Inexistência de prazo prescricional da ação trabalhista com objetivo de reconhecimento de vinculo para fins previdenciários
1. Notas introdutórias
Em um mundo hipotético e ideal,
todas as empresas deveriam cumprir todas as suas obrigações principais e
acessórias relacionadas à formalização da contratação de um empregado,
bem como cumprir a legislação trabalhista e previdenciária.
Existem vários fatores que contribuem para que o empresário, grande ou pequeno, desrespeite a legislação, entre os quais:
● elevada carga tributária na folha de pagamento de empregados;
● excesso de burocracia e elevado custo para contratação de um empregado;
● suposto desconhecimento das normas trabalhistas e previdenciárias;
● dificuldades financeiras da empresa, que opta por cortar as despesas com as contribuições previdenciárias.
O
trabalhador, sendo a parte mais frágil da relação de emprego, não
questiona o seu empregador sobre a regularidade da formalização do
contrato de trabalho. Mesmo nas hipóteses em que o contrato de trabalho é
anotado na carteira de trabalho do empregado, este não ousa questionar
ou verificar com os órgãos competentes se as suas contribuições
previdenciárias estão sendo realizadas de forma adequada ou se os
valores do Fundo de Garantia do Fundo de Serviço – FGTS estão sendo
depositados de forma regular.
A gravidade da situação mencionada
só é evidenciada pelo trabalhador quando chega o momento de obter algum
benefício previdenciário, mas, principalmente, o benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição ou a aposentadoria por idade.
2. Vínculo empregatício anotado na CTPS, porém sem o pagamento das contribuições previdenciárias
Na
maioria dos casos, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ao
constatar que os recolhimentos previdenciários inerentes à determinada
empresa não constam no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS,
estabelece que o trabalhador/segurado apresente provas do vínculo
empregatício, bem como os respectivos comprovantes dos pagamentos das
contribuições previdenciárias realizadas pelo empregador.
Essa conduta praticada pelo INSS é ilegal, porque o artigo 34 da Lei no 8.213/1991
determina que, no cálculo do valor da renda mensal do benefício, os
salários de contribuição referentes aos meses de contribuições devidas,
ainda que não recolhidas pela empresa ou pelo empregador doméstico,
serão computados como tempo de contribuição para fins de aposentadoria,
considerando os valores e percentuais calculados com base na remuneração
do segurado.
Na prática, o INSS simplesmente emite uma exigência
para que o segurado apresente as provas do vínculo empregatício e dos
recolhimentos previdenciários no prazo de 30 dias, sob pena de
indeferimento do benefício pleiteado.
Dificilmente o segurado
consegue apresentar os documentos exigidos, primeiro porque a empresa
não fornece ou não possui os documentos exigidos, segundo porque, em
algumas hipóteses, a empresa já encerrou as suas atividades e o segurado
não consegue localizar os sócios ou o contador da empresa para obter os
documentos exigidos pelo INSS, o que acarreta o indeferimento do
benefício.
Discordamos do posicionamento do INSS em exigir do
segurado os documentos, já que compete ao próprio INSS obtê-los
diretamente da empresa.
A empresa é obrigada a manter de forma
correta todos os documentos e comprovantes de pagamentos de
contribuições e disponibilizá-los quando solicitados pelo INSS. Sendo
necessário ratificar algum período trabalhado, o INSS dispõe de
mecanismo legal inserido no artigo 125-A, da Lei no 8.213/1991, para fiscalizar e obter os referidos documentos da empresa, conforme estabelece o dispositivo legal mencionado, vejamos:
Art. 125-A. Compete ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS realizar, por meio dos seus próprios agentes, quando designados, todos os atos e procedimentos necessários à verificação do atendimento das obrigações não tributárias impostas pela legislação previdenciária e à imposição da multa por seu eventual descumprimento.
§ 1o A empresa disponibilizará ao servidor designado por dirigente do INSS os documentos necessários à comprovação de vínculo empregatício, de prestação de serviços e de remuneração relativos a trabalhador previamente identificado.
