Direito à nomeação do candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas ofertadas no edital, por Rubstênia Sonara Silva
O
presente artigo tem por objeto a análise do direito subjetivo à
nomeação do candidato aprovado fora do número de vagas, quando surgem
novas vagas dentro do prazo de validade do certame.
Examinar-se-á a
definição pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral,
em sua composição Plenária, no julgamento do RE nº 837.311/PI[1], em que o E. STF resguardou o direito dos candidatos aprovados preteridos arbitrariamente e imotivadamente pela Administração.
A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 37, incisos II e IV[2],
que o concurso público é a forma de ingresso em cargo ou em emprego
público e que o aprovado no certame deve ter prioridade na convocação
durante o prazo de validade do edital.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho[3],
se o candidato é aprovado no concurso e há omissão ou recusa para a
nomeação, ainda que comprovado que a Administração, por incompetência ou
improbidade, providenciou recrutamento por meio de contratação precária
para exercer as mesmas funções do cargo para o qual o candidato foi
aprovado, passa este a ter direito subjetivo à nomeação. Tal direito
derivaria da constatação de que o Poder Público tem a necessidade da mão
de obra, que não pode ser suprida por contratação precária se existem
aprovados em concurso para esse mister.
Conforme consignado no
voto do Ministro Luiz Fux, Relator do RE nº 837.311/PI, ao iniciar um
processo seletivo, a Administração manifesta intenção e necessidade de
preencher cargos públicos. Ainda que o Poder Público não possa estimar
de forma precisa a demanda de mão de obra, o cadastro reserva revela-se
medida apropriada para aproveitamento dos candidatos aprovados durante a
validade do certame, sem a necessidade de abertura de novo concurso.
Os aprovados dentro do
cadastro de reserva, em tese, têm mera expectativa de direito à
nomeação, o que apenas excepcionalmente se convolará em direito
subjetivo.
Contudo, desde 2002, conforme se depreende do julgamento do RE nº 273605/SP[4],
o E. STF resguardou o direito do candidato aprovado à nomeação, quando
comprovada a existência de vagas e a necessidade de pessoal, com
fundamento no artigo 37, IV, da Constituição Federal.
Em seu voto no
julgamento do RE nº 837.311/PI, o Ministro Luiz Fux ressaltou que
incumbe à Administração, no âmbito de seu espaço de discricionariedade,
avaliar de forma racional e eficiente, a conveniência e a oportunidade
de novas convocações durante a validade do certame. Porém, destaca-se
que essa discricionariedade deve ser exercida legitimamente.
O candidato aprovado
não pode ficar refém de condutas da Administração que deixem escoar
deliberadamente o prazo de validade do concurso. Portanto, se o Poder
Público decide preencher de forma imediata determinadas vagas por meio
de novo concurso ou de contratação precária, mesmo que o certame
anterior ainda não tenha expirado a validade, surge o direito subjetivo
do candidato aprovado fora do número de vagas.
A Súmula nº 15[5]
do E. STF e o artigo 37, IV, da Constituição, garantem a prioridade dos
aprovados enquanto perdurar a vigência do concurso público. Eventual
preterição do candidato aprovado, seja por contratação precária ou por
abertura de novo certame, caracterizaria ofensa aos referidos
dispositivos bem como aos princípios da impessoalidade, eficiência,
moralidade e da proteção da confiança.
Portanto, demonstrada a
existência de vagas e a necessidade de serviço, não pode a
Administração deixar transcorrer o prazo de validade a seu bel prazer
para nomear outras pessoas que não aquelas já aprovadas em concurso
válido. Esse entendimento já é adotado pela Suprema Corte, como se
depreende do julgamento do AI nº 820.065, de relatoria da Ministra Rosa
Weber:
EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS E NECESSIDADE DO SERVIÇO. PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS. DIREITO À NOMEAÇÃO. Comprovada a necessidade de pessoal e a existência de vaga, configura preterição de candidato aprovado em concurso público o preenchimento da vaga, ainda que de forma temporária. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido.
(AI 820065 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 04-09-2012 PUBLIC 05-09-2012)
Na oportunidade do
recente julgamento do RE nº 837.311/PI, o STF fixou tese em repercussão
geral, em que dispôs que o direito subjetivo à nomeação do candidato
surge nas seguintes hipóteses:
“(…) 1 – Quando a
aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2 – Quando
houver preterição na nomeação por não observância da ordem de
classificação; 3 – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo
concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição
de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração
nos termos acima.”
Em relação aos
candidatos aprovados dentro do número de vagas, a Corte apenas
consolidou a sua jurisprudência, visto que esse entendimento há muito
era adotado pelo Tribunal, vide RE nº 598.099:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. (…)V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (RE 598099, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314 RTJ VOL-00222-01 PP-00521)
Quanto à preterição por
desobediência da ordem de classificação, o E. STF apenas consolidou por
meio do instituto da repercussão geral o que dispõe em sua Súmula nº
15/STF, que garante ao aprovado o respeito à ordem de classificação,
enquanto o certame estiver vigente.
O item 3 da repercussão
geral garantiu o direito dos candidatos aprovados fora do número de
vagas ou em cadastro de reserva, vez que fez exsurgir o direito
subjetivo à nomeação “quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo
concurso durante a validade do certame anterior”.
O E. STF limitou a
discricionariedade do Poder Público em nomear candidatos aprovados fora
do número de vagas ofertadas no edital quando há a prática de atos no
intuito de preencher vagas existentes, há a demonstração de necessidade
de pessoal e a Administração deixa de nomear candidato aprovado em
favorecimento a outrem, o que caracterizaria a preterição arbitrária e
imotivada do candidato aprovado em certame vigente.
Em razão desse
entendimento do Supremo Tribunal Federal, a discricionariedade da
Administração, quanto à convocação dos aprovados, fica reduzida ao
patamar zero, quando comprovada a preterição arbitrária e imotivada
caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público
capaz de demonstrar a inequívoca necessidade de pessoal, fazendo
exsurgir o direito subjetivo do candidato aprovado fora do número de
vagas ofertado no edital à nomeação.
Assim, deixa de existir
a discricionariedade da Administração de nomear o candidato aprovado
fora do número das vagas do edital a partir do momento em que o Poder
Público demonstra a intenção de preencher vagas abertas e sua
consequente necessidade de pessoal.
Dessa forma, caso o
candidato aprovado fora do número de vagas ofertadas no edital de alguma
forma se sentir lesado pela preterição, seja por desobediência à ordem
de classificação ou por comportamento da Administração que demonstre a
necessidade de pessoal sem a nomeação dos aprovados em certame válido,
pode buscar uma solução judicial para ter assegurada sua nomeação, com
amparo nas hipóteses apontadas pelo Excelso Tribunal Federal como
configurativa do direito subjetivo à nomeação.
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