A política “café com leite” das convenções de arbitragem, por Luís Fernando Guerrero

O atual contexto econômico brasileiro com a falta de capacidade financeira dos governos estaduais e federal frente à necessidade de investimentos põe em voga as Parcerias Público Privadas prevista na lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Trata-se de uma forma ágil e flexível de atração de investimento da iniciativa privada.
Na linha das Parcerias Público Privadas, a arbitragem é muitas vezes indicada como uma forma de solução de conflitos célere, imparcial, e eficiente, já que não se vale da estrutura do Judiciário. Nessa linha, são comuns iniciativas de entes federativos para a definição de parâmetros para tal arbitragem, sempre tormentosa por lidar com agentes públicos e eventuais direitos indisponíveis (vide a referência no Guia Básico dos Contratos de Parcerias Público-Privadas do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo).
Nesse aspecto, o Estado de São Paulo e a sua Procuradoria Geral optaram por definir uma cláusula padrão de arbitragem, já inserida em diversos contratos. Caminho distinto foi o adotado pelo Estado de Minas Gerais. O estado das alterosas optou por um modelo próprio de arbitragem relativo às obras de Parcerias Público Privadas em seus domínios, mas por meio de uma Lei Mineira de Arbitragem (lei nº 19.477, de 12 de janeiro de 2011). São vários os exemplos de utilização de tal lei, especialmente no Contrato de reforma do estádio do Mineirão para a Copa do Mundo de 2014.
Uma série de regras indicadas na Cláusula Paulista de Arbitragem já tinham sido indicadas na Lei Mineira de Arbitragem, tais como publicidade dos procedimentos, utilização do idioma português e lei brasileira nas arbitragens com o Estado, por exemplo. Estas alterações passaram a constar expressamente da Lei de Arbitragem após a alteração produzida pela lei nº 13.129, de 26 de maio de 2016.
O grande ponto, porém, é que a cláusula paulista de arbitragem impõe uma limitação da escolha da Câmara de Arbitragem apenas pelo agente público após a apresentação da controvérsia. E tal restrição não se justifica, porque os mesmos contratos que contém a chamada cláusula paulista de arbitragem também indicam o Judiciário para a solução de questões envolvendo direitos indisponíveis. Ou seja, os métodos de solução de conflitos de tais contratos foram desenhados para as situações em que os entes da federação atuem como agentes econômicos, de arbitragem, e em algumas ocasiões atuem como agentes reguladores, fiscalizadores e Judiciário.
A discussão não é meramente trivial. Tanto não é, que o direito de indicar o árbitro para a solução de seus próprios conflitos é algo tão consagrado quanto a garantia de optar por um método de solução de conflitos vis-à-vis o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Isso porque em nosso sistema, via de regra, escolher a Câmara de Arbitragem significa definir a forma de indicação dos árbitros julgadores da controvérsia, bem como as regras aplicáveis à arbitragem.
No âmbito internacional, merece menção o célebre caso DUTCO julgado pela Corte de Cassação francesa, em 1992, e que determinou de modo claro o princípio da igualdade das partes para a escolha dos árbitros, não pode ser renunciado antes do surgimento do litígio, por sua natureza de ordem pública.
E obviamente, os investidores internacionais, certamente bem assessorados, conhecem tal caso e o que ele representa para convenções de arbitragem que, de algum modo, impactam na mais absoluta liberdade de escolha do árbitro pelas partes.
Ademais, no Brasil, caso semelhante já foi analisado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação nº 0002163-90.2013.8.26.0100) e os mesmos princípios (isonomia e imparcialidade), presentes no caso DUTCO, foram reconhecidos.
De modo óbvio, o custo disso pode ser alto, com a possibilidade de anulação da sentença arbitral, nos termos do artigo 21, parágrafo 2º da Lei de Arbitragem. Aliado a esta incerteza pode-se agregar o menor interesse dos investidores, sem considerar o cenário inconstante nos âmbitos políticos e econômicos.
A alusão à República Velha nos recorda, sempre há uma crise de 1929 na sequência de momentos de bonança. O debate sobre a questão deve ser mantido porque, ao menos, a incerteza e a segurança jurídica não são nada agradáveis para quem precisa atrair investimentos. A nosso atual conjectura econômica demonstra, definitivamente, que não somos, e nem podemos pensar que somos, o último El Dorado do Planeta, sob pena de não nos recuperarmos economicamente. 
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