A radicalidade do art. 769 da CLT como salvaguarda da Justiça do Trabalho, por Jorge Luiz Souto Maior
1. A indevida classificação pessoal
Ao sustentar que nenhum artigo do novo CPC se aplica ao processo do trabalho, mesmo com todos os argumentos já apresentados em outro texto1, deparei-me com a acusação de ser radical, decorrendo dessa adjetivação uma dificuldade para auferir adeptos. Mas cumpre esclarecer. Primeiro, não está dentre as minhas preocupações na exposição da referida posição as de atingir fins comerciais, de obter notoriedade ou de conquistar as massas para criar seitas ou coisas que o valham. Segundo, não temo a suposta pecha de radical, afinal a radicalidade é essencial para que ao menos se tente ir à raiz dos problemas. Radical não é o oposto de ponderado ou de razoável e sim de superficial. E, terceiro, adotando critérios de raciocínio lógico, se o ponderado ou razoável fosse identificado em conformidade com a fixação de um ponto ideal, necessário seria definir a partir de que patamar alguém deixa de ser um radical e começa a ser um ponderado.
Formulando a mesma indagação no aspecto específico da relação entre o novo CPC e o processo do trabalho se poderia perguntar: quantos artigos do novo CPC precisam ser admitidos como aplicáveis no processo do trabalho para que se afaste a pecha de radical?
Ao sustentar que nenhum artigo do novo CPC se aplica ao processo do trabalho, mesmo com todos os argumentos já apresentados em outro texto1, deparei-me com a acusação de ser radical, decorrendo dessa adjetivação uma dificuldade para auferir adeptos. Mas cumpre esclarecer. Primeiro, não está dentre as minhas preocupações na exposição da referida posição as de atingir fins comerciais, de obter notoriedade ou de conquistar as massas para criar seitas ou coisas que o valham. Segundo, não temo a suposta pecha de radical, afinal a radicalidade é essencial para que ao menos se tente ir à raiz dos problemas. Radical não é o oposto de ponderado ou de razoável e sim de superficial. E, terceiro, adotando critérios de raciocínio lógico, se o ponderado ou razoável fosse identificado em conformidade com a fixação de um ponto ideal, necessário seria definir a partir de que patamar alguém deixa de ser um radical e começa a ser um ponderado.
Formulando a mesma indagação no aspecto específico da relação entre o novo CPC e o processo do trabalho se poderia perguntar: quantos artigos do novo CPC precisam ser admitidos como aplicáveis no processo do trabalho para que se afaste a pecha de radical?
No entanto, até onde
estou conseguindo ver, lendo os artigos escritos a respeito do assunto,
os autores, todos eles, impõem restrições à aplicação do novo CPC, em
diversos assuntos, mas não guardam uma identidade plena quanto a quantos
e quais artigos do novo CPC se aplicam ao processo do trabalho. O ponto
ideal da ponderação, portanto, não existe, objetivamente falando.
Além disso, alguém "mais autorizado" poderia
dizer que ponderado é aplicar o novo CPC por inteiro, pois, afinal,
trata-se de um instrumento moderno, que foi estudado por grandes
processualistas durante anos. Recusar a aplicação de qualquer um de seus
dispositivos seria, então, uma atitude radical, inconcebível.
Raciocinando
a situação, posta a partir desse pressuposto, e tomando por base a
visualização de que a quantidade de artigos do novo CPC admitidos como
aplicáveis no processo do trabalho é o determinante para a qualificação
dos autores, teríamos a conclusão, também inevitável, de que aqueles que
não concordam com a aplicação de todos os artigos do novo CPC no
processo do trabalho seriam, então, não-ponderados.
