Desde que a Emenda Constitucional 45/2004 transferiu para o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) a competência para homologação de sentenças
judiciais e arbitrais estrangeiras, foram emitidos 50 acórdãos
referentes à arbitragem (sentenças arbitrais proferidas no exterior ou
discussão quanto à validade de cláusula compromissória inserida em
contrato julgada no judiciário estrangeiro). A radiografia que se extrai
em nove anos de experiência do STJ, como a seguir será demonstrado, é a
mais positiva possível.[1]
As
decisões se fundam na herança da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF), acrescida de evolutiva conscientização das
especificidades que regem a arbitragem como método consensual, mais
flexível e extrajudicial de solução de controvérsias. Some-se a isso a
pertinente intelecção dos ilustres ministros e ministras do STJ, do
papel que a arbitragem representa nos âmbito dos negócios
internacionais, no sentido de impor a segurança jurídica indispensável
ao comércio internacional.[2] As decisões imprimem lições pedagógicas e profiláticas, inclusive em sede de julgamento em Recurso Especial.[3]
Ademais,
de há muito se constata que a arbitragem não é apenas uma cláusula
jurídica inserida num contrato (nacional ou internacional), mas também
cláusula financeira, pois gera economia nos custos de transação.[4]
Assim, iniciou-se desde 2005[5],
jurisprudência que vem definindo e consolidando temas pertinentes ao
processo homologatório de sentenças estrangeiras na área arbitral.
Partindo-se da premissa de que em sede de ação de homologação de
sentença arbitral estrangeira o julgamento é por delibação, em que a
análise da corte é limitada à forma e não se avalia o mérito do decidido
(artigo 9º Resolução STJ 09/2005), mas verificando a inexistência de
violação da ordem pública, dos bons costumes e soberania nacional
(artigo 6º da citada resolução), complementada com os requisitos do seu
artigo 5º, em que se afere: (a) se a sentença foi proferida por
autoridade competente; (b) terem sido as partes regularmente citadas ou
haver-se legalmente verificado a revelia; (c) ter transitado em julgado;
e d) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução
por tradutor oficial juramentado.
Além, evidentemente, de atentar
para os artigos 37 a 39 da Lei de Arbitragem (LA) (Lei 9.307/96) e das
convenções internacionais que regem a matéria, especialmente a Convenção
sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras
(Convenção de Nova Iorque, CNI, 1958), em vigor no Brasil por força do
Decreto 4.311 de 2002. Ressalte-se, também, ser o ônus da prova, na ação
de homologação de sentença arbitral estrangeira, da parte que se
insurge contra a homologação (artigo 38 da LA e artigo V da CNI).
Para
a arbitragem internacional o ano de 2013 foi promissor. Foram lavrados
10 acórdãos, com homologação integral das sentenças arbitrais
estrangeiras proferidas e um acórdão que homologou, em parte, sentença
judicial advinda de cortes dos Estados Unidos.[6] [7] A média, nos oito anos anteriores, foi de quase cinco casos julgados por ano.
O
ponto mais importante desta jurisprudência foi a confirmação do
entendimento, já consolidado, dos limites do juízo de delibação, em que,
conforme mencionado, o mérito do decidido não pode ser analisado, mas
há de se aferir a conformidade com os bons costumes e a não violação da
ordem pública e da soberania nacional.
Nesta linha, tentativa de
se discutir aspectos referentes à natureza da relação contratual é
afastada, tal como o decidido na SEC 6.753, ministra relatora Maria
Tereza Assis Moura (DJ 19 de agosto de 2013): “Não cabe a esta corte,
em juízo de delibação, examinar o mérito das alegações, sob pena de
violar o sentido do procedimento homologatório, estando na mesma conta
pretender averiguar a injustiça do decisum arbitral”.
Questão
referente à citação por carta rogatória foi afastada em diversos desses
julgados em 2013, competindo à corte esclarecer que o artigo 39,
parágrafo único da LA permite a convocação da parte brasileira, na forma
estabelecida pelas partes e não há falar em ofensa à ordem pública.
Esclarece o julgado que as Câmaras de Arbitragens não integram o
judiciário, mas são entidades privadas (SEC 8.847, ministro relator João
Otávio de Noronha, j. 20 de novembro de 2013). Neste mesmo acórdão foi
esclarecido que a alegação sobre a legitimidade de parte é matéria a ser
analisada no procedimento arbitral (conforme constatado na sentença
arbitral homologada) e não é matéria para ser apreciada no juízo de
delibação, tal como ressaltado pelo parecer do subprocurador-geral da
República, Edson de Oliveira Almeida, no processo mencionado.
