Algumas considerações sobre direito de preferência, Valdemar P. da Luz

Consoante a melhor doutrina, preferência é o direito de ser preferido em igualdade de condições com terceiro. Ordinariamente, as relações jurídicas entre pessoas costumam verificar-se no mesmo pé de igualdade ou, em outras palavras, sem que haja privilégios de umas em relação a outras. Há, porém, certas situações, decorrentes da lei ou da própria vontade das partes, em que o fiel da balança pende mais para o lado de uma determinada pessoa. É, em nosso sentir, o que ocorre com o direito de preferência, que tem por escopo permitir que certas pessoas tenham a primazia para adquirirem a coisa que vai ser alienada. Trata-se, pois, de um benefício legal ou contratual que, quando descumprido pelo alienante, permite ao beneficiário requerer judicialmente para si a coisa indevidamente alienada a terceiro.
2. As modalidades de preferência
No direito positivo brasileiro comporta anotar a existência de duas modalidades de preferência que serão objeto de apreciação deste estudo: a preferência legal e a preferência convencional.

2.1. Preferência legal
Como se pode facilmente dessumir da própria denominação, preferência legal é a que decorre da lei. Daí resulta, logicamente, que não pode a mesma ser derrogada pela singela vontade das partes, como soe acontecer com a preferência convencional.

As hipóteses conhecidas de preferência legal no ordenamento pátrio são as seguintes: as dos arts. 504 e 1.322 do Código Civil, que prevêem a preferência do condômino na aquisição da coisa comum indivisível; a do art. 27 da Lei do Inquilinato (Lei n° 8.245/91), que assegura o direito de preempção ao locatário para efeito de adquirir o imóvel locado; a do art. 92, § 3°, do Estatuto da Terra (Lei n° 4.504/64), que dispõe sobre o direito de prelação do arrendatário para adquirir o imóvel rural arrendado.
2.1.1. A preferência do condômino
Condômino é toda pessoa que, juntamente com outra, exerce o direito de propriedade sobre o mesmo imóvel. Relativamente ao condomínio ou à propriedade em comum, a melhor conceituação é a que se contém no art. 1.403 do Código Civil português, verbis: “Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.