Se o ponto
ideal da ponderação for a aplicação não de todos mas de alguns artigos,
teríamos que estabelecer, então, qual é o número de artigos que define
um argumento ponderado, seguindo, na sequência, os efeitos dessa
definição. Assim, os que estivessem abaixo desse número entrariam na
categoria dos "não-ponderados" e seriam, ainda, subdivididos em
"radicais", quais seja, os que não admitem a aplicação de qualquer
artigo, e os “quase radicais” ou "quase ponderados", conforme estivessem
mais próximos da ponta ou do meio. Já os que se situassem acima do
ponto ideal seriam catalogados como "ponderados demais" ou "excessivos",
subdivididos em "excessivos ponderados" e "excessivos radicais", também
conforme uma escala preestabelecida.
Vale reparar, ainda na
lógica do raciocínio meramente quantitativo, que se os "ponderados" não
são acordes quanto ao número de artigos do NCPC aplicados ao processo do
trabalho o que se tem é uma ausência de objetividade para a definição
da questão, transportando os aplicadores de artigos do novo CPC no
processo do trabalho ao plano do arbítrio, ao exercício do império das
próprias razões. Assim, a oposição à radicalidade não seria a
ponderação, mas o arbítrio.
A classificação mais correta,
portanto, seria: radicais e arbitrários, ou radicais e superficiais. E,
convenhamos, melhor ser chamado de radical do que de arbitrário ou
superficial.
Ou seja, dá para ficar atribuindo nomes, com
intenção pejorativa, a todos os autores, só que o resultado desse
esforço é que o conteúdo próprio do debate se perde. Por isso, embora
não recuse a importância da radicalidade, entendo que a discussão não
deve ser travada neste nível, até porque uma classificação dessa ordem,
como dito, presta-se mesmo a evitar o debate.
2. Um argumento de legalidade
Não
cabe, também, a acusação de ilegalidade aos que recusam a aplicação da
totalidade do novo CPC ao processo do trabalho, pois o art. 769 da CLT2
diz, expressamente, que os dispositivos do CPC somente serão aplicados
ao processo do trabalho quando forem compatíveis com o processo do
trabalho. Não está dito em tal dispositivo que devem ser aplicados
artigos do CPC, obrigatoriamente, e, portanto, a questão matemática não
altera a visualização do efetivo respeito ao dispositivo. Não aplicar
todos os artigos do novo CPC é um resultado que parte da mesma base de
raciocínio da aplicação de apenas alguns, não representando, pois,
agressão ao artigo da CLT. Aliás, aplicar alguns, por dever de aplicar, é
que representa desrespeito à previsão legal, pois, como dito, a
aplicação deve atender a um pressuposto qualitativo, que provém da
compatibilidade da regra que se pretende aplicar com o sistema
processual trabalhista.
Ainda
que se queira parecer um bom teórico, por meio do argumento da
ponderação ou da razoabilidade, não há qualquer construção teórica
relevante na atitude de partir do pressuposto de que necessariamente
alguns artigos do CPC devem ser aplicados no processo do trabalho, até
porque essa postura advém apenas de uma indisfarçável vontade de se ver
considerado um ser acima das contradições humanas ou que provém
simplesmente do medo de ser chamado de radical.
Além do mais,
sem o aprofundamento do debate a contraposição a radical não é a
ponderação, mas, como visto, a superficialidade ou o arbítrio, e se
levarmos, então, a questão por esse lado, seria bastante possível
resistir à acusação de radical, mesmo sem negar a relevância da
radicalidade, partindo para o contra-ataque, acusando o acusador de
arbitrário.
Fato é que no
contexto de um enfrentamento apenas retórico não é possível dizer que
estão mais certos ou errados os argumentos em função do número de
artigos acatados como aplicáveis.
E vale insistir no aspecto de
que não é essa questão classificatória o que me move. Na verdade, o que
proponho é que a deixemos de lado e nos fixemos na formulação de um
postulado teórico que sirva à aplicação objetiva do art. 769 da CLT,
integrado à realidade atual, seguindo, ademais, a linha da recente
modificação doutrinariamente introduzida no entendimento do referido
artigo, que foi integrada à jurisprudência, da lacuna axiológica. Ora,
sempre se disse que quando a CLT tivesse regra expressa não se poderia
aplicar dispositivos do CPC que tratassem do mesmo assunto, mesmo que a
regra da CLT estivesse obsoleta frente à inovação do CPC, já que o art.
