O advento dos planos de recuperação para instituições financeiras, por Vicente Braga

Em  meio a discussões sobre um novo marco legal para os regimes de resolução bancária no Brasil – destacadas pelo evento organizado mês passado pelo Banco Central do Brasil –, no último 30 de junho foi publicada a Resolução nº 4.502 do Conselho Monetário Nacional (“CMN”). Por meio dessa, foi estabelecida para as instituições de maior porte a obrigação de apresentar até 31/12/2017 um plano de recuperação, dentro de determinados parâmetros e seguindo determinado cronograma.
Tal plano de recuperação consiste, grosso modo, em um conjunto de medidas previstas para a manutenção de níveis adequados de capital e liquidez de uma instituição financeira frente a situações de estresse. Assim, sua finalidade é preservar a viabilidade das instituições financeiras, tornando-as melhor preparadas para suportar cenários desfavoráveis.
Longe de ser uma peculiaridade tupiniquim, a previsão de planos de recuperação é medida que acompanha o estado atual da arte da regulação mundo afora, tendo sido consagrada em textos regulatórios de importância, como a Diretiva Europeia de recuperação e resolução bancária e os Key Attributes do Comitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board – FSB).
Medida irmã dos muito discutidos planos de resolução (conhecidos popularmente como living wills), do ponto de vista da evolução da regulação financeira, a previsão de planos de recuperação soa como consequência lógica. Vejamos: (i) em um primeiro momento o Comitê da Basileia se debruçou sobre a definição dos níveis e características mínimas de capital para instituições financeiras; (ii) em seguida, os testes de estresse para avaliar a resiliência desse capital forampopularizados pela gestão de Timothy Geithner à frente do tesouro americano (2009-2013); (iii) a verificação dos impactos dos testes de estresse nos níveis de capital e liquidez intensificaram a preocupação com como as instituições financeiras procederiam para manter sua viabilidade frente a cenários de complicação.
Logo, como política preventiva, parece haver poucas dúvidas de que estamos diante de uma iniciativa de méritos relevantes.
Há, contudo, que se questionar a delimitação do escopo da Resolução CMN nº 4.502. Isso porque, ela restringe a exigência dos planos de recuperação às instituições financeiras cuja razão entre o ativo total e o PIB brasileiro seja superior a 10%. Para se ter medida do que isso quer dizer, com o PIB brasileiro em aproximadamente R$ 5,9 trilhões, apenas instituições com um ativo maior que R$ 590 bilhões serão obrigadas a apresentar um plano de recuperação, o que impõe essa obrigação apenas aos 6 maiores bancos brasileiros (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itáu Unibanco, Bradesco, BNDES e Santander), deixando de fora instituições relevantes como BTG Pactual – que recente protagonizou um caso de estudo de adoção de medidas emergenciais para manter níveis adequados de capital e liquidez, frente a uma situação de estresse – e Safra.
Mais do que isso, um breve olhar ao sistema financeiro brasileiro demonstra que, na história recente, são justamente os bancos pequenos e médios que mais experimentam crises de estabilidade, tendo a categoria sido objeto da decretação de regime especial 46 vezesnos últimos 20 anos, contra 1 dos maiores bancos (o Bamerindus, quesequer figurava entre os 6 maiores bancos à época da sua liquidação). É bem verdade que a resolução prevê a possibilidade do Banco Central requerer que outras instituições preparem planos de recuperação. Contudo, essa hipótese só é aplicável se for considerado que elas desempenham “funções críticas”, definidas no normativo como “atividades, operações ou serviços cuja descontinuidade possa comprometer a estabilidade financeira e o funcionamento da economia real”. Trata-se de um conceito facilmente aplicável a entidades como a CETIP ou a BMF&Bovespa – que estão fora do escopo dessa resolução –, mas dificilmente oponível a bancos fora da regra de 10%. Ademais, se o Banco Central recorrer a esse expediente, há grandes chances disso ser interpretado pelo mercado como um sinal de fragilidade da instituição interpelada, o que por si só traria consequências bastante indesejáveis.
Portanto, se por um lado é compreensível a preocupação acentuada com instituições de grande porte, por outro é preciso levar em consideração o benefício que essa medida poderia trazer à regulação dos demais bancos. Bancos esses, historicamente carentes de uma estruturação mais estável.
Afinal, o exercício de elaboração de um plano de recuperação e submissão ao crivo do regulador permite ao Banco Central uma excelente oportunidade influenciar na moldura as estruturas das instituições financeiras, de modo tanto a aprimorar a resiliência dessa, como também a mitigar os efeitos de uma eventual quebra. Tanto assim é que a já citada Diretiva Europeia sugere que também as instituições de menor porte mantenham planos de recuperação, ainda que, obviamente, com um escopo menos extensivo que aqueles das instituições de maior porte.
Dessa forma, pode-se argumentar que a restrição a instituições de grande porte limita a eficácia prática dos planos de recuperação enquanto ferramenta regulatória. Além disso, dada a elevada concentração do sistema bancário brasileiro, a medida serve como elemento de reforço à já prevalente percepção de que impera no Brasil uma espécie de sistema de castas entre os bancos, pela qual os bancos de menor porte pertencem a uma subclasse. Parafraseando George Orwell em seu clássico Revolução dos Bichos, fica a impressão de que todos “são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”

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