreensão, por meio eletrônico, de valores, pertencentes ao executado, depositados ou aplicados em instituições bancárias. O STJ entendeu ser possível o arresto prévio por meio do sistema Bacen Jud no âmbito de execução fiscal. A aplicação desse entendimento às execuções de títulos extrajudiciais reguladas pelo CPC é inevitável, tendo em vista os ideais de celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Nesse contexto, por analogia, é possível aplicar ao arresto executivo o art. 655-A do CPC, que permite a penhora on-line. REsp 1.370.687-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 4/4/2013.
O melhor teria sido o NCPC expressamente prever o arresto executivo também online, para evitar quaisquer dúvidas. Mas, ainda que isso não tenha constado do Código, por certo que é possível, considerando a jurisprudência fixada pelo STJ.
Portanto, nesse caso, será possível a constrição antes da citação – mas não será penhora.
Tutela de urgência
Além da possibilidade de arresto online com base no art. 830, nada obsta que a parte exequente formule pedido de tutela de urgência cautelar (NCPC, art. 301), de modo que ocorra a constrição antes da citação.
Desde que presentes, por certo, os requisitos para a tutela de urgência, a saber: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (NCPC, art. 300).
Assim, na inicial do processo executivo, se o exequente alegar e prova essa situação, poderá o juiz deferir a constrição antes mesmo da citação. Mas, tal qual exposto acima, isso não será penhora.
Em síntese: o NCPC não permite penhora antes da citação; porém, é possível que haja constrição de bens, de natureza acautelatória, antes do ato citatório – de forma específica no art. 830 e de forma genérica no art. 301.
Epílogo: mudança na lei da impenhorabilidade do bem de família
Por fim, antes de concluir, vale um comentário adicional a respeito de recente alteração legislativa envolvendo penhora, ainda que não se refira ao NCPC.
A impenhorabilidade do bem de família é tratada na L. 8.009/90. As exceções à impenhorabilidade estão no art. 3º, em seus diversos incisos (por exemplo, inciso IV que trata da penhorabilidade do imóvel no caso.
O art. 3º, I da L. 8009/90 foi revogado pela LC 150/15, e tinha a seguinte redação: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
Isso significa dizer, portanto, que atualmente o bem de família é impenhorável MESMO que o débito seja relativo a dívidas em favor de empregado doméstico que trabalhou no referido imóvel.
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[1] As principais colunas foram consolidadas no e-book Novo CPC desvendado (saiba mais sobre o livro aqui: http://jota.uol.com.br/jota-lanca-e-book-novo-cpc-desvendado).
[2]  Acerca da execução, vale destacar a coluna de Andre Roque a respeito das principais inovações da execução (http://jota.info/execucao-novo-cpc-mais-mesmo), a de Fernando Gajardoni acerca da atipicidade dos meios executivos no NCPC, mesmo em relação à obrigação de pagar (http://jota.info/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia) e minha coluna a respeito da penhora de salário (http://jota.uol.com.br/a-penhora-do-salario-no-novo-cpc).

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