769 da CLT se refere à lacuna como elemento justificador da aplicação do
CPC. Mas, ao se compreender que o art. 769 não poderia ser utilizado
para obstar a efetividade do processo e a melhoria da prestação
jurisdicional, admitiu-se a existência de lacunas axiológicas, ou seja,
de inaplicabilidade da regra da CLT em razão do advento de outra mais
eficaz no CPC, e eu mesmo fui um dos defensores dessa transposição de
vários textos inovadores do CPC para o processo do trabalho3.
A
questão é que se inicialmente era possível vislumbrar certa aproximação
entre a CLT e o CPC, as alterações posteriormente introduzidas no
processo civil geraram um distanciamento cada vez mais profundo entre o
processo do trabalho e o processo civil. O CPC de 1939 era bastante
próximo da CLT (de 1943). O CPC de 1973 se afastou bastante da CLT,
valendo destacar que o encantamento com o CPC de 73 durou pouco, haja
vista a demanda por reformas, conforme fala da professora Ada Pellegrini
Grinover, proferida em 1978, abaixo citada. As modificações advindas em
1994 provocaram, como dito, até uma necessidade de reaproximação entre
os dois processos. Mas, agora, o novo CPC, de 2015, promoveu uma ruptura
insuperável, pois seus valores são: privatização do processo, visto
como negócio das partes; conciliação a qualquer custo; padronização das
decisões para conferir segurança aos negócios; juiz gestor; e incentivo
às vias privadas de solução de conflitos.
Aliás, tomando por
base o tamanho da complexidade procedimental estabelecida no novo CPC
não é excessivo dizer que a demora para a solução dos casos na via
processual é um efeito assumido, servindo, isto sim, como um incentivo
para o incremento dos modos extrajudiciais, os quais, curiosamente, não
são regulados e, consequentemente, são desprovidos de trâmites
burocráticos.
Além disso, a intelectualidade processual civil,
alimentando a lógica da preservação de mercado já começa a criar nomes
para qualificar institutos e, com isso, complicando um pouco mais as
coisas. Tem-se falado, então, em "princípio do contraditório
substancial", "teoria da causa madura", "primazia do mérito", "princípio
da unificação procedimental", "flexibilização procedimental",
"princípio da cooperação", que constituem fórmulas complexas para tratar
de coisas simples, contribuindo para a retomada da lógica do período de
"cientificização" do direito processual, de modo a jogar por terra todo
o esforço empreendido durante vários anos para a compreensão do
processo como instrumento, além de trazer à tona a noção, que há muito
havia sido superada, do processo como um fim em si mesmo.
3. Formulação teórica
Pois
bem, sem as amarras de uma suposta ponderação, que exigiria a aplicação
de certo número de artigos do CPC ao processo do trabalho, leiamos
novamente o artigo 769, da CLT. Será possível reparar, então, que
referido dispositivo diz expressamente que nenhum artigo do processo
comum se aplica ao processo do trabalho, consignando para o juiz a
possibilidade de atrair para o processo do trabalho regras do processo
comum apenas quando sejam compatíveis com a CLT e possam ser benéficas
aos objetivos do processo do trabalho. Cumpre
ao juiz, então, a obrigação de demonstrar a pertinência dessa
transposição, que não é, portanto, nem automática nem obrigatória.
Assim,
por aplicação do art. 769 da CLT não é quem deixa de aplicar as regras
do CPC no processo do trabalho que deve explicar porque o faz, vez que
essa inaplicabilidade está pressuposta no teor do artigo 769. Deve
fazê-lo, isto sim, aquele que pretenda aplicar uma ou mais regras do CPC
na prática processual trabalhista.
