O prazo prescricional nas ações de desapropriação indireta: compreendendo o Alcance da Súmula 119 do STJ, por Hitala Mayara

No informativo nº 523 do STJ, de 14 de agosto de 2013, foi divulgada uma decisão extremamente importante, relativa ao prazo prescricional para o ajuizamento de ação de desapropriação indireta.
Esse foi o teor da sua ementa:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRAZO PRESCRICIONAL. AÇÃO DE NATUREZA REAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 119/STJ. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. CÓDIGO CIVIL DE 2002. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO. PRESCRIÇÃO DECENAL. REDUÇÃO DO PRAZO. ART. 2.028 DO CC/02. REGRA DE TRANSIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 27, §§ 1º E 3º, DO DL 3.365/1941.
1. A ação de desapropriação indireta possui natureza real e, enquanto não transcorrido o prazo para aquisição da propriedade por usucapião, ante a impossibilidade de reivindicar a coisa, subsiste a pretensão indenizatória em relação ao preço correspondente ao bem objeto do apossamento administrativo.
2. Com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que “a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos” (Súmula 119/STJ).
3. O Código Civil de 2002 reduziu o prazo do usucapião extraordinário para 10 anos (art. 1.238, parágrafo único), na hipótese de realização de obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel, devendo-se, a partir de então, observadas as regras de transição previstas no Codex (art. 2.028), adotá-lo nas expropriatórias indiretas.
4. Especificamente no caso dos autos, considerando que o lustro prescricional foi interrompido em 13.5.1994, com a publicação do Decreto expropriatório, e que não decorreu mais da metade do prazo vintenário previsto no código revogado, consoante a disposição do art. 2.028 do CC/02, incide o prazo decenal a partir da entrada em vigor do novel Código Civil (11.1.2003).
5. Assim, levando-se em conta que a ação foi proposta em dezembro de 2008, antes do transcurso dos 10 (dez) anos da vigência do atual Código, não se configurou a prescrição.
6. Os limites percentuais estabelecidos no art. 27, §§ 1º e 3º, do DL 3.365/1941, relativos aos honorários advocatícios, aplicam-se às desapropriações indiretas. Precedentes do STJ.
7. Verba honorária minorada para 5% do valor da condenação.
8. Recurso Especial parcialmente provido, apenas para redução dos honorários advocatícios.
(REsp 1300442/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 26/06/2013)
A importância do julgado residia no fato de ele importar na revisão do entendimento já consolidado no Enunciado n. 119 de súmula do STJ, embora sem representar sua superação.
A propósito, é importante observar que, apesar das críticas doutrinárias quanto à mudança jurisprudencial sobre o tema, o STJ reafirmou recentemente sua posição:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. DIREITO REAL. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 119/STJ. CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO. ART. 1238. PRECEDENTES.
1. Com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que “a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos” (Súmula 119/STJ).
2. O Código Civil de 2002 reduziu o prazo do usucapião extraordinário (art. 1.238), devendo-se, a partir de então, observadas as regras de transição previstas no Codex (art. 2.028), adotá-lo nas expropriatórias indiretas. Precedentes.
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no AREsp 650.160/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 21/05/2015)
Assim, é preciso compreender bem a mudança operada.
Ensina José dos Santos Carvalho Filho que a desapropriação indireta é o fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia. Assim, a despeito de qualificada como “indireta”, entende o autor ser ela forma expropriatória muito mais direta que a desapropriação regular.
Diante dessa sua característica básica, tem-se que a ação de desapropriação indireta surge como meio de possibilitar ao expropriado postular perdas e danos pelo fato já consumado da perda de sua propriedade para o Poder Público. Seu objetivo, portanto, é o pagamento de indenização em favor daquele que teve bem de sua propriedade definitivamente incorporado ao Poder Público.
Contudo, apesar de seu objetivo indenizatório, a jurisprudência já pacificou o entendimento de que a ação de desapropriação indireta é uma ação de natureza real, eis que: a) o pedido indenizatório decorre da perda da propriedade; b) a sentença nela proferida operará todos os efeitos relativos à transferência da propriedade.
Sendo ação de natureza real, caberia agora definir qual seria o prazo prescricional que teria o expropriado para reivindicar a indenização devida pelo apossamento administrativo consumado.
A questão parecia ter sido resolvida através do Enunciado n. 119 de súmula de jurisprudência do STJ, segundo o qual a ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos. Qual teria, porém, sido a lógica utilizada para a fixação desse prazo?
A lógica seria a seguinte: à época do Código Civil de 1916, era de 20 anos o prazo para que ocorresse a usucapião extraordinária. Após esse prazo, a propriedade do imóvel seria adquirida pelo usucapiente, sem que o usucapido pudesse pleitear qualquer indenização.
Assim, se a desapropriação indireta decorre do apossamento de um bem pelo Poder Público, o proprietário teria o prazo de 20 anos para reclamar o bem, após o que o Estado adquiriria sua propriedade de qualquer modo pela usucapião, afastado, contudo, o direito à indenização.
Desse modo, embora na usucapião o proprietário pudesse reaver o bem antes de ultrapassado o prazo para sua consumação – o que não poderia ocorrer na desapropriação indireta, em que o único pedido seria o de indenização -, a lógica dos institutos se assemelhava, razão pela qual entendia o STJ ser aplicável o prazo da usucapião também para definir a prescrição na ação de desapropriação indireta.
Entendida essa lógica, é possível compreender facilmente por que o STJ teve que rever o Enunciado n. 119, mas não para o superar, e sim para ressalvá-lo.
A razão está na mudança apresentada pelo Código Civil de 2002, que reduziu o prazo da usucapião extraordinária de 20 anos para 10 anos (art. 1238).
Assim, considerou o STJ serem aplicáveis dois prazos prescricionais para a ação de desapropriação indireta:
20 anos –> aplicável para todas as ações de desapropriação indireta ajuizadas antes da vigência do Código Civil de 2002 (que se deu em 11/01/2003);
10 anos –> aplicável para as ações de desapropriação indireta ajuizadas após a vigência do Código Civil de 2002. Nesse caso, contudo, seria necessário também observar a aplicabilidade da norma de transição doart. 2.028 do CC/02, segundo o qual serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo.
Na prática, como aplicar o novo entendimento?
É simples!
Primeiro, deve-se observar a data do ajuizamento da ação, pois todas as ações anteriores a 11/01/2003 seguirão o prazo vintenário.
Tendo sido ajuizada após 11/01/2003, será preciso observar a data do apossamento administrativo. Se entre esta data e a data de entrada em vigor no CC/02 houver transcorrido mais de 10 anos (metade do prazo anterior de 20 anos), deve ser mantida a prescrição vintenária; se transcorrido menos de 10 anos, aplicável será o novo prazo prescricional decenal, contado a partir da entrada em vigor da nova lei.
Em resumo, a situação é a seguinte:
Ação ajuizada antes de 11/01/2003Prazo prescricional de 20 anos (Súmula 119-STJ)
Ação ajuizada após 11/01/2003
Período entre o apossamento e 11/01/2003 > 10 anos: prazo prescricional de 20 anos;
Período entre o apossamento e 11/01/2003 < 10 anos: prazo prescricional de 10 anos, a contar da data da vigência do CC/02.
Compreender bem o novo entendimento do STJ e a superação parcial da Súmula 119 é importante principalmente para o candidato ao cargo de Advogado da União, eis que o ponto pode ser cobrado de modo indireto em uma prova prática e vários livros doutrinários ou não comentam a mudança ou o fazem sem delimitar de forma clara a sua aplicação.

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