Outra
matéria frequentemente alegada é que a cláusula compromissória estaria
inserida em contrato de adesão e deveria ter sido observado o disposto
no artigo 4º, parágrafo 2º da LA. Na SEC 6.761 (DJ 16 de outubro de
2013), a ministra relatora Nancy Andrighi, em seu voto mencionou a SEC
507, relator ministro Gilson Dipp (DJ 13 de novembro de 2006): “para a
eventual análise da alegação de que o contrato objeto da arbitragem é
'de adesão', seria necessário o exame do mérito da relação de direito
material afeto ao objeto da sentença estrangeira homologanda, o que se
mostra inviável na presente via”.
Acrescentou a ministra relatora
que “ultrapassa os limites do juízo de delibação, ínsito à homologação
de sentença estrangeira, a análise acerca da natureza – de adesão – do
instrumento contratual e, por isso, da própria alegação de invalidade da
cláusula compromissória. Nesse mesmo sentido, cite-se a SEC 4.213/EX,
relator ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 26 de
junho de 2013”. Também aferiu corretamente esse julgado que a arbitragem
se rege pela lei indicada pelas partes no contrato (no caso a lei
inglesa) e não a lei brasileira, tal como previsto no artigo 38, II da
LA. Idêntico julgamento foi proferido na SEC 5.828, Rel. Min. João
Otávio de Noronha (j. 19 de junho de 2013).
Atentar para a lei que
rege a arbitragem no sentido de determinar as regras a serem seguidas,
também foi invocado na SEC 4.024, ministra relatora Nancy Andrighi (j. 7
de agosto de 2013). Em seu voto exaltou ser a lei do local da
arbitragem a que deve ser verificada quanto à forma da citação da parte
no Brasil (artigo 38, II e 39, p. único da LA).
Nesta SEC 4.024,
também foi afasta a alegação de violação da ordem pública, por tem sido
aduzido pela parte que a sentença arbitral estrangeira fixou condenação
de juros compostos, o que é vedado no ordenamento nacional. A magistrada
esclareceu: “não é qualquer contrariedade ao sistema jurídico local que
pode implicar ofensa à ordem pública, de tal sorte que descabe ao STJ
fazer análise profunda acerca do conteúdo e (ou) da justiça da decisão
estrangeira quando não constatada malversação a valores fundamentais de
cultura jurídica pátria”. Recordou a ministra Nancy Andrighi que o
artigo 591 do Código Civil, inclusive, permite a aplicação de juros
compostos em contratos de mútuos com fins econômicos.
Ocorreu
também em 2013 o desfecho do mais longo e complexo julgamento de
homologação de sentença estrangeira processado no STJ (104 meses)
referente à arbitragem. Foi, sem duvida, um caso paradigmático e é um leading case
não apenas para a arbitragem, mas para as sentenças judiciais
estrangeiras, especialmente. Analisou-se questão de competência
concorrente e litispendência.
Trata-se da SEC 854, ministro
relator do voto-vencedor Sidnei Beneti (j. 16 de outubro de 2013),
ingressada em 3 de março de 2005, em que se pleiteava a homologação de
duas sentenças judiciais proferidas nos Estados Unidos, transitadas em
julgado em 25 de maio de 2004. Ao mesmo tempo, tramitava no Brasil ação
de nulidade de cláusula compromissória, invocando-se tratar de contrato
de adesão. A ação brasileira foi julgada extinta pela 10ª Vara Cível de
Porto Alegre em 31 de março de 2004. Posteriormente, foi acolhida a
Apelação no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 17 de novembro
de 2004. Houve Recurso Especial julgado improvido, por falta de
prequestionamento em 17 de março de 2009; e, após, improvido o Agravo
Regimental nos Embargos de Divergência em 23 de março de 2011, ocasião
que transitou em julgado.
Referem-se a um contrato de
representação comercial e outro de serviços, firmados em 1999, entre
empresa americana e empresa brasileira sediada no Rio Grande do Sul. As
cláusulas compromissórias nos dois contratos elegeram a arbitragem para
solucionar conflitos destes surgidos, seguindo as regras do Centro
Interamericano de Arbitragem Comercial (CIAC). Para obstaculizar a
arbitragem iniciada em Miami em 22 de abril de 2002, a empresa
brasileira ajuizou a ação de nulidade de cláusula compromissória na 10ª
Vara Cível de Porto Alegre e também uma ação judicial nos Estados
Unidos, solicitando a suspensão definitiva da arbitragem.