O direito de preferência do condômino, no ordenamento brasileiro, resulta, inicialmente, do disposto no art. 1.322 do Código Civil, que assim consigna:
Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Trata-se, aqui, da venda da coisa comum na sua totalidade, onde se faz evidente o direito de preferência do condômino para a aquisição “em condições iguais de oferta”, ou seja, da oferta apresentada a terceiro. Havendo mais de um condômino interessado, contempla a lei, a preferência recairá sobre aquele que tiver benfeitoria de maior valor ou o quinhão maior.
Outra hipótese de preempção do condômino é a que se extrai, ainda que de forma presumida, do óbice ou restrição que sofre o condômino em coisa indivisível, de não poder vender a sua quota a estranhos, se outro condômino a quiser, ex vi do art. 504.
Conforme se pode do todo inferir, refere-se o citado dispositivo à restrição de venda, a terceiro, da parte contida dentro de um todo maior “indivisível”, sem que a mesma seja antes oferecida ao condômino.
Consoante observa SILVIO RODRIGUES, (vol. 3, p. 153) “a proibição constante do art. 1.139 é tradicional no direito lusitano”. CORREA TELES já a consolidaria no art. 836, I, do Digesto Português, de maneira mais ampla, pois não a restringiria ao caso de coisa indivisível. Dizia o dispositivo consolidado: “Art. 836. Também deve ter preferência o comproprietário, se outro quer vender a seu quinhão na coisa comum” (1). Atualmente o direito de preferência do condômino no Direito Português se insere no art. 1.409 do Código Civil, que adita: “O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes”.
Prosseguindo nessa breve incursão ao Direito Comparado, releva acrescentar que o Código Civil argentino, no Título que aborda a matéria sobre condomínio, não faz qualquer menção ao direito de preferência na hipótese da alienação da quota-parte, limitando-se a referir que “Cada condômino puede enajenar su parte indivisa, y sus acreedores pueden hacerla embargar y vender antes de hacerse la división entre los comuneros” (art. 2.677).
Releva notar, pois, que, no que tange ao direito pátrio, tanto a restrição do art. 504 quanto a do art. 1.322, tem por objeto a venda de coisa tida por “indivisível” (2), quer a venda seja total, quer parcial. Porém, cumpre, ab initio, explicitar o que seja coisa indivisível aos olhos da lei, para efeito do exercício do direito de preferência pelo condômino.
Assim, a teor do arts. 87 e 88 do Código Civil, existe duas categorias de bens indivisíveis: a) a dos que não se podem partir sem alterar a sua substância; b) a dos que, embora naturalmente divisíveis, se consideram indivisíveis por lei, ou vontade das partes.
Relativamente à primeira categoria de bens indivisíveis, a indivisibilidade física, a mesma decorre do princípio sobejamente conhecido de que a fração deve proporcionar a mesma utilidade proporcionada pelo todo. Desse modo, se, à guisa de exemplo, uma casa ou um veículo automotor, por força de herança vier a pertencer a diversas pessoas, cada qual tornar-se-á proprietário de tão-somente um quinhão ou fração ideal, contida dentro de um todo maior, eis que o objeto não comportaria divisão cômoda.
O art. 88, refere-se precipuamente à indivisibilidade decorrente de lei ou da vontade das partes. Temos, pois, de um lado, a indivisibilidade legal ou jurídica, e, de outro, a indivisibilidade convencional.
A indivisibilidade jurídica tem sua fonte mais copiosa no Direito Agrário, em razão da norma proibitiva do fracionamento do imóvel rural contida no art. 65 do Estatuto da Terra (Lei n° 4.504/64), que adita: “O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva de propriedade rural”.
A indivisibilidade convencional, a sua vez, origina-se de acordo ou convenção, através da qual os condôminos podem acordar que a coisa, conquanto possa ser dividida, permaneça indivisa por tempo não excedente a cinco anos, de conformidade com o estatuído no parágrafo único do art. 1.320 do Código Civil.
Questão que tem sido alvo de dissenso, é a que pertine à observância do direito de preferência do herdeiro-condômino na cessão de direitos hereditários feita por qualquer deles. De um lado, uma corrente sustenta que referido direito deve ser respeitado porquanto trata-se a herança de coisa indivisível até a partilha, por efeito da lei que a inclui no rol dos bens imóveis (CC, art. 80). Seguindo nesta esteira, MARIA HELENA DINIZ sustenta que “Em caso de cessão onerosa feita a estranho, sem que o cedente tenha oferecido aos co-herdeiros a sua quota ideal para que exerçam seu direito de preferência, tanto por tanto, qualquer deles que, dentro de 6 meses, depositar a quantia, haverá para si o quinhão hereditário cedido. E, se mais de um co-herdeiro o quiser, preferirá o que tiver benfeitorias mais valiosas, e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior; e, se forem iguais os quinhões, haverão a parte cedida os herdeiros que a quiserem, depositando o preço (CC, art. 504 e parágrafo único). Dessa forma, o cessionário de bens da herança indivisa não poderá ser admitido no inventário sem que a cessão, que deve ter sido julgada válida, seja intimada aos co-herdeiros, para usarem o direito de preferência concedido pelo art. 504 do Código Civil, porque a herança, enquanto não se procede à partilha, é coisa indivisível, não podendo, por este motivo, um dos co-herdeiros vender a sua parte a estranho se algum dos outros co-herdeiros a quiser, tanto por tanto” (3). Doutra parte, outra corrente defende que “há que distinguir-se entre indivisibilidade fictícia e real. Na primeira, enquadra-se a herança e, na segunda, a hipótese prevista no art. 504 do CC. Na herança cogita-se da indivisibilidade de direitos, enquanto que o art. 1.139 se refere expressamente à indivisibilidade da coisa. Nada obsta, conseqüentemente, a cessão de direitos hereditários para terceiros alheios à sucessão” (4).
Ante a indigitada dualidade, sem embargo de eventuais opiniões em contrário, a nós se nos afigura que a preferência do herdeiro somente se evidenciará na hipótese de existência de um único bem a inventariar, que esse bem se constituísse em um imóvel e que o mesmo tivesse que ser partilhado entre diversos herdeiros.
Com o fito de pôr fim à celeuma, houve o legislador, por bem, dar tratamento à matéria no art. 1.794 do novo Código Civil, que prescreve: “O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto”.
2.1.2. A preferência do arrendatário
A preempção ou preferência do arrendatário, para efeito da aquisição do imóvel rural arrendado, encontra respaldo nos arts. 93, parágrafo 3° do Estatuto da Terra e 45 do seu Regulamento (Decreto n° 59.566/66), os quais conferem ao arrendador a obrigação de notificar ao arrendatário para que exerça, no prazo de 30 dias, contados do recebimento da notificação, o seu direito de preempção em relação a terceiros, na hipótese de pretender alienar o imóvel.