§ 2o Aplica-se ao disposto neste artigo, no que couber, o art. 126.
§ 3o O disposto neste artigo não abrange as competências atribuídas em caráter privativo aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil previstas no inciso I do art. 6o da Lei no 10.593, de 6 de dezembro de 2002.
A
finalidade da norma transcrita é dotar o INSS de instrumentos
necessários ao regular reconhecimento, manutenção, revisão ou extinção
de direitos previdenciários, a exemplo das diligências destinadas à
comprovação de vínculo empregatício, o que pode vir a se transformar em
importante ferramenta em favor dos trabalhadores mantidos na
informalidade para a comprovação da atividade laboral exercida.
3.
Reconhecimento de vínculo trabalhista para averbação no tempo de
contribuição do segurado que objetiva algum benefício previdenciário
Grande
parte dos trabalhadores que prestam serviços sem a formalização do
contrato de trabalho na carteira de trabalho não compreende os graves
prejuízos que inviabilizam a obtenção do benefício previdenciário a ser
requerido.
Somente no momento em que o segurado realiza a
contagem do seu tempo de contribuição é que constata a necessidade de
incluir em seu período de contributivo o tempo que trabalhou na
informalidade, sem registro na carteira de trabalho.
Entendemos
que a responsabilidade da falta de anotação do contrato de trabalho na
CTPS do trabalhador é dos órgãos fiscalizatórios e do empregador. O
poder público é quem tem o dever de fiscalizar o cumprimento da lei, o
que inclui a anotação correta na CTPS.
Não compete ao trabalhador
exigir de seu empregador que cumpra a legislação trabalhista e
previdenciária e, por consequência, não pode esse mesmo trabalhador ser
penalizado pelo INSS quando chega o momento de obter o benefício
previdenciário.
Na esfera administrativa, dificilmente o segurado
consegue provar que exerceu a atividade remunerada no período alegado
para que esse tempo seja integrado com o seu período contributivo. Isso
ocorre porque o INSS exige prova documental e contemporânea do vínculo e
é improvável que o segurado localize tais documentos, muitas vezes por
não existirem.
Entendemos que existe uma inversão de
responsabilidades, o INSS ou a Super Receita Federal negligencia a sua
atribuição de fiscalizar e penalizar as empresas irregulares com as suas
obrigações principais e acessórias e transfere para o trabalhador, que é
a parte mais frágil, a atribuição de apresentar os documentos que
comprovam o vínculo empregatício.
O caminho mais adequado para o
segurado suprir a inexistência de formalização do contrato de trabalho é
ingressar com reclamação trabalhista pleiteando o reconhecimento do
vínculo empregatício de determinado período que exerceu atividade
remunerada como empregado.
Mesmo na hipótese de já ter
transcorrido período superior a dois anos após o encerramento da
atividade do trabalhador na empresa que irregularmente não anotou na
CTPS o vínculo empregatício, é possível ingressar com a reclamação
trabalhista.
Embora conste no artigo 7o, XXXIX da Constituição Federal
que o prazo para o trabalhador ingressar com ação seja de dois anos a
contar da data da extinção do contrato de trabalho, esse prazo não se
aplica nas ações que tenham por objetivo apenas a declaração do
reconhecimento do vínculo empregatício.
O fundamento legal para o ingresso da ação após o decurso de dois anos da extinção do contrato de trabalho consta no § 1o do artigo 11 da CLT, que foi incluído pela Lei no 9.658/1998,
o qual estabelece que não se aplica a prescrição nas ações que tenham
por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social.
É
sempre recomendável que o trabalhador providencie o máximo de prova
documental para fazer o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício
em juízo, além de buscar testemunhas que trabalharam no mesmo local,
com o objetivo de apresentar ao juiz elementos substanciais do exercício
de atividade remunerada do período alegado.
