A crise econômica que afeta o Brasil nos últimos anos fez da
construção civil uma de suas maiores vítimas. Além de muitas
construtoras suspenderem novos empreendimentos e oferecerem brindes e
prazos maiores para pagamento, boa parte dos consumidores teve de
devolver imóveis comprados por não conseguir pagar as prestações.
A
queda de 8% no valor dos imóveis nos últimos 12 meses, segundo o índice
FipeZap, e a taxa de desemprego em 11,2% no último trimestre, de acordo
com o IBGE, confirmam as dificuldades enfrentadas pelas duas pontas
dessa relação. A inflação alta — em abril, o IPCA registrou variação de
9,28% no acumulado dos últimos 12 meses — também afeta diretamente as
prestações devido aos reajustes previstos em contratos.
A
devolução de imóveis, apesar de já possuir jurisprudência consolidada no
Superior Tribunal de Justiça, sempre acaba gerando um conflito entre
consumidor e construtora. O advogado Eduardo Veríssimo Inocente,
do escritório EVI – Sociedade de Advogados, destaca que a Súmula 543 da
corte determina que, havendo culpa exclusiva da construtora/vendedor,
deverá ser devolvido ao comprador o valor total das parcelas, corrigidas
monetariamente.
“Caso a rescisão seja por parte do consumidor,
mesmo que justificada por motivo de foro íntimo, o percentual de
retenção da parte vendedora poderá variar entre 10% e 25%, dependendo do
caso em questão”, explica Veríssimo.
Segundo o advogado, o STJ
entende que, quando o comprador já entrou no imóvel, a construtora pode
reter até 25% dos valores pagos, devolvendo o remanescente corrigido.
“Quando o consumidor ainda não entrou, o vendedor pode reter até 15% do
que já foi pago, restituindo o restante com correção monetária. É
importante observar que o valor pago a título de sinal também compõe o
montante que deve ser devolvido.”
Esse entendimento do STJ foi usado no REsp 907.856,
quando a corte definiu que o consumidor pode rescindir o contrato e
pedir a restituição dos valores pagos por não ter mais condições de
pagar as prestações, mesmo havendo cláusula contratual prevendo a
retenção total. No recurso, o dispositivo foi anulado e considerado
abusivo.
As formas e condições da restituição, quando houver rescisão, foram definidas pela 2ª Seção do STJ com base no artigo 543-C do Código de Processo Civil
em recurso repetitivo. “É abusiva cláusula que determina a restituição
dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, no
caso de resolução de contrato de promessa de compra e venda, por culpa
de quaisquer contratantes”, explica o colegiado.
Se a devolução
dos valores ocorrer apenas depois de terminada a obra, o STJ entende que
a prática retarda o direito do consumidor à restituição da quantia
paga, violando, assim, o artigo 51, II, do CDC.
A demora para devolver os valores também é caracterizada como vantagem
exagerada para o fornecedor, conforme o inciso IV do mesmo artigo.
Havendo
resolução do contrato, segundo a seção, “deve ocorrer a imediata
restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador —
integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente
vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem
deu causa ao desfazimento” (REsp 1.300.418).
Jurisprudência farta
No Pesquisa Pronta,
há jurisprudência e diversos acórdãos sobre a relação de consumo
envolvendo construtoras. O material traz, principalmente, julgados da 3ª
e da 4ª Turma do STJ, especializadas em Direito Privado.
O tribunal considera o Código de Defesa do Consumidor
aplicável aos contratos de compra e venda de imóveis apenas quando o
comprador for o destinatário final do bem. De acordo com a 3ª Turma, o
uso do CDC
é válido porque o código “introduziu no sistema civil princípios gerais
que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o
princípio da boa-fé objetiva” (REsp 1.006.765).
Para o STJ, o CDC pode ser aplicado em relação à corretora imobiliária responsável pela realização do negócio (REsp 1.087.225) e também nos contratos em que a incorporadora se obriga a construir unidades imobiliárias mediante financiamento (AREsp 120.905).
A corte entende que o contrato de incorporação é tanto pela Lei
4.561/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as
incorporações imobiliárias, quanto pelo código do consumidor.
A
publicidade veiculada pelas construtoras também faz parte do contrato
para o STJ. Um dos processos julgados na corte tratava do caso em que
várias pessoas compraram diversos imóveis sob a promessa de que seria
constituído um pool hoteleiro. Entretanto, vendida a proposta de
hotel, ocorreu interdição pela prefeitura em virtude de a licença ser
apenas residencial.
A empresa vendedora tentou anular a
interdição remodelando o projeto anunciado, mas as mudanças não
satisfizeram os compradores. No caso, o STJ entendeu que era cabível
indenização por lucros cessantes e dano moral (REsp 1.188.442).
Outro
descumprimento que gere indenização, de acordo com o STJ, é o atraso na
obra. A construtora deve pagá-la conforme consta no contrato, além de
arcar com os danos materiais, como o custo da moradia usada pelo
consumidor durante o período em que a obra não é finalizada ou o valor
correspondente ao aluguel do imóvel.
Restrição de valores
O
STJ também têm restringido os valores de eventuais indenizações, dos
juros e das taxas de corretagem. Sobre as compensações por danos morais,
a corte entende que certos fatos são apenas de meros aborrecimentos.
Mesmo assim, a jurisprudência da corte estabelece que o atraso na
entrega do imóvel permite indenização, além de multa prevista em
contrato (AREsp 521.841).
Em
relação aos juros, o STJ define que cláusulas que preveem a incidência
de alíquotas para compensar os valores de prestações anteriores à
entrega das chaves não são ilegais ou abusivas. Os ministros da 2ª Seção
entenderam, por maioria de votos, que, como a compra parcelada é uma
escolha do consumidor, a cobrança dos juros é válida, desde que
estabelecida no contrato (EREsp 670.117).
As
cobranças de comissão de corretagem em contratos de também foram
analisadas pelo STJ. Para o tribunal, o ônus da corretagem é da
vendedora, exceto quando o consumidor contratar o corretor para
pesquisar e intermediar a negociação. "Em regra, a responsabilidade pelo
pagamento da comissão é do vendedor; contudo, considerando os elementos
dos autos, justifica-se a distribuição da obrigação" (Ag 1.119.920).
Porém, a taxa não pode ser cobrada se o negócio não foi concluído porque as partes desistiram (AREsp 390.656). Segundo a ministra Nancy Andrighi, o artigo 725 do Código Civil de 2002 permite a cobrança, mas o novo CPC
indica que o julgador deve refletir sobre o que é resultado útil a
partir do trabalho de mediação do corretor, pois a intenção das partes
em comprar não justifica o pagamento de comissão (REsp 1.183.324).
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