O artigo 769, da CLT,
ademais, conforme sentido extraído da técnica de interpretação
sistemática, visto, portanto, em consonância com os demais regramentos
do Capítulo I, do Título X, da CLT, e, em especial, o art. 7654,
é uma regra direcionada ao juiz, para que possa atrair para o processo
do trabalho os dispositivos do processo comum que sejam compatíveis com a
CLT e que lhe pareçam ser benéficos aos objetivos do processo do
trabalho, cumprindo-lhe, de todo modo, repita-se, a demonstração do
cabimento dessa atuação.
O presente postulado, ademais, não tem
nada de inovador, vez que não passa de uma retomada da própria essência
do artigo 769, que é a de proteger o processo do trabalho, para que
possa cumprir o seu papel de conferir autoridade à ordem jurídica
trabalhista.
O que vislumbro é apenas o aprofundamento do debate
a respeito dessa questão de forma honesta e franca, partindo do mesmo
pressuposto que anima a todos aqueles que têm se debruçado sobre o tema,
que é o de preservar a funcionalidade objetiva da Justiça do Trabalho.
4. A centralidade do processo do trabalho
E
nem se diga que o novo CPC, em seu art. 15, obriga a transposição de
regras e institutos do CPC para o processo do trabalho, pois as normas
mais recentes não revogam as anteriores quando específicas e ninguém há
de negar ao menos a especialidade do processo do trabalho frente ao
processo civil. O processo do trabalho não nasce do processo civil.
Dentro da própria racionalidade advinda do princípio da
instrumentalidade, o processo do trabalho nasce do direito material
trabalhista, o que, aliás, pode ser confirmado no estudo de toda a
história de formação da Justiça do Trabalho e, consequentemente, do
processo do trabalho, que tem como um dos postulados, ademais, se
desatrelar das formalidades e dos rituais do processo civil.
Cabe
perceber que o sentido ora proposto ao art. 769 da CLT não se
contrapõe, na essência, ao esforço, sério e sincero, empreendido por
vários juristas processuais trabalhistas que se debruçaram sobre o tema,
no sentido de tentar extrair do novo CPC apenas as regras que não
contrariem a lógica do processo do trabalho. Aliás, não só não o
contraria como o reforça porque extrai desses autores a obrigação de
fundamentar porque, afinal, não aplicam os demais artigos do NCPC,
afastando, inclusive, a acusação de “arbitrariedade” por aplicarem uns e
não aplicarem outros dispositivos.
Se o pressuposto teórico
fosse o de que alguns artigos devem ser necessariamente aplicados, como
resultado de uma postura razoável e ponderada, a não aplicação
precisaria ser justificada o tempo todo e essa não é tarefa muito
simples, pois a argumentação lógica nem sempre consegue demonstrar de
forma clara o prejuízo, só visualizável em situações concretas
específicas. O efeito, extremamente arriscado, seria o de abrir a porta
para a entrada de vários dispositivos nefastos ao processo do trabalho,
sendo que o novo CPC é repleto deles, vez que construído a partir de
preocupações muito distintas daquelas que norteiam o processo do
trabalho.
Considerando a incompatibilidade de fundo entre o novo
CPC e a CLT a posição que me parece mais coerente e honesta é a de
recusar, por inteiro, a aplicação do CPC, pois, mesmo com o pressuposto
teórico estabelecido de que o juiz pode atrair do CPC a regra que
considerar necessária, parece-me meio complexo, para dizer de forma
amena, fatiar e fragmentar o CPC de modo a separar parágrafos de
incisos, incisos de artigos, artigos de capítulos, como se estivesse
aplicando o CPC porque, de fato, não se o está fazendo.
Aliás,
mesmo quando se defende a aplicação de algum instituto do NCPC no
processo do trabalho e se o faz mediante a realização de "necessárias
adaptações" ao procedimento trabalhista não se está, de fato, aplicando o
NCPC. O que se faz é apenas criar um disfarce retórico para superar a
incompatibilidade entre a previsão normativa do CPC e o processo do
trabalho, driblando a regra do art. 769 da CLT ao mesmo tempo em que se
finge atender a uma suposta obrigatoriedade de fazer incidir o instituto
processual civil no processo do trabalho.