4. Participação do INSS no polo passivo da reclamação trabalhista que objetiva reconhecimento de vínculo
A
necessária participação da autarquia previdenciária por intermédio da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional se dá em virtude do real e
efetivo interesse da autarquia em receber as contribuições
previdenciárias após o reconhecimento do vínculo empregatício, objeto da
reclamação trabalhista, pois:
● a decisão trabalhista que reconhecer o vínculo empregatício resultará crédito exequível à autarquia;
●
o reconhecimento do vínculo empregatício e o pagamento das
contribuições previdenciárias deverão gerar efeitos para fins de
averbação de tempo de contribuição em favor do segurado, para fins de
qualidade de segurado e concessão de benefício previdenciário.
Até
mesmo quando existe a formalização de acordo na ação trabalhista que
discute a existência de vínculo empregatício, o juiz do trabalho é
obrigado a executar ou cobrar as contribuições previdenciárias
decorrentes desse vínculo, independentemente de requerimento formalizado
pela União. Vejamos o que determinam as normas constantes na Consolidação das Leis do Trabalho:
CLT, art. 831, parágrafo único:
No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão
irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições
que lhe forem devidas.
Art. 832, § 4º A União será intimada das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, naformadoart.20daLeino11.033, de 21dedezembro de 2004, facultada a interposição de recurso relativo aos tributos que lhe forem devidos.
Art. 876, Parágrafoúnico. Serãoexecutadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantesdecondenaçãoouhomologaçãodeacordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.
O artigo 20 do Decreto no 3.048/1999
estabelece que a filiação à previdência social decorre automaticamente
do exercício de atividade remunerada para os segurados obrigatórios, e
da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição para o
segurado facultativo.
Sem realizar qualquer análise teórica do
dispositivo legal, podemos concluir com segurança que basta o segurado
prestar ou realizar alguma atividade remunerada para gerar a obrigação
tributária de pagamento da contribuição previdenciária, assim como
ocorre instantaneamente, para o segurado obrigatório, a sua filiação com
o ato da prestação de serviço remunerado.
Existe um grande
desequilíbrio nas regras que regulam a participação do INSS ou da União
nas ações que objetivam o reconhecimento de vínculo empregatício.
Para
fins de cobrança das contribuições previdenciárias, existe grande
proteção à União, que dispõe de mecanismos eficientes para cobrar as
contribuições provenientes do reconhecimento do vínculo empregatício.
Por
outro lado, para fins de averbação desse mesmo vínculo empregatício
junto ao INSS, o segurado não pode se valer da mesma ação trabalhista,
pois a decisão trabalhista que reconhece o vínculo empregatício será
válida apenas como um meio de prova do vínculo reconhecido que deverá
ser refeito no âmbito administrativo.
A participação do INSS na
reclamação trabalhista que objetiva o reconhecimento do vínculo
empregatício é relevante para evitar a alegação da autarquia que a coisa
julgada ou a concretização da decisão trabalhista que reconheceu o
vínculo não gera efeitos para o INSS que não participou do processo.
5. Conclusão
O
fato de o empregador não formalizar o vínculo empregatício do empregado
contratado gera grandes prejuízos previdenciários ao empregado.
Entendemos
que não há qualquer justificativa para a contratação de um empregado
sem a observância das normas trabalhistas e previdenciárias, nem mesmo a
alegada dificuldade econômica e os elevados tributos aos quais as
empresas são submetidas quando da contratação de um empregado.
A
legislação previdenciária, na maioria das vezes, é desrespeitada pelo
próprio INSS, que transfere ao segurado o ônus de buscar as provas
necessárias para provar o exercício de atividade remunerada de
determinado período, sendo que compete aos órgãos fiscalizatórios, e não
ao trabalhador, exigir das empresas a regularidade do cumprimento das
obrigações principais e acessórias.
Diante do cenário
apresentado, um mecanismo que pode ser utilizado pelo segurado que
objetiva o reconhecimento de um vínculo empregatício para fins de
obtenção de algum benefício previdenciário é ingressar com a ação
trabalhista para que esse vínculo seja reconhecido e formalizado por uma
decisão judicial que servirá como meio de prova para averbar o referido
vínculo em seu tempo de contribuição.
Comentários
Postar um comentário