Honorários advocatícios, processo velho e código novo, por Marcelo Pacheco Machado

O processo somente existe porque há incentivo econômico para o seu nascimento.  Fora casos especiais – exceções que confirmam a regra –, o demandante propõe a demanda e o demandado (solvente) somente resiste ao adimplemento se esta conduta for economicamente favorável.
Se as chances de êxito são baixas, se os custos são altos, se o risco financeiro é significativo, a tendência é solucionar a crise sem processo. Diferentemente, se as custas são baixas, e o risco de continuar com a demanda é pequeno, a tendência é pela utilização do meio estatal de resolução de controvérsias.
O processo tem, sim, de impor ao sucumbente uma situação muito mais desfavorável que aquela que representaria o mero descumprimento do direito material (tutela meramente ressarcitória). Caso contrário, o tempo gasto com a solução adjudicada funciona com um grande incentivo ao inadimplente. Porque cumprir hoje, se posso cumprir em alguns anos sem nenhuma majoração significativa do débito? Arrastar o processo ao máximo da resistência do credor… Ora, quem não viu essa situação?
Em muitos sistemas jurídicos, foram desenvolvidas soluções para enfrentar esse problema.[1] No Brasil, em especial, a condenação em verbas sucumbenciais é o melhor exemplo, e os honorários advocatícios são normalmente a mais significativa dessas verbas.
O demandante, ao propor a demanda, precisa analisar o ordenamento jurídico, e calcular (a) as chances de perder a causa e, nesta hipótese, (b) o possível valor a ser dispensado a título de honorários advocatícios. Do mesmo modo, o demandado pode recusar o adimplemento ou mesmo proposta de acordo, avaliando (a) as chances de perder a causa, e nesta hipótese, (b) o valor a dispensar com as chamadas verbas sucumbenciais.
Proposta a causa, e pendente a análise do mérito, as partes fizeram suas escolhas com base no ordenamento vigente à época do nascimento do processo. Uma análise econômica, que se pautava nas expectativas concedidas pelo direito.
O problema, com efeito, ocorre quando estas normas mudam no curso do processo e aumentam significativamente a sucumbência. Foi assim, especialmente, com o artigo 85 do Novo Código de Processo Civil de 2015 e seus parágrafos, os quais tarifaram os honorários nas causas da Fazenda Pública, acabaram com a compensação de honorários e, sobretudo, criaram os honorários recursais:
Art. 85. § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento.
A parte que se valeu do processo pode ter feito esta escolha levando em consideração os parâmetros de honorários advocatícios do Código de 1973. A escolha poderia ter sido distinta, se tivesse tomado como referência os critérios do Novo Código. E quando o CPC/2015 chegou, enfrentou uma série de processos pendentes, e a eles se aplicou imediatamente surpreendendo os litigantes.
Assim diz o artigo 14: “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
O problema é mais significativo quando tratamos dos recursos. Há no Novo Código honorários onde antes não havia, para cada recurso interposto. Ao escolher recorrer, sob a égide do CPC/73, a parte sabia que a sentença não poderia ser piorada (vedação da reformatio in pejus) e que o custo deste recurso seria aquele previsto pelo regimento de custas do Tribunal. A escolha de recorrer é racional, e se pauta sempre nesses critérios. Ocorre que, depois de interposto o recurso, o equilíbrio econômico se altera com o Novo Código, e o recorrente passa a correr riscos que antes não corria, quebrando as legítimas expectativas formadas no momento da interposição.
A jurisprudência já começa a jogar luz sobre o caso, especialmente reconhecendo o valor jurídico dessa legítima expetativa (CPC, art. 5º e 6º). Variados precedentes são encontrados, dando sustentação ao enunciado administrativo n.º 7 do Superior Tribunal de Justiça, pelo qual  os honorários sucumbenciais recursais não são norma com aplicabilidade imediata aos recursos em curso, diferentemente, aplicar-se-iam apenas aos recursos interpostos das decisões publicadas sobre a vigência do Novo CPC (Cf. TJRS, 19ª C.C., Embargos de Declaração Nº 70070035381, Relator Des. Mylene Maria Michel, j. 11/08/2016 e TJDF, 1ª T.C., Processo n.º 20160110047072 0001304-06.2016.8.07.0001, Relator Alfeu Machado, j. 27/07/2016, TJSP, 11ª C.D. P., Apelação n.º 10509454620158260002, Rel. Des. Antonio Luiz Tavares de Almeida, j. 28/07/2016).
Fica assim a situação: se publicada a decisão recorrida após 18 de março de 2016, a parte que sucumbir no julgamento recursal poderá sofrer condenação ou majoração nos honorários advocatícios. Diferentemente, e ainda que o recurso tenha sido interposto sob a vigência do Novo CPC, caso a decisão recorrida tenha sido publicada antes daquela data, não serão admissíveis honorários recursais [2].
O novo Código de Processo Civil traz relevantes desafios, já destacados em inúmeros artigos desta mesma coluna, especialmente porque instaura infinitas zonas de incerteza e gera imprevisibilidade na utilização dos mecanismos processuais. Neste momento, pelo menos uma destas grandes incertezas parece começar a arrefecer, com a intensa atuação da jurisprudência em confirmar a orientação administrativa do STJ de março do presente ano.

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