Compensação de pensão alimentícia com custeio de despesas, por Camila Gozzi

Desde que entrou em vigor, em janeiro de 2003, o Código Civil brasileiro manteve a previsão do diploma anterior no que diz respeito à impossibilidade de compensação de verba alimentar com o custeio de qualquer outra despesa que não aquelas exatas determinadas judicialmente. Contudo, essa imposição, que sempre foi confirmada também pela jurisprudência das principais cortes do País, parece ter começado a mudar.
Se antes o devedor de alimentos não podia pretender a compensação, ou pelo menos o abatimento, entre o valor voluntariamente despendido com o custeio direto de despesas em prol do alimentado e aquele judicialmente fixado em pecúnia — o que era considerado ato de mera liberalidade sua, já que a decisão judicial determinava que pagasse os alimentos de forma diferente — atualmente já é possível notar uma importante flexibilização desta regra.
Já são recorrentes os casos em que a Justiça tem admitido a compensação do valor fixado judicialmente com o custeio direto, voluntário e espontâneo de despesas elementares pelo alimentante — e este é, aliás, o que parece ser o único requisito até agora exigido pelos julgadores para autorizar a compensação: a elementaridade da despesa custeada.
Por “despesa elementar” ou “básica”, entendem os juristas como sendo aquelas advindas de setores fundamentais à subsistência de um indivíduo: alimentação, educação, moradia e saúde. Este conceito, claro, é extensível a outros tipos de despesas, mas sempre tendo o bom senso como guia para definir o que seria um gasto indispensável ao desenvolvimento da pessoa.
Ou seja, caso o devedor de alimentos pretenda a compensação do valor que deve ao alimentado em pecúnia com a quitação da mensalidade escolar, do plano de saúde ou de gastos médicos adicionais, por exemplo, já se mostra possível que essa pretensão seja admitida pelos julgadores.
Assim, o alimentante que tem judicialmente fixada contra si pensão alimentícia no valor, em pecúnia, de R$ 5 mil mensais, pode, por exemplo, efetivar o pagamento direto de despesas básicas com escola, saúde e alimentação e subtrair o valor total pago do valor originalmente devido; no final, paga-se em pecúnia apenas a diferença restante.
Decisões neste sentido já podem ser encontradas na recente jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“APELAÇÃO. Ação visando à compensação de despesas suportadas pelo autor com as parcelas vincendas de prestação alimentícia devidas à ex-mulher. Improcedência decretada. Insurgência. Cabimento. Princípio da incompensabilidade dos alimentos que não goza de primazia absoluta e, em caráter excepcional, deve haver sua flexibilização, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa da alimentanda. Despesas para manutenção de empregada doméstica que devem ser objeto de compensação. Ré beneficiária direta dos serviços prestados, cabendo a ela o custeio. Valor pago que poderia ser facilmente suportado com aquele recebido de alimentos (R$ 8.000,00), havendo ainda sobra considerável para a manutenção de outras despesas e necessidades. Demais despesas sem conotação alimentar (cartão de crédito, aquisição de veículo, empréstimos), cujo custeio deu-se por mera liberalidade do autor – Taxas condominiais que devem ser exigidas no campo obrigacional, em virtude de acordo firmado entre as partes Sentença reformada Recurso parcialmente provido.”

(TJ-SP – APL: 0151146-45.2010.8.26.0000 SP, Relator: Salles Rossi, Data de Julgamento: 28/11/2014,  4ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 28/11/2014)
“EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. Extinção. Pagamento comprovado. Despesas pagas diretamente pelo executado aos credores da exeqüente podem ser descontadas dos valores devidos a título de alimentos. Caso não é propriamente de compensação, mas sim de  abatimento de algumas despesas que integravam a obrigação alimentar e foram satisfeitas diretamente pelo devedor. Recurso improvido.”

(TJSP – APL: 0244590-65.2006.8.26.0100 SP, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 24/03/11, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/03/11)
Vale ressaltar, contudo, que apesar de animadora, a tendência de flexibilização da norma pela jurisprudência ainda deve ser encarada com parcimônia, tendo em vista principalmente o fato de que o Superior Tribunal de Justiça ainda reitera o entendimento conservador de que “(…) fixada a prestação alimentícia, incumbe ao devedor cumprir a obrigação na forma determinada pela sentença, não sendo possível compensar os alimentos arbitrados em pecúnia com parcelas pagas in natura.” (cf. AgRg no REsp 1257779/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 12/11/2014).
De toda forma, fica a expectativa pela mudança também do entendimento da Corte Superior, já que a admissão da compensação, além de contemporânea, mostra-se muito mais aplicável à realidade das famílias atuais.

Comentários