Justiça Gratuita: Quem paga o AR em caso de intimação de testemunha para audiência? Por Vanderlei Balsanelli

Por longos anos tramitando no Congresso Nacional, o novo Código de Processo Civil passou por tantas transformações que por vezes nada possui de semelhança com aquela primeira proposta introduzida na Casa Legislativa brasileira.
Primeiro código elaborado em regime democrático, a atual legislação processual civilista tentou ao máximo organizar questões sociais e processuais que há anos clamavam por esta atenção.
Porém, com tanta democracia assim, o Código novamente deixou espaços legislativos que precisarão serem amoldados com o decorrer do tempo, sob pena de serem considerados inconstitucionais pela Corte Suprema.
Nessa toada, adequando-se ao sistema normativo brasileiro, a Lei Adjetiva Civil se atualizou e passou a prever expressamente sobre a gratuidade da Justiça, conforme se denota de seu art. 98, vejamos:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Conforme dito, esta foi uma das diversas inovações que oCódigo de Processo Civil resolveu prever de forma expressa, deixando de prever apenas na legislação esparsa um direito fundamental para pessoas consideradas hipossuficientes economicamente.
Doutro norte, visando algo que o Brasil sofre demasiadamente muito, o Novo Código de Processo Civiltentou encontrar caminhos para a celeridade processual.
País tão democrático, o Brasil possui sérios problemas de gerenciamento de processos. Não há necessidade sequer de muita pesquisa para encontrarmos processos brasileiros que giram em torno de 05 (cinco) anos para terem uma resolução, sendo que muitos outros transcendem a esse tempo.
No meu tempo de estágio estudantil na Comarca de minha cidade (Jaraguá do Sul-SC), me deparei com processos que aguardavam um julgamento há mais de 10 (dez) anos. Atualmente, encontro com prestações jurisdicionais que transpassam esse tempo.
Os fatos que culminam nesta morosidade são diversos, desde a falta de funcionários públicos, à alta rotatividade dos servidores, até ao despreparo profissional nos envolvidos no processo, e até mesmo ao próprio tema discutido.
Uma coisa, porém, é certa, um dos fatores essenciais à morosidade processual é a alta demanda de processos desnecessários, que poderiam ser resolvidos na esfera administrativa. Porém, com uma administração sucateada como a atual, apodrecida pela corrupção e pelo descaso social, o judiciário se torna a válvula de escape entupida com entulhos.
Pois bem. Não fugindo ao assunto, retornemos aos temas processuais inovadores a partir de 2015, especificamente ao da prova testemunhal.
Sobre isso prevê o Código de Processo Civil que se for requerida a produção de prova testemunhal, elas devem ser requerida num prazo comum não superior a 15 dias, in verbis:
Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
[...]
§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas.
Bem, tem-se que a produção de prova testemunhal adaptou-se às necessidades sociais da atualidade. A intimação delas, “também”.
Como se é cediço, no Código de Processo Civil, como se sabe, a parte tinha que depositar em Juízo o rol de testemunhas no tempo oportuno, sob pena de preclusão da prova.
Informado o rol dos testigos, tendo a parte Justiça Gratuita, eram então tomadas as providências cabíveis para sua intimação, seja por Oficial de Justiça ou por correio, tudo às expensas do Poder Judiciário. Não sendo o caso, a parte recolhia as despesas necessárias.
Mais uma vez esta aí um elemento desencadeador da morosidade processual.
Pensaram então os legisladores (penso eu): para que dar esse ônus ao judiciário, se é a parte interessada? Ora, vamos fazer com que o advogado da parte fique responsável pela intimação das testemunhas.
Agora, visando aquelas inovações informadas anteriormente, em específico à celeridade processual, a intimação das testemunhas para a audiência de instrução e julgamento passou a ser encardo do advogado da parte, conforme art. 455do Código de Processo Civil, senão vejamos:
Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.
§ 1º A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos 3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento.
Agora, percebe-se claramente a lacuna deixada pelo legislador, que não notou que até mesmo o simples envio do AR possui um custo, e que no Brasil, diga-se de passagem, não é tão barato assim.
Esse custo, com toda certeza, não vai sair do bolso do patrono da parte, até porque ele não quer pagar para trabalhar. Nesse caso, será a parte que terá de arcar o preço dessa intimação; a parte é quem pagará pela celeridade.
Veja-se, portanto, a incongruência legislativa ao determinar que pessoas economicamente hipossuficientes possuem o direito a Justiça Gratuita.
Por sua vez, preconiza o art. 98 do Código de Processo Civilque a gratuidade da justiça compreende também os selos postais (CPC, art. 98, § 1º, II).
Nítida é portanto a incongruência das normas, pois de um lado concede a isenção de selos postais, mas de outro manda a parte intimar por AR as testemunhas por ela arroladas. Será que basta apresentar uma certidão nos Correios que ela poderá enviar um AR de forma gratuita?
Me parece que não.
Dessa interpretação a única conclusão lógica que se pode ter é que a concessão gratuita da justiça impõe ao Poder Judiciário que promova a intimação das testemunhas arroladas, na mesma sistemática do Código de Processo Civil de 1973.
A inovação legislativa portanto encontra uma falha sistemática que precisa ser suprida, pois não pode onerar quem já não possui capacidade econômica sequer para ingressar em Juízo.
Até porque, caso assim não seja feito, a parte que já possui a concessão da Justiça Gratuita terá seu direito à prestação efetiva da jurisdição cerceado ante a uma formalidade excessiva processual, que preocupado com grandes anseios, deixou escapar inúmeros importantes detalhes.
Estes detalhes, porém, pesam no bolso e na vida, principalmente daqueles que mais anseiam pela Justiça.

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