Questão até certo ponto controversa, de evidente repercussão prática, é a que pertine à extensão do direito de preferência na hipótese de arrendamento parcial do imóvel rural, tendo-se em linha de conta a advertência do parágrafo 1° do art. 46, do Regulamento, no sentido de que “o proprietário de imóvel rural arrendado não está obrigado a vender parcela ou parcelas arrendadas, se estas não abrangerem a totalidade da área”. Referido direito deve, necessariamente, ser exercido em relação a todo o imóvel no qual se insere a gleba arrendada ou pode ficar restrito à área arrendada? A propósito, digna de menção a opinião de ATHOS GUSMÃO CARNElRO, que assim preleciona:
“Consideram alguns, interpretando o art. 46 do citado decreto, que se o arrendatário manifesta preferência apenas no tocante à área arrendada, deve ser tido como carecedor de ação, e inclusive seria insuficiente o depósito do preço, porque tal depósito deve corresponder ao preço da totalidade da área e não apenas ao da parcela objeto do arrendamento.

É tema grave, ligado inclusive à hierarquia das normas jurídicas.
O Estatuto da Terra, no art. 92, parágrafo 3°, refere o seguinte: “No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquirí-lo em igualdade de condições … (grifamos)”.
Ora, o “imóvel arrendado”, quer nos parecer, é a própria área arrendada, e não a gleba maior dentro da qual a área arrendada se situa” (5).
Assim, com fulcro no ensinamento do eminente mestre, o único óbice que o arrendatário enfrentaria para o acolhimento de sua pretensão seria a hipótese de a parcela arrendada possuir área inferior à fração mínima de parcelamento da região. Nesse caso, a preferência somente poderia ser exercida em relação a todo o imóvel, como bem elucida o seguinte julgado do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:
“O direito de preempção ou preferência reconhecido pelo Estatuto da Terra tem caráter social, visando o benefício de quem trabalha na agricultura ou na pecuária. A lei não discrimina e não afasta a possibilidade de o arrendatário adquirir a totalidade do imóvel vendido, mesmo ocupando apenas parte dele, máxime quando a área ocupada é inferior à fração mínima de parcelamento da região. A finalidade é evitar o minifúndio. Inteligência dos arts. 65, caput, e 92, parágrafo terceiro e quarto, da Lei n° 4.504/64″ (6).

Acrescente-se, por fim, que, havendo pluralidade de arrendatários ocupando diferentes parcelas do imóvel rural, e se todos eles manifestarem interesse na aquisição da totalidade do imóvel, entendemos que a preferência recairá sobre aquele que estiver ocupando a maior área arrendada, adotando-se, para esse fim, o parágrafo único do art. 504 do Código Civil, por analogia.
2.1.3. A preferência do locatário
Funda-se a preferência do locatário, para aquisição do imóvel locado, no art. 27 da Lei n° 8.245/91, que assim prescreve:
Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe ciência do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou qualquer outro meio de ciência inequívoca.

Complementa o parágrafo único do citado dispositivo que a comunicação (notificação) deverá conter o preço, as condições de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e o horário em que pode ser examinada a documentação pertinente. Ressalte-se que, à semelhança do que ocorre com o arrendatário, o direito de preferência do locatário caducará se não manifestada, de forma inequívoca, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias (art. 28). Cabe no entanto advertir que, depois de aceita a proposta pelo locatário, não é lícito ao locador desistir do negócio, sob pena de ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao locatário, inclusive lucros cessantes, ex vi do art. 29 da Lei inquilinária.
Nada obstante, há que considerar-se, ainda, possível conflito de preferência decorrente do fato de, em relação ao mesmo imóvel, surgirem diversas pessoas detentoras de preferência legal. É o que se verifica, verbi gratia, na hipótese de o imóvel locado possuir diversos proprietários, ou seja, quando o imóvel trata-se de um condomínio. Neste caso, a preferência para adquirir o imóvel será do condômino ou do locatário? A solução é dada pela própria lei, no art. 34, o qual consigna expressamente que a preferência do condômino prevalece sobre a do locatário.
No atinente ao concurso de preferência entre o condômino e o arrendatário, em razão de absoluta falta de previsão legal, a jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a preferência do primeiro também prevalece sobre a do arrendatário, assim como, em nosso sentir, a preferência legal prepondera sobre a convencional do art. 513 do Código Civil..
Impende todavia acrescentar que, o art. 27 não admite interpretação extensiva, ou seja, não permite que se lhe agreguem outras hipóteses de atos de alienação para efeito de possibilitar o direito de preferência. É o que se pode inferir da leitura do art. 32 da mesma lei que, de forma elucidativa, prescreve que “O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação”.
2.2. Preferência convencional
Preferência convencional, ou preempção, é o pacto adjeto à compra e venda, denominada pelos romanos de pactum protimiseos, em virtude do qual se impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use o seu direito de prelação na compra, tanto por tanto (art. 513, CC).