Ora, vendo a questão
do ponto de vista da teoria geral do direito, ao se buscarem normas de
outros ramos para um ramo específico não se está aplicando o direito
externo e sim uma ou algumas de suas normas, cujo sentido, por
conseguinte, será aquele que atende aos princípios do ramo do direito
específico, pois não é lógico que uma norma externa, chamada para o
preenchimento de uma lacuna, seja capaz de, por si, contrariar toda a
especificidade do ramo em que venha a ser inserida. Então, não se deixa
de aplicar o processo do trabalho quando se busca no processo civil
alguma norma que interesse à efetividade da prestação jurisdicional
trabalhista.
As características da oralidade, ademais, consignam
no procedimento trabalhista uma simplicidade e uma informalidade tais
que, atendendo o objetivo de entregar aos trabalhadores os bens da vida
perseguidos, e a que tenham efetivamente direito, de forma célere e
eficaz, exigem do juiz uma atuação criativa, impulsionada pelas
peculiaridades de cada caso, ou mesmo determinada pela visualização
coletiva do conflito, sem desatender, é claro, os postulados do
contraditório e da ampla defesa, mas que, não sendo valores absolutos,
não se perfazem em abstrato, ainda mais de modo a evitar a própria
efetividade do ordenamento jurídico, exigindo-se, pois, que sejam vistos
e aplicados a partir do reconhecimento da desigualdade material e
também processual que marcam a relação capital-trabalho.
Além
disso, a atração mesmo parcial do novo CPC traz consigo o risco de
graves retrocessos ao processo do trabalho, sobretudo no que se refere à
atuação do juiz, que é um personagem extremamente importante no
princípio da oralidade, reforçado na CLT, e que foi, frontalmente,
rechaçado no novo CPC.
De todo modo, pela compreensão do art. 769
ora proposta, que rejeita a presunção da necessidade de aplicação do
CPC ao processo do trabalho, a atração de artigos do novo CPC ao
processo do trabalho se dá por uma espécie de convite do juiz. Não se
trata, pois, de uma invasão, uma força externa que não possa ser
contida.
5. A Justiça do Trabalho em foco
É
bastante importante deixar as coisas às claras, para que não se fique
no limite de investigação determinado por aquelas qualificações
pejorativas referidas inicialmente. Os fundamentos do novo CPC
baseiam-se em uma visão de mundo que considera necessário conter a
atuação de juízes sociais. Mas a racionalidade do processo do trabalho,
obviamente, é outra, tanto que as regras de proteção do processo do
trabalho frente aos possíveis ataques do CPC são direcionadas ao juiz, a
quem cumpre definir, portanto, como o procedimento deve se desenvolver,
gostem disso, ou não, os elaboradores do novo CPC.
Aliás, é
indisfarçável o desejo dos elaboradores do NCPC de suprimir, por via
transversa, práticas processuais trabalhistas. Lembre-se também que a
reforma do Judiciário, iniciada em 1994, pretendia a extinção da Justiça
do Trabalho, sobretudo por conta da atuação social dos juízes
trabalhistas. A tentativa foi derrotada pela força política dos
profissionais ligados à área trabalhista: advogados, procuradores e
juízes. A recomendação do Banco Mundial (Documento n. 319, traduzido
para o português e publicado no Brasil em 1996) continuou sendo, no
entanto, a redução dos poderes do juiz e a imposição de uma
racionalidade econômica à jurisdição, sob a suposição de que isso
garantiria segurança aos negócios. O novo CPC traz os elementos dessa
reforma e o alvo direto é o juiz social do trabalho, que, na visão
retrógrada de muitos, estaria levando muito a sério essa ideia de
aplicar direitos trabalhistas no Brasil.
E se o propósito do novo
CPC não tiver sido este, de conter a atuação do juiz social,
pretendendo, isto sim, trazer inovações importantes para aprimorar a
prestação jurisdicional, tornando-a mais célere e eficaz, por meio de um
"procedimento flexível", há de se reconhecer que não contraria os
objetivos do processo civil a postura de não aplicar suas regras caso no
procedimento específico houver normas que, atendendo as peculiaridades
da relação de direito material, forem mais eficazes que aquelas do
processo civil, não se podendo, por consequência, criar qualquer objeção
a respeito.
