Em nossas colunas anteriores da ConJur, demonstramos
que o sistema, tradicional e historicamente, adotava como regra a
intransmissibilidade da obrigação alimentar quando da morte do devedor,
mas a Lei do Divórcio (6.515/77), em seu artigo 23, adota a
transmissibilidade, no que é seguida pelo Código Civil de 2002 (art.
1.700).
Assim, temos que, de acordo com o artigo 1.700 do CC, “a
obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na
forma do art. 1.694.”
Cabe analisar as possíveis leituras que defluem do texto legal, pois a
redação, longe ser clara, gera incertezas ao aplicador da lei.
Algumas
possíveis interpretações defluem do texto de lei e duas locuções devem
ser compreendidas: “a obrigação de prestar alimentos se transmite” e
“aos herdeiros do devedor na forma da lei”.
A obrigação de prestar alimentos
1) obrigação versus prestação
De início, cabe distinguir o conceito de obrigação do conceito de prestação. Obrigação é o vínculo jurídico entre credor (sujeito ativo) e devedor (sujeito passivo), pelo qual o primeiro pode exigir do segundo uma prestação de dar, fazer ou não fazer. O processo obrigacional é o conjunto de fases interdependentes, norteado pela boa-fé objetiva, que leva à satisfação do credor. Nas palavras de Clóvis do Couto e Silva, o adimplemento atrai, polariza[1].
De início, cabe distinguir o conceito de obrigação do conceito de prestação. Obrigação é o vínculo jurídico entre credor (sujeito ativo) e devedor (sujeito passivo), pelo qual o primeiro pode exigir do segundo uma prestação de dar, fazer ou não fazer. O processo obrigacional é o conjunto de fases interdependentes, norteado pela boa-fé objetiva, que leva à satisfação do credor. Nas palavras de Clóvis do Couto e Silva, o adimplemento atrai, polariza[1].
Já
a prestação é o objeto imediato (próximo) da obrigação, ou seja,
consiste em uma ação humana de dar, fazer ou não fazer. O objeto da
prestação (objeto mediato ou remoto da obrigação) é um bem da vida:
carro, casa, dinheiro, muro etc.
Vittorio Pollaco faz a distinção
de maneira clara: o objeto da obrigação é uma prestação, ou seja, uma
ação do devedor em confronto com o credor. É inexato afirmar que o
objeto da obrigação são coisas ou fatos. Esses são os conteúdos da
prestação (objeto mediato).[2]
Assim,
a obrigação alimentar, sendo em dinheiro, pecuniária, portanto, implica
uma prestação de dar pelo devedor em favor do credor. Dar é a prestação
(objeto da obrigação) e dinheiro o objeto da prestação. Alguns
equivocamente entendem que “dar dinheiro” é prestação de fazer. Ledo
engano. É claro que “dar ou entregar” é uma ação humana, mas isso não o
transmuta em fazer. Assim como depois de fazer, o devedor também realiza
a entrega (vide o velho exemplo do vestido da noiva), mas isto não o
transmuta em dar.
A ideia de Caio Mario da Silva Pereira
simplifica em parte a questão: “os casos extremos não padecem de dúvida,
pois que uma envolve uma traditio ou entrega e outra uma ação pura”.[3]
Nem todo “fazer” efetivamente termina com uma entrega (ex.: trabalho
mensal do empregado da empresa), mas muitos terminam (advogado, que como
prestador de serviços, entrega o contrato que elaborou ao cliente).
Contudo, todo “dar” é ação humana e pode se confundir com o fazer.
Logo,
a distinção está no núcleo da prestação. Quem entrega o que está
pronto, dá (dar – fazer = dar). Quem faz e depois entrega, faz (fazer +
dar = fazer). Essa já é a antiga orientação dos autores que estudaram o
tema com profundidade.
2) Obrigação que se transmite
Assim, esclarecidos os conceitos, não é a prestação, mas sim a obrigação que se transmite. Há uma mudança do polo passivo da obrigação: no lugar do falecido ingressam seus herdeiros por força de lei.
Assim, esclarecidos os conceitos, não é a prestação, mas sim a obrigação que se transmite. Há uma mudança do polo passivo da obrigação: no lugar do falecido ingressam seus herdeiros por força de lei.
Assim,
supondo que o falecido tenha prestações alimentares não pagas,
inadimplidas, o espólio deverá arcar com essas prestações (em sentido
popular, com essa dívida). Se os bens do falecido foram partilhados e as
prestações vencidas não pagas, os herdeiros pagarão com os bens
herdados[4].
Mas é esse o significado que o artigo 1.700 do CC atribuiu à
“transmissão da obrigação”? Não, isso ocorre com toda e qualquer dívida
do falecido que não foi paga antes da partilha. Não se trata de
transmissão da obrigação alimentar.
Da mesma forma, se prestações
se vencerem no curso do inventário, o espólio por elas responderá.
Partilhados os bens, os herdeiros respondem pelas parcelas vincendas com
bens próprios. Isso porque a prestação decorrente da obrigação
alimentar foi transferida aos herdeiros.
Todavia, questão polêmica
a se indagar é a seguinte: se o falecido não tinha obrigação
pré-constituída de pagar alimentos, mas após a sua morte surge a
necessidade de seu cônjuge ou companheiro em recebe-los, caberia uma
ação direta daquele que necessita em face dos herdeiros?
A
resposta é negativa, pois o art. 1.700 prevê a transmissão de um vínculo
jurídico já constituído. O dever de prestar alimentos cessa com a morte
e o vínculo obrigacional que nasceria do dever não poderá se formar.
Não
se pode comparar a questão da morte com o divórcio, apesar de ambas as
situações implicarem fim do casamento. Isso porque a pós-eficácia do
dever de sustento admitida excepcionalmente após o divórcio atinge o
ex-cônjuge, que fora titular do dever de prestar alimentos. Já com a
morte, o que ocorreria seria a transmissão de um dever para terceiros, o
que contraria o texto de lei pelo qual se transmite a obrigação
(vínculo jurídico).
Se o falecido não tinha obrigação
pré-constituída de pagar alimentos, mas após a sua morte surge a
necessidade de seu cônjuge ou companheiro em recebê-los, caberia uma
ação direta daquele que necessita em face do espólio?
A resposta é
positiva, pois antes da partilha o espólio (herança em inventário)
sucede o morto inclusive quanto aos deveres, não apenas as obrigações. O
espólio sucede em direitos, deveres, obrigações, ônus e sujeições.
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