Importa, desde logo, assinalar, que a preferência convencional não se confunde com a retrovenda em face de dois aspectos: 1°) a preferência convencional abrange bens móveis e bens imóveis; a retrovenda tem por objeto bens imóveis; 2°) na preferência convencional o preço que o vendedor da coisa deverá pagar, para recuperá-la, será o mesmo que o comprador exigir de terceiros; na retrovenda, o preço que o vendedor da coisa deverá pagar, para obter sua restituição, será o preço da venda, acrescido de correção e despesas.
Em consideração ao objeto clausulado, diferentes prazos deverão ser observados para efeito do exercício do direito de preferência. Assim, segundo estatui o art. 516 do Código Civil, tratando-se de bem móvel, o direito deverá ser exercido no prazo de três dias e, na hipótese de bem imóvel, o prazo se estende a sessenta dias, ambos contados da data em que o comprador oferecer a coisa ao vendedor. Fica portanto patente que o prazo para o direito de preferência ser exercitado nada tem a ver com a data em que foi firmado o contrato de compra e venda, mas tão-somente com a data em que o comprador tiver sido afrontado pelo vendedor.
Frise-se, por último que, tal como ocorre com a retrovenda, a preferência convencional é direito pessoal e, por essa razão, também não se pode ceder nem transferir aos herdeiros (art. 520).
3. Do exercício do direito de preferência
Ao ser afrontado pelo condômino, pelo locador ou pelo comprador, conforme seja o caso, ao preferente que pretender exercer o seu direito de preferência não cabe outra providência senão a de oferecer proposta igual à oferecida pelo terceiro, ou exigida pelo vendedor, de terceiros, na hipótese de a coisa ter sido posta à venda. Logo, ao mesmo tempo que ao preferente é vedado apresentar proposta inferior, não poderá o mesmo ser compelido a oferecer preço superior ao exigido ou oferecido a terceiros.

Diferentemente deve ser tratada a hipótese da ulterior venda da coisa, a terceiro, por preço inferior ao anteriormente exigido do preferente. Esta situação se caracteriza quando o vendedor oferece a coisa ao preferente por preço superior às suas possibilidades de compra, com o exclusive escopo de forçar a sua desistência do negócio. Configura-se, nesta espécie, a frau legis, desde que consiga o preferente comprovar que na ocasião da proposta possuía efetiva condições de adquirir a coisa pelo preço em que a venda foi concretizada.
No que se refere precipuamente à preferência convencional, na eventualidade de o comprador vir a colocar a coisa à venda, sem comunicar ao vendedor, poderá este, tão-logo venha a conhecer o fato, intimar ao comprador para que este respeite o que foi pactuado, forte no art. 514. Por outro lado, se a coisa vier a ser vendida a terceiro, sem que o vendedor tenha tido ciência das condições da venda, poderá exigir perdas e danos do comprador (art. 518). Semelhante providência deverá ser adotada na hipótese de o comprador afrontar o vendedor apresentando-lhe condições inexatas ou abusivas que o impeça de adquirir a coisa.
4. A ação de preferência
A ação de preferência é a ação que compete à pessoa preterida no seu direito de ser preferido na aquisição de um determinado bem, em face de lei ou de convenção. É o permissivo jurídico para que o beneficiário legal ou contratual possa haver para si a coisa que tinha prioridade para adquirir e que, no entanto, foi alienada a estranho.