Uma eventual objeção a essa postura apenas revela,
portanto, que o propósito de impor a aplicação do novo CPC ao processo
do trabalho foi mesmo o de criar embaraços à atuação criativa do juiz do
trabalho e o pior de tudo isso é que tais obstáculos servem,
exclusivamente, àqueles que se valem de estratégias fraudulentas para
dificultar a prestação jurisdicional.
Veja-se, por exemplo, a
questão pertinente à inovação trazida no CPC do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, para a suposta garantia do
contraditório. Ora, o juiz do trabalho não vai atrás dos bens dos sócios
de pessoas jurídicas socialmente responsáveis, que são economicamente
sólidas e que não lidam com os direitos trabalhistas na lógica do
desrespeito reiterado. Ou seja, somente vai atrás dos bens dos sócios,
superando, inclusive, a formalidade do estatuto social, para alcançar os
sócios de fato, quando a pessoa jurídica não possui capital ou bens e
se ativou no mercado mediante a exploração do trabalho alheio de forma
irresponsável, cometendo o ilícito de expor direitos alheios a riscos.
Assim, limitar a atuação do juiz nesta seara apenas serve ao fraudador.
Aliás,
é bastante curioso verificar o argumento da defesa de uma pretensa
legalidade, em torno do respeito ao direito constitucional ao
contraditório, saindo da boca exatamente daqueles que descumprem de
forma deliberada e reiterada a ordem jurídica como um todo e querem se
valer seletivamente de uma ou algumas normas apenas para se manterem
impunes.
No aspecto histórico-evolutivo é interessante perceber
que a linha processual anteriormente adotada, que imprimiu celeridade e
efetividade ao processo, chegou a impor aos processualistas trabalhistas
a necessidade de romper resistências internas para que fosse possível a
aplicação das inovações do processo civil. Eu mesmo sai em defesa da
aplicação da tutela antecipada, da execução definitiva e do art. 475-J
ao processo do trabalho, contribuindo para a formação da noção de que o
mesmo artigo 769, da CLT, não poderia ser visto como empecilho à
transposição desses institutos para o processo do trabalho mesmo que
houvesse lacuna na CLT a respeito. Foi necessário, inclusive, romper o
argumento de objeção de que não seria aplicável no processo do trabalho a
tutela antecipada, por exemplo, porque se o fosse não seria utilizada
como exceção e sim como regra, dadas as características das reclamações
trabalhistas.
A realidade agora, no entanto, é outra e, no
conjunto, o novo CPC corresponde a um enorme risco para a efetividade do
processo do trabalho e para a própria sobrevivência da Justiça do
Trabalho, como demonstrado.
A temática da aplicação subsidiária
do CPC ao processo do trabalho, portanto, não é um problema de ordem
matemática, que se completa em avaliações pontuais. Há uma questão
política subjacente, que impõe aos juízes trabalhistas a necessidade de
resistir para preservar tanto a Justiça do Trabalho quanto o próprio
Direito do Trabalho.
Acrescente-se que, considerando o estágio
de evolução da experiência processual trabalhista muitas das saídas
encontradas pelos elaboradores do NCPC, acreditando ter trazido
contribuições inéditas para a solução de entraves processuais, já eram
há muito aplicadas no processo do trabalho e com maior eficácia.
E
cumpre repetir: não se diga que tal postura de negar a aplicação do CPC
é ilegal porque, afinal, o art. 769 da CLT é lei e se sobrepõe, por
aplicação das normas e princípios de teoria geral do direito, ao art. 15
do novo CPC.
