1. Introdução
As ideias desenvolvidas
no presente trabalho visam trazer uma exposição singela em relação à
arbitragem no cenário internacional.
No âmbito internacional,
duas modalidades de arbitragem se desenvolveram, a arbitragem
internacional pública, aplicada nas relações jurídicas em que há a
presença de sujeitos de direito público, e a arbitragem internacional
privada, aplicada nas relações jurídicas entre sujeitos de direito
privado, foco deste trabalho.
2. Conceito de arbitragem
Utilizada como um método
alternativo na solução de conflitos, a arbitragem é um meio
extrajudicial em que as partes submetem questões litigiosas existentes
ou futuras ao crivo de um arbitro ou de um tribunal arbitral.
Importa considerar que
nem todas as matérias podem ser submetidas a um juízo arbitral. Em
geral, somente questões patrimoniais são admitidas. Caso haja alguma
restrição no direito interno, esta terá reflexo no âmbito internacional.
No Brasil, por exemplo, somente questões de direito patrimonial disponível podem ser objeto de arbitragem internacional.
No processo de
arbitragem, portanto, será um árbitro ou um juízo arbitral o encarregado
de buscar e impor a solução ao caso concreto. Tal decisão será
comparada a uma sentença judicial1.
No Brasil, a partir da edição da lei 9.307/96,
a arbitragem ganhou relevância como método alternativo de solução de
rápida de conflitos, diante da sobrecarga das demandas judiciais.
Há, ainda, de se
considerar que a lei 9.307/96 procurou adequar a ordem jurídica interna à
realidade da sociedade, uma vez que as relações econômicas globalizadas
estavam ocorrendo, e continuam, em um ritmo acelerado, o que fez com
que houvesse a necessidade de criação de mecanismos de distribuição de
Justiça por meio de novas técnicas e métodos alternativos para solução
das controvérsias.
2.1. Convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral
A convenção de
arbitragem, segundo definição da Convenção de Nova Iorque, é "o acordo
escrito pelo qual as partes se comprometem a submeter à arbitragem todas
as divergências que tenham surgido ou que possam vir a surgir entre si
no que diz respeito a um relacionamento jurídico definido, seja ele
contratual ou não, com relação a uma matéria passível de solução
mediante arbitragem".
Importante considerar que
há legislações que não fazem a distinção entre as espécies de convenção
de arbitragem, como é o caso do direito inglês e alemão.
Por sua vez, muitos
países, como o Brasil, trazem a convenção de arbitragem como gênero, da
qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Neste sentido, o artigo 3º2 da lei 9.037/96 traz, como espécies de convenção de arbitragem, a cláusula compromissória ou pactum compromitendo (artigo 4º3 e artigo 8º4 da lei 9.037/96 e artigo 8535 do CC), e o compromisso arbitral (artigo 9º6 da lei 9.037/96).
Na cláusula
compromissória se estabelece que, havendo divergência entre os
contratantes, estes deverão resolver a questão perante o juízo arbitral.
No entanto, esta cláusula não possui força obrigatória entre as partes,
uma vez que se trata de simples promessa de efetuarem o compromisso
arbitral, submetendo a questão ao julgamento de árbitros.
Ou seja, trata-se a
cláusula compromissória de verdadeiro contrato preliminar em que,
havendo recusa de um dos contratantes em efetuar o compromisso arbitral,
o outro contratante poderá pleitear em juízo a efetivação de referida
cláusula.
Por sua vez, o
compromisso arbitral é um contrato em que as partes efetivamente se
obrigam a resolver a eventual pendência futura ao juízo arbitral.
Há, ainda, de se
considerar que a cláusula compromissória possui autonomia em relação ao
contrato. Deste modo, a validade e licitude de referida cláusula são
examinadas separadamente das do contrato principal7.
No entanto, esta
independência da cláusula arbitral não impede que a invalidade ou a
nulidade do contrato que contenha a cláusula não a atinja. É o caso em
que ocorrem vícios de vontade, como o erro substancial, a fraude e a
coação, quando geram a nulidade do contrato principal8.
3. Arbitragem comercial internacional
A arbitragem será comercial quando envolver questões ligadas a contratos comerciais firmados entre pessoas físicas ou jurídicas.
