A Audiência Inicial no NCPC e a não obrigatoriedade do comparecimento pessoal da parte, por Paula Menna

novo Código de Processo Civil instrumentalizou, de uma vez por todas, a denominada Justiça Multiportas, que gera a possibilidade de se promover a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação.
Essa clara modificação de paradigmas se deve ao enorme anseio do Poder Judiciário e da sociedade em evitar que se eternizem os conflitos de interesses, em evidente prejuízo aos cidadãos e à economia.
Com o incentivo desses denominados instrumentos espera-se superar os já tão debatidos obstáculos ao acesso à justiça[1] para, em tempo razoável e, em boa parte sem judicialização, solucionar divergências surgidas na sociedade[2].
Sem sombra de dúvidas, a médio prazo, tais medidas não só promoverão significativa diminuição do número de conflitos que assolam o Poder Judiciário como, também e especialmente, oferecerão uma solução mais adequada, célere e econômica.
Já em seu artigo 3º, dispõe a novel Legislação que “é permitida a arbitragem”, além de ser dever do Estado promover, “sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”, determinando que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução de conflito deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
É evidente, portanto, a intenção do Código de estimular a solução consensual, através da previsão já em suas Normas Fundamentais, inclusive como Política Pública.
Dispõe o novo Código de Processo Civil que, preenchidos os requisitos da petição inicial, não se tratando de hipóteses de improcedência liminar, na forma do artigo 332, e, ainda, versando a causa sobre direitos disponíveis, o Magistrado designará audiência de conciliação ou mediação.
Esse ato, portanto, será obrigatório e prévio até mesmo à apresentação da defesa, cujo prazo somente será iniciado no caso de não realização de acordo entre as partes, ao contrário da antiga audiência do Código de 1973[3].
A parte ré será, então, citada e intimada para comparecimento na audiência, devendo constar expressamente do mandado não só a data, local e hora da audiência, como, ainda, o prazo para defesa e a advertência de que a sua ausência injustificada acarretará na aplicação de multa, por ato atentatório à dignidade da justiça[4].
O artigo 334, em seu parágrafo 9º, determina que a parte deverá estar acompanhada por seus advogados ou defensores públicos. Ou seja, a parte deverá necessariamente estar representada em Juízo por seus procuradores[5].
Esse parágrafo comunga com a ideia de que a advocacia é função essencial à administração da Justiça e tal exigência atende aos princípios da ampla defesa e do contraditório, corolários do due process of law.
Como se sabe, a capacidade de ser parte e de estar em Juízo não se confundem com a capacidade postulatória, suprida, obrigatoriamente, por meio de advogado devidamente habilitado.
A aparente confusão se dá pela expressão constante do § 9º, no sentido de que as partes “devem estar acompanhadas de seus advogados”.
Será que a expressão constante do citado parágrafo criaria a obrigação da parte comparecer pessoalmente e estar, ainda, acompanhada de seu advogado, o qual não poderia comparecer desacompanhado? Essa não nos parece a melhor interpretação do artigo.
Como exposto acima, a obrigatoriedade da presença do advogado se dá pela necessidade de que a parte seja assistida por representante técnico, capaz de auxiliá-la durante as negociações.
Por outro lado, a presença pessoal da parte é facultativa, podendo esta comparecer através de representante[6] ou advogado, com poderes específicos para transigir e negociar[7][8]. O Código exige, unicamente, que os poderes sejam outorgados por procuração, na forma do § 10[9].
Na verdade, sendo autorizado ao advogado a possibilidade de realizar, a qualquer tempo, acordos em favor de seu cliente, através de um mandato com poderes específicos para transigir sobre o direito versado na ação, não é razoável que, somente para este primeiro ato, não seja possível o exercício do poder outorgado.
É importante ter em mente, ainda, que os princípios norteadores dos processos nos chamados Juizados Especiais, dentre eles o da pessoalidade, não são aplicáveis ao Procedimento Comum, regulado pelo Código de Processo Civil.
Além disso, a situação é mais crítica nos casos em que a parte é pessoa jurídica, pois, no mais das vezes, os denominados “prepostos” não têm qualquer poder de gestão ou administração na sociedade, o que demonstra a fragilidade do argumento em relação à obrigatoriedade de seu comparecimento.
É absolutamente inaplicável, portanto, a penalidade de multa pelo não comparecimento da parte, na hipótese em que essa se faz representar por advogado com poderes específicos para transigir e negociar.
De fato, a mens legis da citada multa é exatamente coibir a ausência injustificada nas audiências de conciliação ou mediação, de forma a estimular, ao máximo possível, a solução consensual dos conflitos.
Logo, a multa é aplicável em razão do descumprimento do dever de cooperação[10] e boa-fé[11] da parte que, injustificadamente, deixa de comparecer à audiência de conciliação ou mediação.
Destarte, cumprido o objetivo da norma, com a real tentativa de realização de resolução do conflito de interesses por meio consensual, é descabida a cominação de multa sancionatória, vez que não há ato atentatório à dignidade da justiça a ser punido.
Ademais, não é possível a interpretação extensiva de norma para fins de restringir direitos, devendo sempre observar o escopo do novo Código de simplificar as regras procedimentais[12].
Em atenção ao dever de advertência[13], caberia ao magistrado, conciliador ou mediador, acaso verificada a verdadeira necessidade de comparecimento pessoal da parte, fazer constar expressamente da intimação essa ressalva. Trata-se de situação especialíssima, pois contrária à previsão expressa do artigo, o qual, como dito acima, possibilita a representação.
Não há óbices, portanto, que o advogado cumule a função postulatória e, até mesmo, aconselhadora, com a de negociador do acordo, características típicas da advocacia[14].
Por tudo que foi exposto, conclui-se que a interpretação a ser conferida à norma, no sentido de que a parte comparecerá a essa audiência previamente designada, sob pena de incidir em multa sancionatória, dependerá, necessariamente, da análise dos fins pretendidos pelo legislador. Ou seja, é imprescindível verificar se os deveres processuais de cooperação e boa-fé foram efetivamente cumpridos, aplicando-se a pena aos casos em que há verdadeira desídia de uma parte para com a outra e com o próprio Poder Judiciário.
A nosso ver, visão contrária, com a aplicação indiscriminada da multa, acabaria não por estimular, mas verdadeiramente enterrar o instituto da conciliação e mediação, com as partes evitando a designação dessa audiência de modo a prevenir eventual condenação ao pagamento de sanção.

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