A alteração do nome: o abandono afetivo e o vínculo socioafetivo, por Vivian Gerstler Zalcman e Carlos Eduardo Silva e Souza
Ao sujeito de direito dá-se a denominação de pessoa natural,
nomenclatura esta adotada tanto pelo Código Civil de 1916, quanto pelo
Codex de 2002. O nome, no direito civil brasileiro, é a forma de
individualização da pessoa natural.
Desde o período que o
ser humano desenvolveu sua capacidade de verbalizar intenções, a
nomenclatura de coisas e pessoas tornou-se relevante, senão fundamental.
E o nome dado às pessoas evoluiu com o passar do tempo.
De
início, apenas um nome era suficiente para identificar um determinado
indivíduo no seu núcleo de convívio, o que foi se modificando com o
crescimento populacional e a especialização das formas de locomoção.
O
povo hebreu, a princípio, era identificado apenas com um nome seguido
da filiação, como, por exemplo, Jacó filho de Isaac. Essa forma de
individualização para um povo, até então pequeno, era suficiente para o
convívio.
Com a necessidade de uma melhor forma de
denominação que não gerasse tanta confusão, passou-se a incluir um
segundo nome, em referência à profissão ou localidade ou acidente
geográfico de nascimento.
Na Grécia, o nome de início
era único e depois passou a ser composto por três partes: o prenome, o
nome de família e o nome da gens da qual o sujeito integrava. Já os
romanos, por sua vez, possuíam também um nome composto por prenome,
nome, cognome e, certas vezes, acrescido do agnome.
Na
Idade Média, voltou-se ao costume de dar nome único, geralmente nomes
relacionados aos santos e, com o tempo e a confusão gerada pelos nomes
semelhantes, passou-se a adotar um segundo nome que poderia ser
relacionado à filiação, ao local de nascimento, a plantas ou animais.
Essa
forma de individualização iniciou-se entre as classes mais altas até
ser disseminada a todos os integrantes da sociedade. Entre nós,
contemporaneamente, o nome consiste num direito personalíssimo, sendo
resguardado pelo Código Civil, em seu artigo 16: Toda pessoa tem direito
ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Os
direitos da personalidade relacionam-se com tudo que é necessário à
natureza humana, como, por exemplo, a vida, a liberdade de pensamento e
de expressão, a integridade, a honra, a moral, a intimidade, a segurança
e tudo aquilo que for relacionado a uma vida humana digna. O direito ao
nome está, da mesma maneira, inserido naquilo que é indispensável para a
natureza humana.
O fato de ser direito personalíssimo
suscitaria a dúvida quanto à sua característica de imutabilidade, porém
vastos são os casos de exceção a essa regra dentre os direitos
personalíssimos, além da possibilidade de modificação do patronímico ser
previsto em lei. O princípio da imutabilidade é facilmente relativizado
pela doutrina, jurisprudência e encontra respaldo nos próprios
dispositivos legais, tanto para a alteração do prenome quanto do nome de
família.
Em verdade, há diversas situações em que é
possível e comum a alteração do patronímico: a) alteração pelo casamento
ou união estável; b) divórcio, nulidade e anulação do casamento ou
dissolução da união estável; c) adoção; d) homonímia; e) alteração
motivada por razão fundamentada – nesse caso, ressalta-se a alteração do
nome em virtude do abandono afetivo.
A forma mais comum
de alteração de nome é por ocasião do casamento ou união estável, em
que a os envolvidos tem a opção legal de adotarem ou não o nome de
família do cônjuge ou companheiro. Tal faculdade independe do sexo,
podendo o varão adotar o nome da cônjuge/companheira virago ou o
contrário.
A mudança do patronímico pelo casamento está
prevista no artigo 1565, §1º do Código Civil que dispõe: Qualquer dos
nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. Já a
Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º, equiparou o casamento e a
união estável. De igual forma, assim procedeu a Lei de Registros
Públicos, em seu artigo 57, §2º, já que permite a adoção do patronímico
do companheiro.
Outra forma aceita de modificação do
nome é através do divórcio, da nulidade ou anulação do casamento ou,
ainda, pela dissolução da união estável. O rompimento do vínculo
matrimonial entre os cônjuges ou o findar da união estável entre os
conviventes não obrigam os envolvidos a retornar ao status quo, no que
tange ao patronímico, uma vez que se trata de uma faculdade dos
envolvidos manter ou não o nome adquirido com a modificação de estado.