6. Implicações do postulado teórico
Para
facilitar a compreensão, o que se está tentando dizer é que se o juiz
do trabalho quiser aplicar algum dispositivo do novo CPC, para uma
melhor realização dos objetivos do processo do trabalho, poderá fazê-lo,
mas deverá, primeiro, compreender que mesmo neste caso não estará
aplicando o processo civil e sim o processo do trabalho, e, segundo,
precisará justificar sua posição, demonstrando como a aplicação
pretendida é compatível com o processo do trabalho e como se presta a
melhorar a prestação jurisdicional, assumindo, por óbvio, a
responsabilidade da conseqüência do ato, que, inversamente do imaginado,
vier a piorar a sua atuação, comparada com a de outros juízes que não
admitiram a mesma transposição, sendo certo que não poderá dizer que a
procedeu porque estava obrigado.
Como conseqüência do pressuposto
teórico proposto, não haverá para a parte o direito de exigir do juiz a
adoção de algum procedimento do novo CPC baseado apenas no argumento de
existir a previsão no CPC ou mesmo de que outros juízes do trabalho o
tenham aplicado. Para esse convencimento, também a parte deve demonstrar
como a norma contribuiria para uma maior eficácia dos objetivos
fundamentais do processo do trabalho.
Dentro da linha
apresentada, aliás, o juiz do trabalho, mesmo visualizando uma utilidade
na aplicação da norma do CPC não precisa fazer o transpasse,
bastando-lhe, por força do contido no art. 765 da CLT, fixar um
procedimento análogo, cabendo lembrar, a propósito, que vários dos
avanços experimentados pelo processo civil nas últimas décadas, tanto em
termos legislativos quanto doutrinários, advieram de práticas
processuais trabalhistas adotadas em diversas Varas do Trabalho ou
desenvolvidos em textos acadêmicos de processualistas da área do
trabalho, sendo que tal cópia nunca foi assumida.
De fato, a
vivência concreta do processo do trabalho e mesmo os ensaios
doutrinários processuais trabalhistas, ainda que tenham sido fontes de
inspiração para muitas evoluções do processo civil, nunca foram
reverenciados ou sequer mencionados pelos civilistas, com raras
exceções. Vide, neste sentido, Ada Pellegrini Grinover, que, em 1978, já
alertava sobre a necessidade de se adotarem no processo civil muitas
das inovações do processo do trabalho:
As características mais marcantes do processo trabalhista tendem, por outro lado, a impregnar o processo comum, permitindo-lhe alcançar um maior grau de democratização, de oralidade, moralidade e publicização, em obediência aos princípios informativos do processo (....). Com efeito, o processo trabalhista é permeado pela celeridade (concentração de atos, simplificação das formas e limitação dos recursos...); pela economia (máximo de rendimento com o mínimo de esforço); pela eficácia (justiça real, corrigindo as desigualdades substanciais). Um alto grau de oralidade (com seus corolários: a imediação, a concentração e a irrecorribilidade das interlocutórias), a aplicação da eqüidade (com a extensão e a revisão das sentenças próprias do juízo determinativo), o tecnismo e a especialização, a possibilidade de julgamento "extra petita" (reintegração do funcionário estável), o foro de eleição para a parte mais fraca, a conciliação, os efeitos da revelia e tantos outros princípios tendem, cada vez mais acentuadamente, a ser transpostos para o processo comum5. – grifou-se
Assim, o juiz do trabalho
pode, por exemplo, atrair para o processo do trabalho o princípio da
atuação de ofício do juiz nas tutelas de urgência, já que nenhum artigo
do novo CPC exige iniciativa da parte para que tal providência seja
tomada, assim como também a noção, que se extrai do conjunto normativo
contido no NCPC, da realização de inspeções judiciais sem comunicação
prévia das partes, mas sem a necessidade de explicitar os artigos do CPC
em que se baseia.
Pode, também, para rechaçar os retrocessos do
novo CPC, manter alguns parâmetros regulatórios do antigo CPC, como o
da multa do art. 475-J e da antecipação da tutela tratada no art. 273,
vez que já integrados ao processo do trabalho como normas
consuetudinárias, sendo que, no fundo, sequer precisa de toda essa
construção argumentativa em razão do que dispõem os artigos 652, "d"6 , e 832, § 1º7
, da CLT, além do já citado artigo 675, que permitem, inclusive, a
fixação de "astreintes" em sentença, para garantir a sua eficácia,
conforme já destacava Vicente José Malheiros da Fonseca, em 19888 .
