Arbitragem e empresas em crise: o novo mercado de financiamento por terceiros, por Rafael Francisco Alves

 Em franca expansão no Brasil, o financiamento de arbitragens por terceiros (third-party funding) é um mercado de oportunidades e desafios. Por esse mecanismo, investidores (geralmente, fundos de investimentos) assumem os custos do procedimento arbitral atribuíveis a uma parte (compreendendo, conforme o caso, honorários dos advogados, peritos, árbitros, taxas de administração da câmara de arbitragem e demais despesas) com a contrapartida dessa mesma parte de receber um percentual sobre o seu resultado (percentual sobre o eventual êxito). Assim, o investidor compartilha o risco da demanda com a parte financiada. Tal arranjo busca resolver o paradoxo enfrentado por diversas empresas brasileiras no atual cenário de crise econômica: o aumento no número de demandas contrastado com a diminuição de recursos disponíveis em caixa para fazer frente aos seus custos (muitos deles exigíveis desde o início do procedimento). Não são poucos os procedimentos arbitrais suspensos ou extintos por falta de pagamento de custas, assim como os pedidos de parcelamento recebidos por instituições de arbitragem no país.
Estado da arte.
Surgido nos países de tradição anglo-saxã para demandas judiciais (principalmente, Austrália, Reino Unido e Estados Unidos), o third-party funding vem ganhando cada vez mais espaço na arbitragem. Em razão do sigilo característico das arbitragens, são poucos os dados disponíveis sobre o uso do third-party funding. Segundo estudos realizados por instituições internacionais, o número de casos envolvendo financiamento de terceiros apenas em 2015 já corresponde a 60% dos casos entre 2010 a 2014, especialmente em arbitragens de investimento.[1] No Brasil, a despeito da forte cultura relacionada com a compra de créditos e recebíveis judiciais, o financiamento de arbitragens ainda se encontra em estágio embrionário, porém avançando rapidamente[2]. Poucos anos atrás este mecanismo sequer era conhecido. Com o aprofundamento da crise econômica e o aumento das demandas arbitrais, todavia, o mercado brasileiro conta atualmente com fundos altamente especializados em avaliação de risco e financiamento de disputas, dispondo, inclusive, de produtos diversificados. Além da modalidade original de financiamento, em que o financiador assume todos os custos da arbitragem contra um percentual de seu resultado, há outros produtos sendo oferecidos no mercado, como aquele em que o financiado deve devolver ao fundo o valor investido com correção monetária e juros, garantindo o retorno mesmo diante de derrota na arbitragem.
Desafios e impactos para a arbitragem.
Considerando que, via de regra, não há previsão específica sobre othird-party funding nas legislações nacionais sobre arbitragem, estão sendo criadas diretrizes (guidelines) e também novos dispositivos em regras institucionais (regras das câmaras de arbitragem) a respeito do tema. O principal ponto de atenção das instituições arbitrais diz respeito à necessidade de revelação do financiamento ao tribunal arbitral e às demais partes do procedimento arbitral. Ao assumir os custos da arbitragem, o financiador passa a ter interesse no procedimento, o que pode afetar a imparcialidade e independência dos árbitros. Por este motivo, órgãos como a CCI (Câmara do Comércio Internacional)[3] e a International Bar Association (IBA)[4] exigem, hoje, a identificação do financiador, a fim de evitar qualquer conflito de interesses entre este e os membros do tribunal arbitral, garantindo a transparência do procedimento. Conhecedores do financiamento, os árbitros têm a possibilidade de fazer eventuais revelações que sejam necessárias ou mesmo recusar o encargo, quando houver algum impedimento. Essa medida é vista com bons olhos pelos usuários da arbitragem, conforme pesquisa realizada pela Queen Mary University de Londres.[5] Acompanhando a tendência internacional, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), acaba de editar a Resolução Administrativa nº 18/2016 que, além de conceituar o mecanismo “financiamento de terceiro”, recomenda que as partes informem sobre a sua existência “na primeira oportunidade possível[6]. Outro desafio diz respeito às formas de impedir eventuais desequilíbrios causados pelo uso do third-party funding. Alguns órgãos estão preocupados com o possível aumento de pedidos frívolos em arbitragens e também com o efeito hit-and-run(“ataca e foge”), já que o terceiro financiador não se responsabiliza pela execução da sentença arbitral. Em outras palavras, a parte vencedora de uma arbitragem não tem garantia de receber os valores devidos pela parte perdedora (em dificuldades financeiras), ainda que financiada, por não estar o financiador sujeito à sentença, já que não é parte do processo. Para estes casos, conforme as regras aplicáveis, a parte afetada pode pleitear a constituição de garantias pela outra parte, sobretudo em relação aos custos da arbitragem[7]. Logo, trata-se de mais um ponto a ser ponderado pelo financiador na avaliação dos riscos da demanda. Para esses desafios, o papel dos advogados especializados em litígios arbitrais é fundamental. Além de representar as partes, os advogados também exercem a função de consultores das partes e dos financiadores. Afinal, a avaliação dos litígios, bem como dos riscos e chances de êxito de uma demanda é atividade jurídica e requer expertisee conhecimento específicos do mercado da arbitragem.
