Abrangência da estabilização da antecipação da tutela, por Carlos Augusto de Assis, Daniel Penteado de Castro, Igor Guilhen Cardoso, João Batista Lopes, João Paulo Hecker, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, Letícia Arenal e Ravi Peixoto
A
sistematização da tutela de urgência e de evidência, sob a rubrica de
tutela provisória, é, sem dúvida, uma das mudanças mais significativas
do novo CPC. Nesse capítulo da tutela provisória, entretanto, a maior inovação foi a previsão da estabilização da antecipação da tutela.
Não chega a ser
algo novo do ponto de vista de discussão doutrinária, considerando
previsão similar do direito alienígena e mesmo anteriores propostas
legislativas, mas, em termos de direito positivo não há precedentes aqui
no Brasil.
Por outro lado,
mesmo as referências do direito comparado e as propostas legislativas
precedentes, embora sejam úteis, apresentam diferenças significativas em
determinados pontos, o que dificulta, em parte, a aplicação das mesmas
soluções.
Mas, no que
consiste, então, a estabilização da tutela antecipada? Sem adentrar, no
momento, em discussões doutrinárias a respeito do tema, podemos dizer,
seguindo a letra da lei, que é a manutenção dos efeitos da antecipação
de tutela concedida em caráter antecedente, caso o réu deixe de recorrer
da decisão que concedeu a antecipação.
Nesse conceito já
podemos entrever algumas das inúmeras dissensões que o tema gera. De
fato, a estabilização promete ser uma das mais polêmicas previsões do
novo CPC. Há vários aspectos que, desde logo, estão gerando divergências
doutrinárias e, nesse momento, iremos abordar apenas a questão da
abrangência do instituto.
O tema da
abrangência poderia comportar duas espécies de abordagem. A primeira
seria quanto à tomada de posição do legislador, se ele deveria ou não
permitir a estabilização em outras situações. A outra, diz respeito à
própria interpretação da lei, se a estabilização ocorre em situações
outras que não aquelas expressa e literalmente previstas na lei.
Considerando que o propósito desse breve artigo é essencialmente
prático, vamos nos limitar à segunda espécie.
Dentro desse
escopo, é de se notar que, apesar de o legislador ter tentado
uniformizar a tutela de cognição sumária, dentro da rubrica de “tutela
provisória”, incluindo a tutela de urgência e a da evidência, dispôs
sobre a estabilização apenas no primeiro caso. Seria cabível uma
interpretação extensiva, de modo a incluir a tutela da evidência?
Pareceu a Leonardo Ferres da Silva Ribeiro1
que sim. Na essência, sua argumentação sugere não haver razão lógica
para tratamento diferenciado e que a efetividade do instituto
recomendaria a interpretação mais ampla. Outros doutrinadores , no
entanto, como Fernando Gajardoni2, entendem que a opção do
legislador foi clara no sentido de limitar à tutela antecipada, não
sendo cabível a interpretação extensiva.
Contrapondo ao
entendimento extensivo poderia ser dito que a estabilização é exceção
dentro do nosso sistema e, como tal, não comportaria interpretação
extensiva. Reforça a ideia o fato de que o NCPC privilegia o julgamento
do mérito do processo, de modo a extinguir de vez o conflito. A
estabilização impede o julgamento do mérito.
Questão semelhante
diz respeito à tutela antecipada requerida incidentalmente. Pela letra
da lei, a estabilização não ocorreria nesse caso, mas, só na hipótese de
requerimento em caráter antecedente. Será que o legislador, nesse caso,
“dixit minus quam voluit”?
Para Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, a resposta seria positiva3.
Os argumentos apresentados são basicamente os mesmos acima expostos.
Reforçando essa ideia teríamos o fato de que em termos de cognição (ou,
melhor dizendo, de sumariedade de cognição) a tutela antecipada
incidental não diferiria da antecedente.
