União estável e casamento – semelhanças e diferenças (Parte 3 - final)

5) Comparação entre casamento e união estável
Inicialmente, gostaria de esclarecer que a matéria de Direito de Família e Sucessões é muito controvertida e cheia de detalhes. Existem muitas opiniões divergentes entre doutrinadores (professores e escritores conceituados de Direito) e também nos Tribunais. Aliás, em toda matéria de Direito existem divergências, mas, nessa matéria, a divergência é ainda maior. Portanto, não considerem a informação aqui contida “escrita em pedra”: cada caso é um caso e, mesmo para casos iguais, pode haver decisões diferentes.
Ainda, não é meu objetivo esgotar aqui o assunto, trarei apenas os exemplos mais relevantes.
1. Pensão por morte
Se o falecido era segurado da Previdência Social, basta que seu cônjuge vá até uma agência do INSS com a certidão de óbito e a de casamento (entre outros documentos) e faça o requerimento da pensão por morte.
No caso de união estável, o companheiro também terá direito à pensão por morte, porém será muito mais trabalhoso. Será necessário provar ao INSS esta união estável através de um procedimento administrativo. Em muitos casos o INSS não reconhece este relacionamento como sendo união estável e nega a pensão, de forma que o companheiro precisará procurar o Judiciário. Isso pode demorar muito tempo, dependendo da cidade, e não é certeza que o juiz vai reconhecer (isso vai depender muito das provas produzidas).
É interessante destacar que companheiro (a) homoafetivo (a) também tem direito à pensão por morte.
2. Direito real de habitação
Direito real de habitação é direito real temporário de ocupar gratuitamente casa alheia, para a moradia do titular e de sua família. É o que garante ao cônjuge sobrevivente (viúvos e viúvas) a permanência no imóvel de residência do casal, mesmo que outros herdeiros passem a ter a propriedade do imóvel em razão da herança. No casamento, não existe limitação de tempo para o direito real de habitação.
A lei 9.278 de 1996 regulamentava a união estável antes do advento do Código Civil atual (que é de 2002). Aquela lei afirmava que o companheiro sobrevivente teria direito de habitação enquanto não constituísse nova união estável ou casamento (art. 7º, parágrafo único), ou seja, caso o companheiro sobrevivente case ou passe a viver em união estável com outra pessoa, perderia o direito real de habitação.
Entretanto, alguns entendem que esta lei foi revogada pelo novo Código Civil. E o Código Civil não assegura o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente. Apesar disso, existem muitas decisões de juízes e Tribunais garantindo este direito ao companheiro. Porém, entendimento de juízes e Tribunais não é lei e, por isso, acaba existindo uma grande insegurança jurídica nesta matéria.
3. Bens que herda
O de cujus ao falecer sem deixar testamento transmite a herança a determinadas pessoas. Os sucessores serão chamados através de uma sequência denominada ordem da vocação hereditária, que nada mais é do que uma relação preferencial determinada por lei, que indicará pessoas à sucessão hereditária.
O cônjuge ocupa terceiro lugar na ordem de vocação hereditária e participará da sucessão do falecido com relação à totalidade dos bens, quer sejam eles particulares (apenas do falecido) ou comuns (de ambos os cônjuges).
O companheiro só participa da sucessão com relação aos bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável (art. 1.790 do Código Civil). Isso significa que, havendo outros herdeiros, o companheiro não herdará nada que o falecido tivesse antes da união estável, tampouco nada que tenha sido doado a ele, por exemplo.
a) Sucessão dos bens comuns – Comunhão parcial de bens
No regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge não será herdeiro dos bens comuns (de ambos), mas apenas meeiro, se concorrer com os descendentes. (Giselda Hironaka). A posição não é pacífica, pois alguns entendem que será meeiro e também herdeiro em concorrência com os descendentes (Maria Helena Diniz). Isso vale para os bens comuns, já que o cônjuge será herdeiro dos bens particulares do falecido.
O companheiro, além de meeiro, será herdeiro dos bens comuns se concorrer com descendentes, ascendentes ou colaterais do falecido.