Por sua vez, a arbitragem
será internacional quando, em razão de algum elemento de conexão,
desenvolver-se além das fronteiras dos países, seja com base no objeto
da lide, nas partes, na pessoa dos árbitros ou na sede do juízo
arbitral.
Importa considerar que a
lei de arbitragem brasileira não conceituou o que seria arbitragem
internacional, mas restou estabelecido, em seu artigo 349, o
critério adotado para diferenciar a arbitragem nacional da
internacional, qual seja, o critério geográfico. Assim, quando a
sentença for proferida fora do Brasil será considerada internacional.
Assim, no âmbito
internacional, as partes escolhem o árbitro ou o critério para sua
designação, as regras de direito a serem aplicadas, o idioma a ser
utilizado, além do local em que o julgamento será proferido.
No que se refere ao local
em que o julgamento é proferido, insta ressaltar ser comum aos
contratantes estrangeiros a busca de um foro neutro em razão do receio
de litigar no Estado da parte contrária.
Diante disto, é possível
concluir que a arbitragem internacional possui assento na autonomia da
vontade das partes, uma vez que estas possuem ampla liberdade para
traças as regras para que eventual conflito futuro seja dirimido.
No entanto, é importante
destacar que a arbitragem internacional não está totalmente desvinculada
da ordem jurídica nacional. Por certo, as normas adotadas pelas partes
não devem se chocar com as disposições da ordem pública internacional ou
interna. No Brasil, por exemplo, não terá eficácia a decisão que
ofender a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública.
Importante considerar,
ainda, que na esfera internacional "a experiência revela que a
resistência em cumprir decisão arbitral é infrequente, pois as relações
entre as partes são contínuas e de longa duração. A parte que deixa de
cumprir a decisão passa a ser discriminada pela comunidade com a qual se
relaciona".10
Por fim, importante
ressalta que, em decorrência do artigo 31 da lei 9.307/96, não faz
sentido exigir a homologação da sentença arbitral estrangeira ao crivo
do Poder Judiciário brasileiro.
4. Lex mercatoria como fonte da arbitragem internacional
São fontes da arbitragem
internacional: as leis, os tratados internacionais, os usos e costumes, a
jurisprudência arbitral, a doutrina, os princípios gerais de direito e a
lex mercatoria.
Como as leis, os tratados
internacionais, os usos e costumes, a jurisprudência arbitral, a
doutrina, princípios gerais de direito são institutos recorrentes e
comuns a outros ramos do Direito, daremos ênfase à lex mercatoria, que é a fonte diferencial aplicada na arbitragem internacional.
Segundo ensina Maria Helena Diniz, lex mercatoria
é uma "teoria fundada na constatação de que os contratantes pretendem
unificar o regime jurídico da venda internacional e as operações
complementares mediante contratos".11
Conforme observa Luiz Olavo Baptista que a lex mercatoria
"tem suas raízes e suas fontes no direito de diversos países na
aplicação pragmática dos princípios e normas deles oriundos, mas
reduzida a uma fórmula global que resulta da práxis do comércio
internacional".12
A lex mercatoria
"consiste em um conjunto de regras de direito, conhecidas e utilizadas,
sem vínculo com qualquer sistema legal específico, tendo por fundamento
os usos e costumes daquela localidade, bem como a adoção reiterada de
cláusulas padrão e contratos tipos e práticas reconhecidas e aceitas
internacionalmente por associações profissionais, organizações
supranacionais e entidades semelhantes".13
O instituto recorre aos princípios gerais de direito, engloba os usos e costumes, formando um conjunto de normas.
Assim, há possibilidade
de as questões serem resolvidas por prática consagradas no direito
internacional, por ser um conjunto de soluções já encontradas no cenário
comercial internacional.
Caracterizada como anacional, a nova lex mercatoria,
por estar desvinculada a qualquer ordem jurídica estatal, evolui-se
para um direito transnacional construído dentro da ordem jurídica
internacional.
5. Contratos internacionais e a lei modelo de arbitragem
O processo de integração
internacional faz que surjam inúmeros contratos internacionais que, em
muitos casos, darão ensejo a um conflito que poderá ser solucionado pela
arbitragem internacional.
Assim, ao surgir um
litígio no âmbito internacional o juízo arbitral é uma opção das partes
contratantes para alcançar a solução ao caso concreto.