Os mesmos
argumentos em favor da interpretação não extensiva, já expostos acima,
poderiam ser aqui alinhados. O legislador claramente quis estabelecer a
estabilização em termos mais restritos. A intenção da estabilização,
segundo transparece da sistematização empreendida pelo novo CPC, foi a
de evitar a continuação de um processo em relação ao qual nenhuma das
partes teria interesse. Com efeito, do ponto de vista do autor, tem-se
que o benefício que realmente lhe era importante já teria sido obtido
com a liminar de antecipação de tutela; do ponto de vista do réu, o
desinteresse em recorrer da decisão de antecipação de tutela sugere que a
concessão daquela liminar não lhe é particularmente gravosa. Assim,
como se percebe, a estabilização da antecipação de tutela
presumivelmente atenderia a ambas as partes. É razoável supor que no
caso da antecipação incidente a questão se coloque em termos diferentes,
visto que o pedido principal já foi apresentado e está em discussão.
Há, ainda, a
questão da aplicabilidade ou não em matéria de cautelar. Durante a
tramitação do projeto, chegou-se a prever a estabilização também para a
cautelar, o que desapareceu na versão final. Parece difícil sustentar a
sua aplicabilidade à cautelar, tendo em vista a letra da lei. Aliás,
nesse particular ocorre uma situação curiosa. Se prevalecesse a versão
mais abrangente teríamos problemas na estabilização tendo em vista que
as medidas conservativas não são muito propícias à permanência
(imagine-se um arresto estabilizado ...). Por outro lado, a versão mais
restrita cria outra dificuldade. Com efeito, houve nítida intenção dos
redatores do Código de afastar, em termos práticos, a vexata quaestio
da distinção entre tutela cautelar e tutela antecipada. A ideia
original era tornar a discussão sobre caracterização de uma medida como
antecipatória ou cautelar algo despido de relevância prática, na medida
em que a nova lei não previa requisitos diferentes para uma e outra.
Certamente a questão não é destituída de relevância prática
particularmente porque somente a antecipação de tutela permite a
estabilização.
Quanto à
aplicabilidade da estabilização da tutela antecipada em procedimentos
especiais, parece que a questão deve ser analisada caso a caso, sob o
prisma da compatibilidade. Não parece viável no mandado de segurança,
por exemplo, mas soa mais plausível em ação locatícia. Naturalmente a
estabilização não poderia contrariar o próprio espírito da liminar
prevista naquele determinado procedimento especial.
Finalmente, a
eventual aplicabilidade nos Juizados Especiais. Parece-nos que a
resposta está fortemente ligada a outra controvérsia que a estabilização
provoca. Segundo a letra da lei, estabiliza-se a tutela antecipada de
cuja decisão não se recorreu. Se formos entender a palavra no seu
sentido técnico, o réu, para evitar a estabilização deveria interpor
recurso (o que significa, normalmente, agravo de instrumento). Como o
agravo não seria, em princípio, admissível em sede de Juizados Especiais
ficaria afastada a possibilidade de estabilização. Entretanto, se for
adotada interpretação mais flexível, permitindo que uma simples
impugnação da tutela antecipada evite a estabilização, o seu emprego em
juizado especial passa a ser mais plausível.
Como se percebe, a
estabilização da tutela antecipada trouxe ao sistema uma série de
situações duvidosas e controversas cuja solução desafiará os operadores
do Direito a partir do ano que vem. O debate a respeito é mais do que
salutar. É realmente necessário.
_____________
1 No livro Primeiros Comentários ao
Novo Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015, escrito em coautoria
com Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição e Rogério
Licastro Torres de Melo, à p. 511-512.
2 Comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Forense, 2015, p. 898.
3 Idem, p. 511-512. Também Leonardo
Greco defende a aplicabilidade para as incidentais (A Tutela da Urgência
e a Tutela da Evidência no Código de Processo Civil de 2015, in Novo
CPC Doutrina Selecionada, v. 4, coord. Fredie Didier Jr., organiz. Luca
Buril de Macedo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire, Salvador: JusPodivm,
2015, p. 216)
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