Debate sobre cláusula resolutiva expressa na recuperação e falência, por Nathália Mendes

É comum as partes fazerem constar, em negócios jurídicos bilaterais, cláusulas que lhes protejam na hipótese de uma delas entrar em recuperação ou falência. Na grande maioria dos contratos, há estipulação de cláusula resolutiva expressa em caso de pedido ou decretação da falência ou deferimento da recuperação (judicial ou extrajudicial), de qualquer das partes.

Como se sabe, a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, nos termos do artigo 474 do CC. Adicionalmente, o enunciado 436 do Conselho de Justiça Federal dispõe que a cláusula resolutiva expressa produz efeitos extintivos independentemente de pronunciamento judicial. Todavia, ainda persiste o debate na doutrina e jurisprudência quanto à legitimidade da cláusula resolutiva expressa em caso de recuperação judicial ou falência.

Em defesa da legitimidade da cláusula resolutiva expressa em caso de recuperação judicial e falência, argumenta-se que a cláusula foi livremente pactuada pelas partes quando da celebração do negócio jurídico bilateral e negociação dos pontos sensíveis da contratação. Ademais, a cláusula resguarda o interesse de ambas as partes, pois é bilateral e passível de ser invocada por qualquer das partes, na ocorrência do evento. Nessa linha, Fábio Ulhoa Coelho defende, especificamente em caso de falência, a legitimidade de tal disposição:
“Se as partes pactuaram cláusula de rescisão por falência, esta é válida e eficaz, não podendo os órgãos da falência desrespeitá-la. O direito falimentar, como capítulo do direito comercial, tem normas contratuais de natureza supletiva da vontade dos contratantes; seus preceitos sobre obrigações contratuais só se aplicam se as partes não convencionarem diferentemente. Assim, o contrato se rescinde não por força do decreto judicial, mas pela vontade das partes contratantes, que o elegeram como causa rescisória do vínculo contratual1.”
Portanto, a parte que invoca tal cláusula para legitimar o seu pleito de resolução, age com respaldo contratual. Dessa forma, se ambas as partes consentiram com a inclusão de tal previsão no contrato, essas concordaram com a produção de seus efeitos, sendo o rompimento do vínculo contratual legítimo para todos os fins. No mesmo sentido, entendeu o TJ/SP em julgamento, no qual considerou a impossibilidade de impor a proibição de rescisão dos contratos pelos clientes da sociedade recuperanda, pois esses poderiam romper o vínculo e contratar com outras sociedades com base nos princípios da livre concorrência e liberdade de contratar:
“RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Processamento deferido. Pedidos liminares acessórios deferidos em parte. I. Insistência da recuperanda para que a concessionária pública fornecedora de gás natural canalizado (GNC) não interrompa/suspenda o fornecimento de gás, rescinda o contrato ou exija garantia de pagamento, em razão dos débitos sujeitos à recuperação. Falta de interesse recursal em relação a esse pedido, deferido pelo Juízo em sede de embargos declaratórios. II. Pedido de proibição de rescisão de contratos, em razão do ajuizamento do pedido de recuperação. Impossibilidade de impor a proibição aos clientes. Princípios da livre concorrência e da liberdade de contratar. Proibição, contudo, que se deve impor às fornecedoras de GNC e GNV (gás natural veicular), sob pena de inviabilizar a tentativa de recuperação econômica da empresa. Regime de monopólio no fornecimento de gás, que impede a recuperanda de buscar outro fornecedor, que não aquele com o qual firmou contrato. Decisão, apenas nesta parte, reformada. III. Suspensão dos efeitos das travas bancárias. Inadmissibilidade. Súmula nº 62 TJSP. IV. Pedido de Vedação de débito automático de parcelas de contratos não sujeitos à recuperação. Impossibilidade. Ausência de amparo legal. Art. 49 §§ 3º e 4º da LRF. Recurso conhecido em parte e provido em parte.” (TJ-SP - AI: 01217392320128260000 SP 0121739-23.2012.8.26.0000, Relator: Teixeira Leite, Data de Julgamento: 12/03/2013, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 26/03/2013) (grifos nossos).
Por outro lado, há posicionamento doutrinário e decisões judiciais2 que defendem a ilegitimidade da cláusula resolutiva expressa em caso da recuperação judicial, pois essa afronta os princípios da preservação da empresa e função social, consagrados no Artigo 47 da lei 11.101/053.
Assim, a recuperação que objetiva preservar a sociedade empresária, estimular a atividade econômica para mantê-la operante e superar a crise econômica, necessita, para tanto, da manutenção dos contratos firmados pela sociedade recuperanda, notadamente, os firmados com os seus clientes, fornecedores, prestadores de serviços, entre outros. Porém, nesse ponto, deve ser ponderado à luz do caso concreto se a manutenção do instrumento contratual é comprovadamente essencial para recuperação ou continuidade das atividades provisórias da sociedade. As seguintes decisões do TJ/SP abordam essa questão:
Apelo. Falência. Pedido de restituição de ações de sociedade anônima em face do não pagamento pela compradora. Contrato de alienação de participação acionária com cláusula expressa de resolução na hipótese de falência da sociedade compradora. Art. 85 da LRF c.c. art. 474 do CC. Validade da cláusula resolutória expressa em face da falência de um dos contratantes. Restituição deferida. Alegação de pagamento parcial do preço das ações a ser apurada em liquidação por artigos, necessária para que as partes retornem ao "status quo ante". Apelo provido, em parte. (...) Ademais, cumpre destacar que não se trata de contrato de fornecimento, nem de locação, nem de arrendamento de máquinas, veículos ou equipamentos, que eventualmente pudessem ser indispensáveis à continuidade provisória da empresa (situação, aliás, não delineada nos autos), mas, pura e simplesmente, cessão de participação acionária em companhia. (...)” (Relator(a): Pereira Calças; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 06/05/2015; Data de registro: 07/05/2015) (grifos nossos).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - Decisão singular que indefere pedido liminar de prorrogação de contratos, sob argumento de que são essenciais à recuperação judicial - Essencialidade não evidenciada - Situação, ademais, em que se constata que os contratos em debate foram constituídos antes do requerimento da recuperação judicial, porém, com prazo certo para encerramento - Houve aditamento e prorrogação pactuados em aditivo firmado quando já deferido o processamento da recuperação - Notificação extrajudicial na qual é cientificado às recuperandas que, findo o prazo estabelecido, não haveria interesse na continuidade - Inexistência de elementos para determinar-se a manutenção e prorrogação dos contratos - Dever de preservar-se aquilo que restou pactuado entre as partes e aguardar-se a triangularização processual - Decisão singular mantida - Agravo improvido. Dispositivo: Negaram provimento”. (Relator(a): Ricardo Negrão; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 22/09/2014; Data de registro: 25/09/2014) (grifos nossos).
No que diz respeito à falência, salienta-se que, conforme o disposto no artigo 117, da lei 11.101/05, os contratos bilaterais não se resolvem pela falência, sendo facultado ao administrador judicial decidir por cumprir ou não o contrato. Vejamos:
Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.
Logo, com base no artigo supramencionado, há posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido que de que a falência por si só não enseja a resolução do instrumento, sendo a cláusula resolutiva expressa em caso de falência ilegítima, pois a lei facultou ao administrador judicial optar ou não pela manutenção da relação. Assim, as partes não poderiam pactuar nos contratos de maneira diversa do disposto na lei. Ademais, a lei 11.101/05 preza pelo interesse público, razão pela qual afasta a prevalência da manifestação de vontade das partes. Nesse sentido, é a decisão abaixo:
“Falência - Contrato de swap - Inexistência de dolo - Inexistência de resolução de pleno direito do contrato. Tratando-se de falência, a lei especial disciplina os atos que devam ser revogados porque praticados no seu termo legal, razão por que não se caracteriza como doloso negócio praticado pelo falido meses antes da intervenção nele exercida pelo Banco Central - O art. 117, caput, da nova lei, a exemplo do art. 43, caput, da lei antiga, tem redação que não permite entender suas prescrições como meramente supletivas da vontade das partes. Apelação desprovida”. (Relator(a): Lino Machado; Comarca: São Paulo; Data do julgamento: 09/06/2009; Data de registro: 16/07/2009; Outros números: 5772634800). (grifos nossos).
Adicionalmente, na doutrina, Gladston Mamede defende a ilegitimidade da cláusula em caso de requerimento ou decretação da falência:
“Entre as posições, parece-me mais adequada aquela que afirma a invalidade da cláusula resolutiva pela falência. Em primeiro lugar, não me parece que, em hipótese alguma, a simples distribuição do pedido de falência pode ser transformada em causa resolutiva do contrato. O direito de ação é direito público subjetivo, ou seja, é faculdade outorgada a todos os cidadãos de levar ao judiciário suas pretensões jurídicas, mesmo que não tenham razão no mérito dessas pretensões. Transformar esse ato de terceiros em causa de extinção de negócios seria submeter o contrato ao puro arbítrio daquele, o que é, no mínimo, contrário à ordem pública (assentada sobre o amplo acesso ao Judiciário, ex vi no artigo 5o, XXXV, da Constituição da República) e aos bons costumes: não se trata de cláusula que reflita a função social dos contratos que, como se afere do artigo 421 do Código Civil, é razão e limite da faculdade de contratar. Mais do que isso, fere a boa-fé, como a compreende a sociedade, pois torna a pessoa refém do imponderável, podendo ser lesada sem dar causa a tanto. Pior é observar que tal cláusula explica-se justamente como tentativa de fraudar a lei, ou seja, de fraudar o artigo 117 da Lei 11.101/05, nas suas íntimas relações com os seus artigos 75 e 115, e são justamente esses dispositivos que, como se verá́ abaixo, sustentam a invalidade da cláusula resolutiva pela falência.5”.

Depois dessa breve análise do tema, nota-se que os esforços realizados na pesquisa sobre a cláusula resolutiva contratual expressa, em caso de falência ou recuperação judicial, encontra argumentos favoráveis e contrários à sua validade em eventual litígio judicial.
No entanto, ainda que não haja consenso nos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o assunto, entendemos que os contratos bilaterais permanecerão contemplando a cláusula de resolução expressa em caso de recuperação judicial e falência.
Considerando o atual cenário econômico financeiro, em que cresce o número de pedidos de recuperação judicial e falência, comparativamente aos anos anteriores, as partes contratantes buscam também negociar a inclusão de tal cláusula no contrato para mitigar os riscos de serem compelidas a manter o vínculo contratual com sociedades nas situações ora abordadas (recuperação e falência). Assim, a cláusula atende os interesses dos contratantes de evitar prejuízos decorrentes de inadimplemento ou da inexecução do contrato em face de situação financeira ruinosa pela qual possa passar uma das partes do contrato.

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