Na ação
americana a empresa estadunidense apresentou reconvenção e solicitou a
imposição da arbitragem, bem como propôs ação cautelar para impedir que a
empresa brasileira prosseguisse com a ação judicial por ela intentada
no Brasil. A empresa americana saiu-se vencedora no Judiciário americano
e a arbitragem teve processamento no CIAC. Atualmente a sentença
arbitral ditada tem seu processamento de homologação no STJ (SEC 853). A
sentença na ação cautelar condenou a empresa brasileira, determinando
seu impedimento de acionar a Justiça brasileira e por descumprimento,
impôs também sanções penais (essa parte da sentença foi refutada pelo
STJ na homologação da sentença no Brasil, por violar norma de ordem
pública, artigo 5, XXXV da Constituição Federal e a segurança nacional).
Discutiu-se
na SEC 854 a possibilidade de homologação das sentenças judiciais
americanas (ação cautelar e ação de reconhecimento da cláusula arbitral)
transitadas em julgado em 25 de maio de 2004, considerando que havia a
demanda brasileira que reconheceu a procedência da ação de nulidade de
cláusula compromissória, transitada em julgado em 23 de março de 2011,
com a rejeição dos Embargos de Divergência, relatora ministra Isabel
Gallotti.
O julgamento da SEC 854 iniciou-se com o voto do
ministro relator Luiz Fux em 19 de junho de 2006, que opinou pelo
deferimento parcial das sentenças estrangeiras (excluindo-se a parte que
proibia a empresa brasileira de acionar a empresa americana no Brasil e
impunha sanções penais, por violar a ordem pública brasileira).
Seguiu-se a substituição do ministro Fux pelo ministro relator Relator
Massami Uyeda, cujo voto foi pela negativa de reconhecimento das
sentenças, considerando que havia a decisão brasileira em contrário.
Houve vários incidentes processuais, cujo relato ultrapassaria os
limites deste artigo. Após a votação do ministro Sidnei Beneti solicitou
vista do processo, que, ao final, ficou incumbido de redigir o
voto-vencedor, primoroso em conteúdo, além de didático e pedagógico, na
linha do argumentado acima.
Assevera o magistrado que “o desfecho
do presente processo é relevante para a credibilidade de cláusulas de
arbitragem constantes de contratos celebrados por partes contratantes no
exterior. Evidentemente que a prevalecer a faculdade de bloqueio, via
judiciário nacional, da realização da arbitragem por entidade arbitral
no exterior, contratualmente avençada, estará aberta a porta para a
judicialização, perante a Justiça estatal brasileira, de todo e qualquer
processo de que conste cláusula arbitral – e isso ad proprium nutum
de um dos contratantes, que, ainda que não tenha sucesso no processo no
Brasil, ao menos terá tido o poder de, pelo só ajuizamento, impor
majestosa procrastinação da controvérsia, que devia ter sido composta
pela via célere da arbitragem – prejudicando-se, como consequência, a
igualdade entre as partes contratantes. O reflexo assume relevo não só
para a credibilidade da celebração das clausulas arbitrais por
contratantes nacionais, mas também para o próprio comercio nacional do
pais”.
Esclarece que a sentença brasileira não obsta a
homologação da sentença estrangeira em caso de competência concorrente e
não seria o caso de invocar a soberania nacional em decorrência da
sentença brasileira ter transitado em julgado; analisa a cláusula
compromissória e seus efeitos (artigo 8 principio da Kompetenz - Kompetenz
); aduz que “os julgados estrangeiro e nacional concluíram
diferentemente, mas julgando causas de pedir diversas, e conforme
disposto nos artigos 3.1, p. 3 e 4 do Código de Processo Civil, não se
configuram nem a litispendência, nem a coisa julgada, visto que ambos os
institutos exigem causas idênticas, e ‘uma ação é idêntica a outra,
quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido’ -
somente com essas três identidades, não havendo identidade de ações
quando um dos elementos individualizadores é diverso, como no caso, em
que absolutamente diferentes as causas de pedir”. E acrescenta: “Não há
no caso impedimento à homologação das sentenças estrangeiras em virtude
da coisa julgada nacional posterior, da mesma forma que não se sobrestou
o procedimento de homologação por litispendência”.
Elucida também
o ministro Sidnei Beneti que o obstáculo da ordem pública, sob a
alegação de ofensa à soberania nacional da coisa julgada não incide no
caso. Assevera que o conceito de soberania nacional já se modernizou,
inclusive diante das relações de globalização, de modo que não pode
antagonizar-se ao direito processual internacional, como menciona Flávia
Pereira Hill.
Conclui, por fim o ministro relator, pela exclusão
da interdição de invocação jurisdicional concorrente no país e a sanção
criminal e, no mais, concede as homologações às sentenças americanas. A
votação foi por maioria.
