O empresário rural e o Código de Defesa do Consumidor, por Rodrigo Afonso Machado

O agronegócio é uma das atividades econômicas mais importantes do país e atualmente é responsável por cerca de 20% do PIB, de acordo com o ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Definido como um conjunto de atividades associadas que garantem a produção, transformação, distribuição e consumo de produtos originários da agropecuária, é um setor da economia que movimenta no Brasil mais de R$ 900 bilhões em riquezas, grande parte em razão da atividade de grandes produtores rurais, verdadeiros empresários do campo.
Diferentemente dos pequenos produtores rurais, que geralmente cultivam a terra para sua subsistência, o empresário rural explora sua propriedade de forma organizada e em busca do lucro, adquirindo grandes quantidades de insumos agrícolas (defensivos, sementes, etc.) e aplicando as mais modernas tecnologias para cultivo do solo e criação de animais.
Por exemplo, é cada vez mais comum a aquisição de máquinas agrícolas dotadas de sistema localização georreferencial (GPS) e piloto automático, que permitem o mapeamento do solo e a inspeção da colheita de maneira rápida e eficaz, com mais produtividade.
Enfim, além da capacidade financeira para suportar as elevadas despesas do negócio, o empresário rural também se vale da assessoria de técnicos agrícolas, agrônomos e administradores especializados para gerir seu negócio.
E tais empresários do agronegócio, diante de sua musculatura financeira e do seu conhecimento técnico do ramo que explora, não têm direito às regras protetivas do CDC, especialmente aquelas que reconhecem a hipossuficiência e a facilitação de sua defesa em ações judiciais, como geralmente ocorre com o pequeno produtor.
Isso porque o destino dado às sementes, defensivos e maquinários agrícolas adquiridos pelo pequeno produtor rural não é o mesmo atribuído pelo grande produtor. 
De fato, o fungicida ou o carrapaticida, por exemplo, comprados pelo pequeno agricultor, serão aplicados em sua plantação ou rebanho, que posteriormente serão consumidos por ele e sua família. A situação é muito próxima da agricultura de subsistência.
Por outro lado, o grande produtor rural conta em sua grande maioria com uma equipe técnica dedicada ao acompanhamento de sua lavoura ou rebanho, e os insumos são destinados ao aumento da produção e a obtenção de maior lucro.
Não há, pois, como se admitir que o grande produtor rural possa ser enquadrado na condição de hipossuficiente prevista no CDC, seja sob o aspecto econômico, da técnica, ou mesmo jurídico, haja vista que desenvolve atividade de risco, típica de empresário, e por isso não poderia se considerar hipossuficiente quando sofre algum prejuízo que seria decorrente dos insumos utilizados em seu negócio.
O Poder Judiciário por muito tempo adotou entendimento de que produtor rural, seja o agricultor de subsistência, seja o empresário rural, deveria receber tratamento especial previsto na legislação consumerista, face à hipossuficiência de ambos frente aos fornecedores e fabricantes dos produtos agrícolas. Esse posicionamento era mais comum em tribunais onde o agronegócio representa parcela importante na economia local, como o Estado do Mato Grosso (grande produtor de soja), por exemplo.
Entretanto, os juízes têm modificado seu posicionamento e o STJ recentemente firmou o entendimento de que o produtor rural de grande porte não se enquadra na condição de consumidor, justamente por não ser o destinatário final dos produtos (AgRg no REsp 1381181/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 09/06/2014).
O fato é que os empresários rurais não são os destinatários finais dos produtos adquiridos para implemento de sua lavoura e rebanho, e por isso não podem ser beneficiados pelas disposições do CDC. Afinal, para eles não existe hipossuficiência técnica e nem financeira.
Não há dúvidas que o homem do campo merece proteção do Direito, sobretudo em relação ao uso da propriedade rural e os recursos nela empregados para torná-la produtiva e alcançar sua função social.
É preciso, porém, que o grande produtor rural compreenda a natureza empresarial da atividade que desenvolve em sua propriedade e, como não é o destinatário final dos insumos e tecnologias utilizados para a produção e circulação de riquezas, não pode ser classificado como hipossuficiente e merecedor das proteções previstas no CDC, como, por exemplo, a inversão do ônus da prova.

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