Obs.: meeiro significa que a pessoa terá direito à metade de determinado bem, mas porque aquele bem é propriedade sua, e não herança. Por exemplo: em um casamento com comunhão total de bens, mesmo que a casa esteja só em nome do marido, a esposa é dona de 50%, ela é meeira. Dessa forma, se o marido falecer, ela ficará com metade e a outra metade será dos outros herdeiros (filhos, por exemplo).
b) Em concorrência com filhos comuns (de ambos)
O seguinte se aplica apenas aos regimes que admitem a concorrência (art. 1.829, I). Ou seja, não se aplica a: comunhão total de bens; separação obrigatória de bens; comunhão parcial no qual o falecido não tenha deixado bens particulares.
Cônjuge recebe quinhão igual ao dos descendentes, mas haverá a reserva de quinhão de ¼ se o cônjuge concorrer com filhos comuns (art. 1.832, Código Civil). Ou seja, o cônjuge recebe, no mínimo, ¼ da herança.
Companheiro recebe quota igual a que receber cada um dos filhos comuns, não havendo reserva mínima de ¼ (art. 1.790, I, Código Civil).
c) Em concorrência só com netos comuns (todos os filhos são falecidos)
Assim, como no item b, isso não se aplica aos regimes de comunhão total de bens, separação obrigatória de bens e comunhão parcial no qual o falecido não tenha deixado bens particulares.
O cônjuge terá direito a receber o quinhão igual ao de cada neto, e sua quota não poderá ser inferior a ¼ do total da herança (art. 1.832, Código Civil).
O companheiro receberá 1/3 da herança e os netos dividirão os 2/3 restantes (art. 1.790, III, Código Civil).
d) Em concorrência com o ascendente (pais, avós)
Independentemente do regime de bens, o cônjuge dividirá a herança com os ascendentes do de cujus(art. 1.829, II, CC) e receberá 1/3 se concorrer com pai e mãe do falecido e ½, se concorrer apenas com um dos pais ou com qualquer outro ascendente (art. 1.837, CC).
Se concorrer com ascendentes, o companheiro terá direto a 1/3 dos bens do falecido em qualquer caso (art. 1.790, III, CC).
e) Em concorrência com colaterais do falecido (irmãos, tios, etc.)
O cônjuge herda a totalidade da herança (CC, arts. 1.829, III e 1.838).
O companheiro receberá 1/3 da herança e os colaterais dividirão os 2/3 restantes (art. 1.790, III).
f) Herdeiro Necessário
São entendidos como necessários aqueles herdeiros que não podem ser afastados da sucessão pela vontade do sucedido (falecido), salvo raras exceções.
A “legítima”, também denominada “reserva”, é a porção dos bens deixados pelo de cujus que a lei assegura aos herdeiros necessários. O patrimônio líquido deixado pelo de cujus será dividido em duas metades: a legítima e a quota disponível. Ou seja, tendo herdeiros necessários, uma pessoa pode apenas testar com relação à metade de seus bens, sendo a outra metade destes herdeiros.
O cônjuge é herdeiro necessário e terá direito à legítima (CC, art. 1.845 e 1.846).
O companheiro não é herdeiro necessário podendo o falecido, por meio de testamento, dispor da totalidade de seus bens.
6) Separação e nova união estável
Existem muitos casos em que os cônjuges simplesmente deixam de morar juntos, mas não fazem o divórcio (separação de fato).
Ou então, apenas fizeram a separação judicial, não a tendo convertido em divórcio (separação de direito). Observo que hoje em dia não existe mais separação judicial, apenas o divórcio direto. Mas as pessoas que já estavam separadas de direito não estão divorciadas automaticamente. Falei sobre isso aqui: http://alestrazzi.jusbrasil.com.br/artigos/112313360/separação-e-divórcio-duvidas-e-procedimento.
Cônjuges separados de fato ainda possuem a sociedade e o vínculo conjugal. Os separados de direito, apenas o vínculo conjugal. Em ambos os casos, não podem casar-se novamente enquanto não formalizarem o divórcio.