O nosso ordenamento jurídico mostra-se silente quanto a essa ação, ao reverso do Código Civil português que a ela faz expressa referência no art. 1.410 (7).
No entretanto, consolidou-se na doutrina e na jurisprudência que a pretensão do interessado tanto pode ser exercitada através da ação de preferência, propriamente dita, quanto da ação de anulação de venda cumulada com adjudicação compulsória ou simplesmente ação de adjudicação, porque o que se pretende com a ação, na sua essência, é verdadeiramente obter a adjudicação do bem, ou seja, a transferência judicial do bem que foi alienado pelo condômino, pelo arrendador ou pelo locador a terceiro em desconformidade com a lei.
Como referido acima, possui legitimidade para a ação de preferência o condômino, o arrendatário e o locador, porquanto na preferência convencional oriunda da compra e venda, o vendedor do bem somente terá direito a exigir perdas e danos.
No pertinente à legitimidade passiva, insta observar que se faz indispensável promover-se, além do alienante, também a citação do adquirente para a formação do litisconsórcio passivo necessário. A falta de citação do alienante, nessa hipótese, é causa nulificadora do processo (8).
É condição sine qua non, para propor a ação, que o autor deposite em juízo o preço do imóvel. Considera-se, para esse efeito, o valor constante da escritura de compra e venda, corrigido monetariamente, não se incluindo nesse valor as despesas com escritura e com Imposto de Transmissão sobre bens imóveis (9).
As distintas leis assinalam o mesmo prazo de 6 meses para o condômino, o locatário e o arrendatário ajuizarem a ação de preferência, conforme preceituam, respectivamente, os arts.504 (CC), 33 (Lei 8.245/91) e 92, § 4° (Estatuto da Terra). Conta-se o prazo a partir da data do registro da escritura, desconsiderando-se, pois, a data da venda perpetrada. Entretanto, em relação ao direito do locatário, uma ressalva se faz necessária: o contrato de locação deve estar averbado junto à matrícula do imóvel, pelo menos 30 dias antes da alienação (art. 33, Lei 8.245/91).
Quando procedente a ação, o juiz proferirá sentença adjudicando o imóvel ao requerente, mandando expedir a respectiva carta. Demais disso, determinará o cancelamento do registro anterior, ao mesmo tempo que autorizará o terceiro adquirente a levantar o depósito do valor do imóvel, deduzindo-se as custas processuais e honorários advocatícios.
Controverte-se a respeito do cabimento, ao vendedor, do direito de promover ação reivindicatória contra o terceiro adquirente, tendo havido venda com desrespeito ao direito de preferência. Em nosso sentir, falece ao vendedor referido direito em face da inexistência de pressuposto legal em nosso ordenamento jurídico e forte no princípio Ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus. Também perfilham este entendimento SERPA LOPES (10) e AGOSTINHO ALVIM (11). A contrário sensu, entendem ser pertinente a ação ORLANDO GOMES (12) e ARNALDO RIZZARDO (13).
5. Das perdas e danos
Releva notar que a ação de perdas e danos constitui-se no único remédio iuris que resta ao vendedor do bem contra o comprador que descumprir o pacto adjeto de preferência, isto é, a preferência convencional, ex vi do art. 518 do Código Civil. A ele, portanto, descabe o direito de reaver a coisa vendida através da ação de preferência, direito este restrito às demais modalidades de preferência por expressa disposição da lei.

No atinente à relação decorrente de contrato de arrendamento, a parte final do art. 47 do Decreto n° 59.566/66 cogita da possibilidade de o arrendatário pleitear perdas e danos em razão do descumprimento da obrigação por parte do arrendador, depois de, na sua parte inicial, deferir ao arrendatário o direito de promover a ação de preferência, de modo idêntico ao art. 92, § 4°, do Estatuto da Terra. À toda evidência, o dispositivo mostra-se contraditório, de molde a suscitar dúvidas na sua interpretação. Em decorrência, enquanto ATHOS GUSMÃO CARNEIRO entende que a resolução em perdas e danos, referida no Decreto, poderá, no máximo, ser uma opção em favor do arrendatário, concedendo-lhe ajuizar, se entender mais conveniente a seus interesses, a ação indenizatória ao invés da ação de preempção propriamente dita, (14) OSWALDO OPTIZ preleciona que “o prazo de seis meses é para o exercício do direito de preferência, isto é, para haver o imóvel arrendado do poder do adquirente e não para a ação de perdas e danos, como parece deixar ver o final do art. 47, do Regulamento. O direito à entrega da coisa arrendada (imóvel) é real. Aqui o prazo é decadência e ali é de prescrição. Se o arrendatário deixa decorrer o prazo de seis meses, caduca seu direito de exigir do terceiro a entrega da propriedade imóvel arrendada, mas subsiste o direito à indenização pela falta de notificação da venda ao terceiro” (15).
Já mais explícito foi o art. 33 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), que faculta expressamente ao locatário preterido no seu direito de preferência reclamar do alienante perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado.
Frise-se, por último, que, à míngua de disposição expressa, não cabe ao condômino o direito de requerer perdas e danos, porquanto a lei somente lhe reserva a possibilidade de reaver o imóvel através da competente ação de preferência.

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