O novo CPC e os Julgamentos Colegiados

Desde o primeiro momento que se começou a discutir esse novo CPC, enunciei que a grande mudança que se espera da comunidade jurídica como um todo é a comportamental, pois por mais que se necessite aqui e acolá mudanças legislativas, o mais importante é a mudança de postura do processualista.
Já tive o prazer de substituir algumas vezes Desembargador, ou seja, falo com alguma experiência que a realidade de enfrentamento das teses trazidas pelas partes precisar mudar radicalmente, mas ouso trazer esse instigado tema através de um texto de um amigo e grande processualista, que é Desembargador e por conseguinte fala com muita propriedade, refiro-me a Alexandre Freitas Câmara, que analisa a temática sem "meias palavras" como se diz e nos chama a atenção do dever que teremos, a qual ratifico toda a sua fala.
Entretanto, pondero que esse mesmo dever trazido no novel artigo 489 do CPC e a preocupação de se buscar uma jurisprudência estável, íntegra e coerente, plasmada no artigo 926 deve ser alicerçada no artigo 10, todos do novo CPC e que no nosso sentir também impõe aos advogados o dever de argumentação coerente com as peculiaridades do caso concreto e não a continuidade da cultura de se jogar em suas peças várias ementas de julgado sem qualquer correlação fática e jurídica e querer forçar que os Juízes analisem algo que passa longe do que se trata no feito em específico.
Sem mais delongas vamos a esse grande texto que com certeza se bem observado pelos julgadores trará mais qualidade para as decisões judiciais e por conseguinte na prática poderá diminuir a saga recursal que se vê agora como regra geral e principalmente acabar com a ideia de que STJ e STF são instâncias de terceiro e quarto grau de jurisdição.
Alexandre Freitas Câmara
O novo CPC exigirá uma nova forma de se desenvolver a atividade de julgamento em órgãos colegiados. Não só neles, é verdade, já que também os órgãos unipessoais terão de se adaptar. Nos colegiados, porém, a mudança deverá ser ainda maior, com repercussões até mesmo sobre a forma de proferir votos.
Dois pontos são, aqui, fundamentais: primeiro, a necessidade – agora expressa em texto legal, e que afasta entendimento já tradicional (e com o qual jamais concordei) – de que sejam enfrentados todos os argumentos deduzidos pelas partes capazes, em tese, de infirmar a conclusão alcançada na decisão (art. 489, § 1º, IV). Segundo, a necessidade de que sejam identificados os fundamentos determinantes dos precedentes a fim de permitir a verificação do ajustamento do caso concreto àqueles fundamentos (art. 489, § 1º, V).
Pois estes dois pontos trazem consequências extremamente relevantes para os julgamentos colegiados, a começar pela elaboração do relatório (incumbência que, evidentemente, cabe ao relator – ou ele não seria assim chamado –, na forma do art. 931). É que no relatório deverá haver a indicação de todos os argumentos que precisarão ser enfrentados no julgamento colegiado, a fim de orientar a atuação dos demais integrantes da turma julgadora. É recomendável, então, que o relator, na elaboração do relatório, indique – separadamente – quais os argumentos suscitados pelo recorrente, quais os deduzidos pelo recorrido e, por fim, quais os suscitados de ofício e submetidos ao contraditório prévio entre as partes (art. 10). Isto, por certo, facilitará o trabalho do órgão colegiado na análise dos argumentos que terão de ser apreciados para a elaboração da decisão.
De outro lado, é fundamental que os votos proferidos durante o julgamento dialoguem entre si, o que é essencial para a determinação dos fundamentos determinantes do acórdão. E isto exige uma mudança de técnica de julgamento colegiado. Explico: tradicionalmente, no Brasil, tem-se visto que julgamentos colegiados se realizam a partir de uma técnica que pode ser designada como “adesão à conclusão”. Quero com isto dizer que, proferido o primeiro voto (o do relator), os outros integrantes do colegiado passam a votar indicando, cada um, os seus próprios fundamentos, muitas vezes completamente distintos dos empregados pelos que votaram anteriormente, e a única preocupação é verificar se as conclusões desses votos coincidem. Ao final, somam-se as conclusões dos votos e se proclama o resultado (unânime ou não). Isto, porém, pode levar à proclamação de resultados esdrúxulos. Pense-se, por exemplo, no julgamento colegiado de uma ação direta de inconstitucionalidade pelo STF. Caso ocorra de cinco ministros reputarem a lei compatível com a Constituiçãoda República, três ministros votarem no sentido de que a lei é inconstitucional por violar certa norma constitucional (chamemos de norma constitucional X) e outros três ministros a reputarem inconstitucional por violação de outra norma (norma constitucional Y), provavelmente haveria uma soma de conclusões para se proclamar que, por maioria, a lei foi declarada inconstitucional.[1] Não é esta, porém, a técnica correta.
É absolutamente fundamental, para o correto julgamento por órgão colegiado, que cada um dos fundamentos seja apreciado separadamente, sendo analisado em cada um dos votos proferidos.[2] Imagine-se, então, que em um determinado processo tenha o relator identificado cinco argumentos distintos que tenham sido suscitados e devam ser examinados: é preciso que cada um dos integrantes do órgão colegiado se pronuncie separadamente sobre cada um desses argumentos, de forma a permitir que se verifique quais terão sido acolhidos (e quais os rejeitados) pela turma julgadora (por unanimidade ou por maioria).
Pois para que isto funcione, é absolutamente essencial que os votos “dialoguem”. Impõe-se, então, que – proferido o primeiro voto – os demais integrantes da turma julgadora enfrentem, individualizadamente, cada um dos fundamentos do voto do relator. E no caso de algum magistrado enfrentar algum fundamento novo, que não tivesse sido apreciado nos votos anteriores, é essencial que aqueles que já tinham votado retomem a palavra, a fim de se pronunciar sobre este novo fundamento.
Só assim teremos uma colegialidade verdadeira, capaz de permitir definir quais foram, realmente, os fundamentos determinantes da decisão (assim compreendidos os fundamentos da decisão que tenham sido expressamente acolhidos em votos suficientes para formar a maioria).
Vale registrar, aliás, que o art. 984, § 2º, expressamente estabelece que o conteúdo do acórdão a ser proferido no julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas deverá abranger “a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários”. E disposição idêntica se encontra em relação ao julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 1.038, § 3º). Não se pode, porém, pensar que só nesses casos tal exigência deve ser feita. Em qualquer julgamento colegiado é preciso que todos os votos integrantes do acórdão (que é, nos termos do art. 204, “o julgamento colegiado proferido pelos tribunais”) se manifestem sobre todos os fundamentos discutidos, a fim de se viabilizar a determinação de quais foram acolhidos (ou rejeitados).
Consequência disto é que o tradicional “de acordo” (voto proferido por aquele que se limita a afirmar concordar com algum voto anteriormente proferido) deve ser interpretado como uma expressa adesão aos fundamentos do voto com o qual se concordou (e não como o mero “não olhei, mas acho que concordo” a que se referem Dierle Nunes e Lúcio Delfino).[3] E daí vem o acerto do enunciado 431 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O julgador, que aderir aos fundamentos do voto-vencedor do relator, há de seguir, por coerência, o precedente que ajudou a construir no julgamento da mesma questão em processos subsequentes, salvo se demonstrar a existência de distinção ou superação”. Só assim o “de acordo” poderá ser visto mesmo como uma manifestação de que se concorda. Só assim se terá superado a pseudo-colegialidade.

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