Isso é pacífico nos divórcios e dissoluções de uniões estáveis em que há
consensualidade entre os envolvidos.
Nos divórcios
litigiosos, a situação não é tão simples. Não adentrando aqui na seara
da continuidade da existência ou não do instituto da separação judicial,
fato incontroverso é que a culpa não consiste mais em requisito para a
obtenção do rompimento do vínculo matrimonial. Porém, diferentemente do
posicionamento de alguns doutrinadores, a culpa continua a ser um ponto
de máxima importância para conseguir um ressarcimento pelos danos morais
e materiais causados, bem como para obstar aquele que adquiriu o
patronímico do outro e continua a utilizá-lo.
Outra
forma, desta vez obrigatória, de alteração do nome é a adoção. Decorre
do princípio constitucional da igualdade o subprincípio denominado
“igualdade entre todos os filhos”, extirpando a diferenciação dada, no
passado, entre filhos consanguíneos havidos no casamento, dos adotados
ou oriundos de relações extraconjugais. Assim, quando se dá a adoção, é
obrigatória a mudança do patronímico do adotado para que se iguale ao
dos adotantes.
A fim de modificar o nome para cessar a
confusão com pessoas que detém igual denominação, é permitido o
acréscimo de outro nome ao qual a pessoa faça jus, a fim de evitar a
chamada homonímia. Por fim, a mudança de nome que se encontra em voga,
foco do presente estudo, é a alteração do nome motivado por abandono
afetivo dos genitores e pelo vínculo socioafetivo.
Em
que pese essa espécie de modificação de patronímico não se encontrar
expressa na legislação, a Lei dos Registros Públicos dispõe acerca da
possibilidade de modificação por qualquer motivo justo e fundado. Desta
feita, a exclusão do patronímico do genitor que cometeu o abandono tem
sido amplamente aceita tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência
pátria.
O pensamento contemporâneo das relações
familiares acaba por valorizar a visão principiológica-valorativa dos
fatos sociais, com a preponderância do afeto aos vínculos hereditários.
Diante dessa nova ordem de pensamento e da valorização individual do ser
humano trazida pela pós-modernidade, o rigor conservador da formatação
tradicional da família foi deixado para trás e o vínculo pautado no amor
e afeto priorizado.
Nessa seara, a lei, a doutrina e a
jurisprudência caminharam para a aceitação de ligações familiares não
sanguíneas, dando, por exemplo, ao padrasto ou madrasta o status de pai
ou de mãe em todos seus direitos e deveres – inclusive no que tange ao
registro. Da mesma maneira, foram impostas penalidades e até mesmo a
perda do poder familiar aos genitores que deixaram seus papéis,
corroborando para a ocorrência do abandono afetivo.
Fato
é, dado o reconhecimento do abandono afetivo, seria absurdo obrigar
aquele que já sofreu com a ausência daqueles que mais deviam lhes apoiar
a carregar consigo um patronímico que lhes recorda constantemente a
relação dolorosa a que foram submetidos – de maneira ativa ou passiva.
A
questão, aliás, já foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de
Justiça, a exemplo do Recurso Especial nº 1.304.718-SP, cuja decisão
permitiu a retificação de assento de nascimento de filho abandonado pelo
pai na infância e, assim, viabilizando a supressão do patronímico
paterno, sob o argumento de que o princípio da imutabilidade
efetivamente não deve ser considerado absoluto no sistema jurídico
brasileiro.
É fundamento também, na indigitada decisão
do Superior Tribunal de Justiça, que a possiblidade de alteração de
nome, com fulcro no artigo 57 da Lei de Registros Públicos, seria
possível, de maneira excepcional e diante de justo motivo, que seria
justamente o caso do abandono afetivo.
Aliás, a
flexibilidade em relação ao princípio da imutabilidade do nome civil
adotada o Superior Tribunal de Justiça pelo próprio papel que o nome
desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa,
como se destacou no julgamento do Recurso Especial nº 1.412.260-SP,
também destacado no retro citado acórdão.
Assim, deve-se
considerar a possibilidade do sujeito alterar o seu nome, a fim de lhe
permitir eliminar a constante lembrança de um relacionamento traumático e
que se consubstancia no que se convencionado denominar como abandono
afetivo.
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