Próximos passos.
Não há dúvidas sobre os benefícios trazidos pelo third-party funding. Trata-se de um mecanismo de “ganha-ganha”: ganham os investidores, com a chance de retorno no curto prazo, ganham as partes, que não precisam abrir mão de seus direitos em razão da falta de recursos financeiros. Além disso, a entrada de mais profissionais sofisticados no mercado da arbitragem, como é o caso dos grandes fundos, é muito bem-vinda e contribui para a eficiência desse mecanismo de resolução de controvérsias. O que podemos esperar é uma competição cada vez mais acirrada entre os fundos pelos casos potencialmente mais rentáveis e entre as partes pelos fundos com condições de financiamento mais vantajosas. Essa é a competição saudável, que contribui para otimizar a alocação dos recursos escassos em qualquer economia. Por outro lado, as diretrizes e regras criadas pelos órgãos arbitrais (domésticos e internacionais) tem se mostrado suficiente para coibir práticas indevidas com a utilização desse mecanismo, sem que seja necessária qualquer alteração legislativa a propósito. Mais uma vez, em termos de regulação da arbitragem, prevalece a máxima de que menos é mais.
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[1] Vide artigo DARWAZEH, Nadia; LELEU, Adrien, Disclosure and Securities for Costs or How to Address Imbalances Created by Third-Party Funding, in 33 Journal of International Arbitration, Kluwer Law International, 2016 (125-150), que faz referência, nas páginas 126 e 127, ao projeto que está sendo realizado pela Queen Mary University, de Londres, e o International Council for Commercial Arbitration (ICCA) –ICCA-Queen Mary Task Force on Third Party.
[2] O tema desperta interesse também no meio acadêmico. Vide o excelente trabalho de Napoleão Casado Filho em sua tese de doutorado recentemente defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: CASADO FILHO, Napoleão, Arbitragem Comercial Internacional e acesso à justiça: o novo paradigma do third-party funding, 2015.
[3] Vide Nota às Partes e aos Tribunais Arbitrais sobre a Condução da Arbitragem conforme o Regulamento de Arbitragem da CCI, de fevereiro de 2016, determinando, no parágrafo 24, que os árbitros devem levar em conta quando da avaliação da necessidade de revelação de conflito de interesses a “as relações entre árbitros e as relações com pessoa jurídica que tenha interesse econômico direto no litígio ou uma obrigação de ressarcir uma parte após a sentença arbitral”. (Disponível em Português: http://www.iccwbo.org/Products-and-Services/Arbitration-and-ADR/Arbitration/Practice-notes,-forms,-checklists/).
[4] Vide diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional de 2014 que equivalem os terceiros financiadores a partes para fins de determinação de conflito (item 6(b)) e determinam o dever das partes em informar o Tribunal Arbitral sobre a existência de outras entidades com interesse econômico direto na disputa, como os financiadores (item 7(a) e nota explicativa). (Disponível em Inglês:http://www.ibanet.org/Publications/publications_IBA_guides_and_free_materials.aspx).
[5] Vide 2015 International Arbitration Survey: Improvements and Innovations in International Arbitration, pesquisa elaborada pela Escola de Arbitragem Internacional da Queen Mary University em parceria com o escritório White and Case LLP. (Disponível em:http://www.arbitration.qmul.ac.uk/docs/164761.pdf).
[6] Resolução Administrativa CAM-CCBC nº 18/2016, artigo 4: “A fim de evitar possíveis conflitos de interesse, o CAM-CCBC recomenda às partes que informem a existência de financiamento de terceiro ao CAM-CCBC na primeira oportunidade possível. Na referida informação deverá constar a qualificação completa do financiador.” (Disponível em:http://www.ccbc.org.br/Materia/2890/resolucao-administrativa-182016).
[7] Conforme item 90 do Relatório da Comissão da CCI, Decisões relativas a Custos em Arbitragens Internacionais (ICC Commission Report Decisions on Costs in International Arbitration, ICC Dispute Resolution Bulletin 2015, Issue 2):  “If there is evidence of a funding arrangement that is likely to impact on the non-funded party’s ability to recover costs, that party might decide to apply early in the proceedings for interim or conservatory measures to safeguard its position on costs, including but not limited to seeking security for those costs or some form of guarantee or insurance. Such measures may be appropriate to protect the non-funded party and put both parties on an equal footing in respect of any recovery of costs”. (Disponível em:http://www.iccwbo.org/Advocacy-Codes-and-Rules/Document-centre/2015/Decisions-on-Costs-in-International-Arbitration—ICC-Arbitration-and-ADR-Commission-Report/).

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