Processo e Procedimento,por Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega. O que importa é ser oposição
Ao final de nosso último texto
sobre recurso extraordinário, publicado aqui no Migalhas, tínhamos o
compromisso de examinar o agravo em recurso extraordinário. Ocorre que,
nesse intervalo, foi aprovado na Câmara dos Deputados projeto de lei que
altera, entre outros dispositivos, justamente o que trata desse
recurso. Após aprovação, o projeto em tela foi encaminhado ao Senado
Federal para continuação do trâmite legislativo, com robustas
possibilidades de acolhimento, embora não se saiba qual a sua redação
final. Assim, enquanto perdurar esse estado de indefinição, não parece
razoável tentar dissecar um instituto que talvez não tenha um dia sequer
de vigência.
Mudamos, em
decorrência disso, nossas preocupações imediatas e passaremos a
investigar alguns procedimentos especiais, notadamente aqueles que, no
novo Código, trazem alguma curiosidade, provocam perplexidade ou
insistem em algum ponto do Código de 1973 censurado pela doutrina.
Vamos, hoje, cuidar da oposição, tema que está sempre no centro da
cultura jurídica nacional.
O Código de 2015 não trata do instituto da oposição como forma de intervenção de terceiro, inovando, pois, em relação ao Código de 19731.
Isso não significa que o instituto tenha deixado de existir. O que
ocorre, em verdade, é apenas e tão somente seu deslocamento para a Parte
Especial, Livro I, Título III, dos procedimentos especiais, Capítulo
VIII. Doravante e em tese, a oposição é, para os fins do Código, um
procedimento especial que deve ser aviado de forma autônoma e
independente. Convém lembrar que o projeto do Código/2015 começou a
tramitar perante o Senado. Lá, o texto aprovado não previa a existência
da oposição, cuja regulação foi simplesmente suprimida. Quando em
apreciação pela Câmara dos deputados, foram recuperados quase que ipsis litteris os
arts. 56 a 61 do Código de 1973, apenas com alteração de sua topologia e
um ou outro detalhe cosmético; e assim foram mantidas a redação e a
localização, até a aprovação final do parlamento.
É bem de ver que,
embora seja, agora, um procedimento especial, e não mais uma figura de
intervenção de terceiros, foi quase que inteiramente preservada a
estrutura do procedimento comum. Ora, o que caracteriza a especialidade
do procedimento é a existência de alguma peculiaridade que impõe, em
determinado momento, a alteração da ordem concebida para o procedimento
comum. Aqui, a única coisa que sugere tenha a oposição se afastado do caminho atribuído
ao procedimento comum foi a supressão do momento inicial destinado à
conciliação e à mediação. Exceto isso, não existe nada de
substancialmente diferente em relação ao procedimento comum que
justifique a retirada desse instituto do âmbito da intervenção de
terceiros (de lembrar que não há parte geral no Código de 1963) e a sua
inserção no rol dos procedimentos especiais.
A oposição era
forma espontânea de intervenção de terceiros, por meio da qual alguém,
até então estranho à relação processual estabelecida, e dela tendo
tomado conhecimento, pedia seu ingresso para apresentar sua lide, contra
ambas as partes em litígio.
Tratava-se de intervenção ad excludendum.
A expressão, todavia, há de ser interpretada com certa reserva. O que o
opoente pretendia, certamente, era exercer ação contra ambos, visando a
demonstrar não ser o autor da ação originária o verdadeiro titular do
bem da vida vindicado, para poder exigir, ele mesmo, opoente, o bem ou
direito contra o réu. Rigorosamente, a lei processual institui uma
espécie de litisconsórcio entre o autor e réu da relação originária, os
quais passarão a ser réus na oposição aviada, na qualidade de opostos.
Se de litisconsórcio se trata, então deve ser litisconsórcio necessário
simples, no sentido de que ambos comporão necessariamente o polo passivo
da relação processual, mas a decisão não terá de ser obrigatoriamente
uniforme em relação a eles.