Verifique-se,
a propósito, o quanto o conteúdo da sentença trabalhista, fixado no
artigo 832, difere da previsão, impossível de ser cumprida, do art 489,
do NCPC.
Vários foram os anos de história de vivência do processo
do trabalho sem uma incidência necessária do CPC e com os juízes do
trabalho atuando criativamente para buscarem procedimentos pertinentes
às peculiaridades dos conflitos submetidos à sua apreciação. Poderia,
aliás, nesse passo, ficar aqui citando inúmeros casos de atuação
procedimental jurisprudencial, que, no fundo, refletem uma somatória das
iniciativas de diversos juízes do trabalho, procurando a superação de
obstáculos concretos à efetividade da prestação jurisdicional. No
entanto, como o objetivo desse texto é o da fixação de fundamento
teórico, a narração seria mais uma curiosidade do que um reforço
argumentativo.
7. Conclusão
Insista-se,
portanto, na essência do tema, que é o de que a centralidade da análise
deve partir da racionalidade do processo do trabalho, pensado dentro da
linha de interesses específicos da Justiça do Trabalho. Não cabe, pois,
buscar compreensões tomando como ponto de partida a lógica do processo
civil e seus postulados.
Dentro desse contexto, vale reforçar a
noção de que nenhuma parte, sobretudo na condição de reclamada, tem o
direito de tentar impor ao juiz do trabalho um procedimento fixado no
novo CPC, que venha a servir apenas ao propósito de postergar o
andamento do processo ou de extrair-lhe a efetividade. E repare-se que
muitos processualistas civis, para tentar romper as barreiras que os
juízes do trabalho estão oferecendo ao novo CPC, compreendendo os riscos
do momento histórico, já estão dizendo que o novo CPC, por imposição do
seu art. 15, não é simplesmente aplicável de forma subsidiária aos
demais processos. Visualizando o novo CPC como o centro da racionalidade
de todos os processos, inclusive o do trabalho, apontam seu caráter de
supletividade com relação aos demais, tentando fazer com que as normas
do novo CPC sejam obrigatoriamente aplicadas aos demais processos,
autorizando a incidência das normas dos processos "especiais" apenas
quando não contrariarem os fundamentos do novo CPC e este não regular,
expressamente, a hipótese. Vejam, pois, como diria Machado de Assis, a
sutileza dos marotos...
Enfim, é preciso rejeitar a fragilidade
dos argumentos baseados em suposta ponderação ou razoabilidade que
trazem consigo os pressupostos de que a aplicação de artigos do CPC ao
processo do trabalho é obrigatória e de que a rejeição da aplicação de
regras do CPC precisa ser fundamentada e somente acatada
excepcionalmente. O artigo 769 da CLT, entendido como norma de proteção
do processo do trabalho, vai em sentido diametralmente oposto, recusando
a aplicação da totalidade dos dispositivos do CPC e impondo ao juiz que
queira convidar algumas previsões normativas do CPC, para incrementar o
procedimento trabalhista, a obrigação de justificar sua posição a
partir da demonstração de como a atração requerida pode melhorar a
prestação jurisdicional, sendo que na situação presente, de
incompatibilidade de fundamentos entre o novo CPC e o processo do
trabalho, que gera, de fato, um conflito incontornável, a posição que me
parece mais lógica, racional, coerente e honesta é a da rejeição plena
do novo CPC9, suprindo-se as eventuais lacunas por aplicação
criativa e responsável do art. 765 da CLT, até porque a radicalidade
contida expressamente no art. 769 da CLT mostra-se, no presente momento,
essencial para a salvaguarda da Justiça do Trabalho, do juiz social e,
consequentemente, dos direitos trabalhistas.
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