Entretanto, é muito comum que as pessoas acomodem-se apenas com a separação e passem a viver em com um novo companheiro. O que acontece? Bem, a princípio penso ser incorreto chamar este relacionamento de união estável, tratando-se de um concubinato (ver o item 3 na parte 2 deste texto).
Em regra, o concubinato não é protegido pelo Direito brasileiro, de forma que nada do que foi dito aqui se aplica a este tipo de relacionamento. No entanto, conheço pelo menos uma exceção a esta regra: quando o falecido era separado (de fato ou de direito) e vivia em uma espécie de união estável “impura”, a “companheira” poderá receber pensão por morte (integralmente ou em rateio com o (a) ex-cônjuge). Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO. TEMPUS REGIT ACTUM. LEI 7.551/77. CÔNJUGE SEPARADO DE FATO. CONSTITUIÇÃO DE NOVA FAMÍLIA. PERDA DA QUALIDADE DE DEPENDENTE. UNIÃO ESTÁVEL QUE PERSISTIU POR QUARENTA ANOS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ATRIBUIÇÃO DO BENEFÍCIO INTEGRAL À COMPANHEIRA. DECISÃO POR MAIORIA. 1- A jurisprudência pátria se firmou, seguindo a máxima romana tempus regit actum, no sentido de que a lei vigente na data do fato gerador do beneficio (in casu, a data do óbito), é a que rege os termos de sua concessão. 2- Observo, de acordo com o certificado de óbito acostado aos autos (fls. 12), que a morte do segurado ocorreu em 01/04/1992, razão pela qual a legislação de regência do caso em exame é a Lei nº 7.551/77. Nesta conjuntura, tenho que apesar de ostentar a qualidade de viúva civil, por não ter havido separação judicial ou divórcio, o casal estava separado de fato há muitos anos, tanto que a Sra. Teodora constituiu nova família, situação que ensejou a perda de sua qualidade de dependente previdenciária, nos termos dos dispositivos legais acima mencionados. 3- Quanto ao reconhecimento do direito da companheira, Sra. Geni Cabral de Andrade, à percepção do benefício em foco, tenho que deve ser mantido com base no Princípio da Dignidade Humana, segundo o qual não se pode marginalizar uma relação de aproximadamente quarenta anos por ser um concubinato impuro em decorrência do que consta literalmente no artigo 226CF/88 e de lei infraconstitucional que regula a união estável (concubinato puro), quando cristalino encontra-se o conhecimento dos fatos pela esposa, a qual, inclusive, já constituiu nova família. 4- Logo, o concubinato impuro de longa duração deve ser, no caso concreto, também reconhecido em união estável, não indo de encontro com a Lei, pois a própria Norma Fundamental do Estado Federativo tem dentre os fundamentos o da dignidade humana, e nada mais digno do que amparar quem vivia amparada pelo ex-segurado, através da pensão por morte, devendo esta ser integralmente direcionada à apelante. 5- Apelo provido para julgar improcedentes os pedidos da exordial, invertidos os ônus da sucumbência. 6- Decisão por maioria.(TJ-PE - APL: 268457720078170001 PE 0026845-77.2007.8.17.0001, Relator: José Ivo de Paula Guimarães, Data de Julgamento: 16/12/2010, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03)
Em casos de concubinato impuro do tipo adulterino (quando o de cujus vivia com a esposa e mantinha uma amante, por exemplo), a concubina não terá direito à pensão por morte, cabendo esta totalmente à esposa (caso não existam outros dependentes).
ATENÇÃO! Sei que este artigo gerará uma enxurrada de perguntas. Entretanto, como já expliquei, esta é uma matéria muito controvertida e cheia de detalhes e, portanto muito complexa. Caso você tenha dúvidas em um caso concreto, aconselho juntar documentos e procurar um advogado de sua confiança (aliás, isso deve ser feito sempre. Tentar resolver seus problemas jurídicos apenas consultando a internet é a mesma coisa que tentar resolver seus problemas de saúde desse modo – você pode achar que está com anemia quando tem apenas uma verminose ou vice versa...). Vou tentar responder as questões mais simples, mas as mais complexas não será possível. Obrigada pela compreensão.
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