Na oposição, em
regra, o opoente exerce duas pretensões diversas: (i) contra o autor da
ação original, de natureza declaratória, para que o juiz declare que o
autor da pretensão originariamente exercida não é o titular do bem ou
direito controvertido, e sim o opoente; e (ii) contra o réu, de natureza
geralmente condenatória para que este seja obrigado em relação ao
opoente a pagar, dar, fazer, não fazer.
No que diz com o
procedimento em si, são dignos de menção alguns aspectos. O primeiro
deles, relativo à redação que se emprestou ao artigo 683. Deveras, soa
algo pleonástico, já à altura da seção VIII do Título III, do livro I da
parte especial, que cuida dos procedimentos especiais, afirmar que o
"opoente deduzirá seu pedido em observação aos requisitos exigidos para
propositura da ação". Com efeito, fizesse algum sentido esse
dispositivo, então todos os outros quinze procedimentos especiais
previstos no Código mereceriam a mesma admoestação no sentido do dever
de obedecer aos requisitos antes indicados. Isso fazia sentido, antes,
quando o instituto era tratado como uma das figuras de intervenção de
terceiros, a sugerir que não lançasse mão, o opoente, de simples petição
nos autos, sem os requisitos do art. 282 do Código de 1973.
O segundo,
relativo ao fato de que, tal como dispõe o Código de 1973, também no de
2015 a oposição deve ser distribuída por dependência ao juízo perante o
qual corre a ação relativa ao bem ou direito controvertido. A ideia que
se faz presente é a de evitar possíveis decisões contraditórias que
poderiam vir a ser proferidas se a oposição fosse submetida a uma livre
distribuição.
O terceiro,
relativo ao fato de que os opostos são citados na pessoa de seus
advogados, aos quais a lei processual confere mandato (uma espécie de
mandato ex lege e não contratual) para recebimento de citação
nessa específica hipótese, mesmo que não sejam detentores das
informações de fato, aptas a permitir a oferta de adequada contestação.
Isso até pode fazer algum sentido quanto se trata de uma intervenção de
terceiros em processo que já está em curso; não, agora, quando se trata
de um procedimento de natureza especial, inteiramente autônomo.
Pense-se, por exemplo, que, além da falta de informações sobre os fatos
narrados na petição inicial da oposição, o advogado que atua na ação
originária pode não ter nenhum interesse em patrocinar a defesa da parte
oposta, ou, até, os opostos podem não pretender que o patrocínio seja
feito pelo mesmo causídico que atua na ação originária.
O quarto,
relativo ao prazo comum de 15 dias. A seguir-se o entendimento
sedimentado sob a égide do Código de 1973, não cabe cogitar, aqui, da
dobra de prazo de que trata o art. 229 do CPC, ainda que, na oposição,
necessariamente as partes rés possuam diferentes procuradores. Essa
limitação desiguala, de forma inusual, o direito dos réus,
litisconsortes com procuradores diferentes, em relação a todas as outras
situações em que ocorrem situações de mesma natureza.
O texto do art.
684 (Se um dos opostos reconhecer a procedência do pedido, contra o
outro prosseguirá o opoente) também tinha muita pertinência quando o
instituto constituía figura de intervenção de terceiros. Agora, diz uma
obviedade, até porque, pela natureza da oposição, o litisconsórcio não é
unitário, com o que os opostos serão considerados, em suas relações com
a parte adversa, como litigantes distintos. É claro que, se um deles
reconhecer a procedência do pedido, o magistrado deverá, com relação a
esse, atuar na forma disposta no art. 487, III, a, homologar o
reconhecimento (por sentença!) e determinar o prosseguimento do feito
com relação ao réu remanescente.
Sob a égide do
Código de 1973, em sua redação original, havia dúvida sobre se o ato do
juiz que homologava a procedência do pedido deveria ser considerado
sentença (art. 269, II, daquele Código), ou decisão interlocutória, com
evidente repercussão sobre o recurso cabível, se apelação ou agravo de
instrumento. Evidente está que pode haver recurso até para que o oposto
possa questionar o próprio ato tido pelo juiz como de reconhecimento do
pedido.
