As astreintes na visão do STJ, por Gilberto da Silva Costa Filho

Espécie de multa coercitiva oriunda do Direito francês, as astreintes constituem, de forma bem objetiva, medida cominatória imposta pelo Estado-juiz contra o devedor de obrigação de fazer, não fazer, ou dar coisa, cuja incidência se dá, via de regra, por dia de descumprimento.
Dessa forma e não obstante a existência das normas legais que lhe dão o devido suporte, estabelecidas, sobretudo, pelo artigo 461 do CPC, fato é que, na prática, a imposição das astreintes acabou, ao longo do tempo, gerando uma infinidade de situações não previstas em lei, as quais, por sua vez, obrigaram o Judiciário, em especial, o STJ, a se posicionar diante das inúmeras discussões daí decorrentes.
Com isso, ou seja, mediante a consolidação da jurisprudência, o STJ já definiu, em suma, que as astreintes (i) devem incidir a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância (REsp 699.495); (ii) ser computadas após a intimação do devedor, por intermédio do seu patrono, acerca da execução provisória e do decurso do prazo fixado para o cumprimento voluntário da obrigação (EAg 857.758); (iii) podem ser revogadas, hipótese em que seus valores deverão, inclusive, ser devolvidos por quem os recebeu (AgRg no Ag 1.383.367); ou, até mesmo, alteradas - quando insuficientes ou excessivas – mesmo após o trânsito em julgado da respectiva decisão de imposição (AgRg no AREsp 14.395).
Faltava definir quem teria legitimidade para receber os valores atinentes às próprias astreintes, isto é, se o seu credor ou o Estado, ou ainda, se ambos, dado que, em última análise, o desrespeito à decisão estatal é que serve de fato gerador para a sua incidência, tendo a Corte Especial pacificado o entendimento de que tais valores devem ser revertido, exclusivamente, ao seu credor, ou seja, a quem, efetivamente, sofreu os danos decorrentes do desrespeito à decisão judicial impositiva da aludida multa.
Mais recentemente, o mesmo Tribunal estabeleceu que, em casos de inscrição indevida nos cadastros de maus pagadores, é do credor – e não do devedor – o ônus de providenciar a baixa relativa a essa inscrição.
Todavia, em que pese o acerto da jurisprudência construída até aqui, a realidade demonstra que a aplicação das astreintes ainda reserva aos operadores do Direito inúmeras distorções, que, vez por outra, acabam mesmo por desnaturar o próprio instituto da multa sob comento.
Muito embora, dentre as situações mais corriqueiras, verifiquem-se hipóteses em que é mais vantajoso ao devedor resistir ao cumprimento da obrigação e brigar pelo não pagamento das respectivas astreintes, os casos que mais saltam aos olhos e que, via de consequência, reclamam uma resposta mais rápida e contundente do Poder Judiciário são aqueles em que o credor, propositalmente, mantém-se inerte, com o único objetivo de ver crescer o valor da respectiva multa.
Isso, além de promover o seu enriquecimento sem causa, conduz, nas palavras do E. Ministro Salomão, uma disfunção processual, que, ombreando a chamada indústria do dano moral, fomenta um novo tipo de indústria, agora nomeado por ele de "indústria das astreintes".
Nesse cenário e visando coibir esse tipo de distorção ou de abuso (propriamente), o STJ, mais uma vez, fez-se presente, brindando o jurisdicionado com o julgamento do REsp 758.518, no qual, sob a advertência de que a boa-fé objetiva afigura-se standard ético-jurídico a ser seguido pelos contratantes em todas as fases processuais, conclui que os litigantes têm o dever não só de observá-lo, mas, mais do que isso, de atuar de modo a não infringir os preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico, o que, via obliqua, compreende o dever de mitigar o próprio prejuízo, que, no direito alienígena, corresponde ao duty to mitigate the loss.
Noutros termos, significa dizer que não basta ao credor das astreintes, por exemplo, quedar-se inerte, enquanto faz uma espécie de poupança diária, mas, ao contrário disso, deve ele tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano gerado à outra parte não seja ainda mais agravado pela sua inércia, pois, nas palavras do relator, desembargador Vasco Della Giustina (convocado do TJ/RS), isso imporá gravame desnecessário e evitável ao patrimônio da outra (parte), circunstância que infringe os deveres de cooperação e lealdade.
Não bastasse a violação ao referido princípio da boa-fé objetiva, é certo que esse tipo de situação revela-se ainda mais aviltante quando a inércia do credor pega carona na ineficiência do Poder Judiciário em fazer com que suas decisões sejam observadas e, efetivamente, cumpridas, ou seja, quando, por exemplo, o acúmulo das astreintes em favor do seu credor se dá em razão da demora dos órgãos cadastrais efetivarem o cancelamento de uma inscrição indevida, ou ainda, do departamento de trânsito efetuar uma alteração de cadastro veicular qualquer: em ambos os casos, note-se, bastaria a expedição de uma determinação judicial, seja por ofício ou mandado de intimação, para que os seus destinatários dessem cumprimento às respectivas determinações judiciais.
Sucede que, na maioria das vezes, ou o Poder Judiciário deixa o cumprimento da obrigação da qual decorrem as astreintes a cargo exclusivo de uma das partes, que, portanto, torna-se refém de toda sorte de percalços e rotinas burocráticas de estilo, ou, o que é pior, ao determinar o cumprimento da referida obrigação, não toma as cautelas necessárias para evitar que o credor das astreintes seja ainda mais beneficiado pela desídia e leniência com que alguns órgãos (públicos ou não) vêm tratando o cumprimento de determinadas decisões judiciais.
Assim, seria de extrema relevância e bastante salutar para o funcionamento do nosso ordenamento jurídico como um todo que o STJ fizesse uma nova leitura do disposto no artigo 461 do CPC e, nesse caminhar, estipulasse, de uma vez por todas, que, nos casos em que a obrigação puder ser cumprida em virtude de simples ordem judicial, caberá ao juízo determiná-la e executá-la, não havendo, pois, o que se exigir da parte contra a qual foi proferida a decisão exequenda, a não ser, é claro, que mantenha um comportamento pautado pela boa-fé objetiva.

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