De acordo com o
entendimento de Carolina Iwancow Ferreira, a busca por uma solução
extrajudicial, como no caso da utilização da arbitragem internacional,
muitas vezes se dá em razão do fato de serem elevadas as custas
judiciais, da morosidade da Justiça, da falta de conhecimento específico
na matéria em julgamento e falta de previsibilidade, além do exagerado
sistema recursal.14
Em contrapartida ao processo judicial, o procedimento arbitral "é simples, menos ritualizado e pouco formalista"15, além de ser mais célere e sigiloso, pois não é exigida a publicidade conferida aos processos judiciais.
As características da
celeridade e informalidade, aliadas à possibilidade de escolha da lei
aplicável, tornam a arbitragem um método atraente e seguro para aqueles
que lidam com o comércio internacional.
Com efeito, por ser a
arbitragem um método atraente para a solução de conflitos no âmbito
internacional, diversos países do mundo perceberam a necessidade de
harmonizar o direito comercial internacional.
Neste contexto, formulou-se a lei modelo da United Nations Commission on International Trade Law -
Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional
(Uncitral) - de 21 de junho de 1985, alterada aos 07 de julho de 2006,
frequentemente utilizada no âmbito das transações comerciais.
A lei modelo abrange o assunto desde a convenção de arbitragem até o reconhecimento e execução da sentença arbitral.
Constitui, a lei modelo,
uma base para a harmonização da utilização da arbitragem no âmbito
internacional. Caracteriza-se como um modelo internacionalmente aceito
por diversos países que adotam a arbitragem internacional como forma de
solução de conflitos. É verdade que se espera que cada país altere a lei
modelo o menos possível para que haja, com relação à arbitragem
internacional, a crescente harmonização entre os países, mas isto não
impede que cada país altere o texto da lei modelo.
6. Conclusão
Acompanhando a
globalização, diante da crescente expansão das relações jurídicas
comerciais internacionais, a arbitragem internacional possui grande
relevo no cenário internacional, principalmente diante dos negócios que
precisam de uma solução célere, eficaz e especializada que pode ser
conferida por árbitros ou um juízo arbitral específico.
Com efeito, considerando o
respeito e o cumprimento que os contratantes conferem à decisão
proferida em âmbito da arbitragem internacional, é inegável a
importância do instituto como sendo um modo seguro e eficaz para a
solução de conflitos internacionais.
__________________
1
Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores,
os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder
Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
2
Art. 3º - “As partes interessadas podem submeter a solução de seus
litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim
entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”
3
Art. 4º - “A cláusula compromissória é a convenção através da qual as
partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios
que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”
4
Art. 8º - “A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato
em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica,
necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.”
5
Art. 853 – “Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para
resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em
lei especial.”
6 Art. 9º - “O compromisso
arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à
arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou
extrajudicial.”.
7 Luiz Olavo Baptista. Arbitragem Comercial e Internacional, São Paulo, Lex Editora, 2011, p. 114
8 Arbitragem...cit. p. 155
9
Art. 34 – “A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou
executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com
eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de
acordo com os termos desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.”
10 José Cretella Neto. Curso de Arbitragem, Rio de Janeiro, 2004, p.18.
11 Maria Helena Diniz. Dicionário Jurídico, São Paulo, Saraiva , p. 126.
12 Arbitragem...cit.p. 77.
13 Carla Fernanda de Marco. Arbitragem Internacional no Brasil, São Paulo: RCS Editora, 2005, p. 52/53.
14
Carolina Iwancow Ferreira. Arbitragem Internacional e sua aplicação no
direito brasileiro, Campinas, Reverbo Editora, 2011, p. 95.
15 Arbitragem...cit. p. 40
__________________
Bibliografia
BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional, São Paulo, Lex Editora, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, São Paulo, Saraiva.
FERREIRA, Carolina Iwancow. Arbitragem Internacional e sua aplicação no direito brasileiro, Campinas, Reverbo Editora, 2011.
MARCO, Carla Fernanda de. Arbitragem Internacional no Brasil, São Paulo, RCS Editora, 2005.
NETO, José Cretella. Curso de Arbitragem, Rio de Janeiro, 2004.
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