Agora, com a
regência emprestada à matéria especialmente pelo art. 354, c/c art. 487,
III, o novo Código permite o julgamento parcial de mérito, por
sentença. O parágrafo único, entretanto, visando a escoimar qualquer
dúvida, já deixou expresso que, nesse caso, o recurso cabível será o de
agravo de instrumento.
No Código de
1973, porque o tema é tratado como hipótese de intervenção de terceiro,
faz sentido falar-se em "admitido o processamento". Como, entretanto, o
Código de 2015, cuida a oposição como um procedimento especial autônomo,
ainda que distribuído por dependência, não parece adequado falar em
"admitido o processamento". Talvez fosse mais adequado algo semelhante
ao que lançado no início art. 334: Se a petição inicial preencher os
requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do
pedido, o juiz determinará seja a oposição apensada aos autos da ação
originária. Isso, entretanto, não empana a compreensão do que pretendeu o
novo Código.
Como se percebe
da dicção do parágrafo único do art. 685, o Código manteve, ainda que de
forma menos explícita, a mesma distinção constante nos 59 e 60 do
Código de 1973, bem cuidada pela doutrina. Diz-se que havia (i) oposição
interventiva (art. 59), oferecida antes da audiência de instrução; e
(ii) oposição autônoma (art. 60) oferecida após iniciada a audiência. A
rigor, o Código de 1973 cuida de uma que podemos chamar de verdadeira
hipótese de oposição, realizada em simultaneus processus, quando
aviada antes da audiência de instrução e julgamento, hipótese em que era
processada em apenso aos autos principais e decidida em uma mesma e
única sentença. A outra forma de oposição, decorrente de oferecimento
tardio, i.e., após iniciada a audiência de instrução e
julgamento, não era verdadeira figura de intervenção de terceiro e sim
de ação autônoma, que se estabelecia mediante outra relação processual.
Apenas em razão de conveniência de trabalho, o juiz poderia sobrestar no
andamento do feito anterior para que as duas ações pudessem ser
julgadas conjuntamente.
Se bem examinados
os termos lançados no Código de 2015, a situação não mudou. Deveras, ao
ler o parágrafo único do art. 685 (e parágrafos prestam-se a explicitar
ou excepcionar um artigo), percebe-se que o caput cuida de
oposição que, aviada antes do início da audiência de que cuida o art.
358, permite instrução simultânea e julgamento em uma única sentença. Ao
revés, o parágrafo deixa claro que, aviada após o início da audiência, o
magistrado deve concluir a fase de instrução e, somente após, suspender
o curso da ação originária, salvo se entender que uma única instrução
para as duas ações (oposição e ação originária) mais bem atende ao
princípio constitucional da razoável duração do processo.
Bem percebidas as
coisas, o comando do artigo atende, antes de tudo, a uma questão de
lógica. Deveras, a rigor, existirão três lides a ser apreciadas pelo
magistrado: (i) a questão de direito material que é objeto da ação
originária; (ii) a pretensão declaratória exercida pelo opoente contra o
oposto que figura como autor na ação originária; (iii) a pretensão de
natureza reivindicatória ou condenatória que o opoente exerce contra o
réu da ação originária.
Em se tratando de
julgamento simultâneo, o juiz, em obediência à questão de lógica antes
indicada, deve decidir primeiramente a oposição e somente após, se for o
caso, decidir a ação principal. Deveras, se o pedido na oposição for
julgado procedente, não haverá mais o que decidir a respeito da ação
principal. É que, nesse caso, já terá decidido que o bem da vida deve
ser atribuído ao opoente, não cabendo nenhum direito aos opostos!
Se o legislador não fizer nenhuma movimentação suspeita, trataremos, no próximo texto, da consignação em pagamento.
Até lá!
__________
1
São figuras de intervenção de terceiros, no novo Código: (i)
assistência simples e litisconsorcial; (ii) denunciação da lide; (iii)
chamamento ao processo; (iv) incidente de desconsideração da
personalidade jurídica; e (v) amicus curiae. Deixam de existir, como intervenção: (i) nomeação à autoria; (ii) oposição.
Comentários
Postar um comentário