Resta agora verificar qual será a decisão
na SEC 853, em que se pleiteia a homologação da sentença arbitral
proferida no âmbito do CIAC e como se dará sua execução.
Não resta
dúvida, portanto, que o STJ constrói de modo admirável o Direito
(Pretoriano) da Arbitragem, pois como disse Cabral de Moncada, a lei
reina, mas é a jurisprudência que governa.
[1]Cf . matéria veiculada no site do STJ em 22.03.2012, Especialista em arbitragem diz que Justiça brasileira se tornou exemplo para o mundo, http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105097e nosso, O
Superior Tribunal de Justiça Brasileiro e o Reconhecimento de Sentença
Arbitral Estrangeira à luz da Convenção de Nova Iorque de 1958,
Newsletter DGAE – Direcção – Geral do Ministério da Justiça de Portugal,
n. 06, março de 2006, p. 14/16, também disponível em http://www.selmalemes.com.br/artigos/artigo_juri07.pdf
[2]
Note-se, como salientado pelo Ministro Sidnei Beneti na SEC 854
(analisada neste artigo), citando Flávia Pereira Hill, que no âmbito do
reconhecimento e execução de sentenças arbitrais e judiciais
estrangeiras o STJ aproveitou a oportunidade histórica para demonstrar,
que a cooperação judicial deixou de ser questão de cortesia
internacional, para ser questão de direito. (Apud, Flávia Pereira Hill, A antecipação de tutela no processo de homologação de sentença estrangeira, Rio de Janeiro: GZ Tese, 2010, p. 267).
[3]Neste sentido, confira-se o voto do Min. Sidnei Beneti: “...“Mais do que uma simples coincidência, essa orientação [art. 8 da Lei n. 9.307]
reflete, de forma cristalina, a opção do legislador em estabelecer, a
partir da Lei 9.307/96, um arcabouço normativo que permita à Arbitragem
afirmar-se e desenvolver-se como modelo viável e eficaz de resolução de
conflitos, tanto quanto possível autônomo em relação ao Poder
Judiciário” (REsp.1.288.251, 3º Turma, j.u., 09.10.2012).
[4]Cf nosso livro Arbitragem na Administração Pública. Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econômica, São Paulo: QuartierLatin, 2007, 319 p.
[5]A
primeira sentença arbitral estrangeira homologada pelo STJ foi a SEC
856, em 27/06/2005, Rel. Min. Carlos Alberto Direito. Note-se que além
de deferir o exequatur da sentença proferida na Inglaterra, o
STJ reconheceu a possibilidade da existência de cláusula arbitral tácita
(a parte não externou sua concordância expressa com a cláusula
compromissória, mas compareceu e se defendeu no processo arbitral no
exterior, sem alegar que não havia firmado a convenção de arbitragem),
bem como invoca a CNI para reconhecer a regularidade da sentença
arbitral exarada.
[6]Pesquisa efetuada no site do STJ (www.stj.jus.br)
em 16 de dezembro de 2013, pelo verbete “sentença estrangeira”. Havia o
registro de 79 sentenças estrangeiras (até novembro de 2013). Destas,
66 referiam-se a casos de divórcio, guarda de menores e sucessões; 2
sentenças judiciais referentes a contratos comerciais ; e 11
referentes a arbitragem (sentenças arbitrais e sentença judicial).
Pode-se concluir, portanto, que 85% das matérias referentes ao comércio
internacional foram resolvidas por arbitragem, o que confirma ser esta a
via majoritariamente eleita para solucionar conflitos internacionais.
Acresce, ainda, a constatação que a grande maioria das sentenças
arbitrais (nacionais e internacionais) são cumpridas sem
questionamentos no judiciário. As homologações de sentenças arbitrais
ocorrem quando é necessária a sua execução, ou para cumprimento de
formalidade legal.
[7]Acórdãos publicados em 2013 referentes à arbitragem:
Sec | Publicação | Registro |
8847 | DJ 28/11/13 | 31/8/12 |
4516 | DJ 30/10/13 | 27/4/09 |
854 | DJ 07/11/13 | 03/3/05 |
3891 | DJ 16/10/13 | 25/8/08 |
6761 | DJ 16/10/13 | 08/4/11 |
6753 | DJ 19/08/13 | 05/4/11 |
4024 | DJ 13/09/13 | 03/10/08 |
4213 | DJ 26/06/13 | 16/12/08 |
5828 | DJ 26/06/13 | 30/06/10 |
6760 | DJ 22/05/13 | 08/04/11 |
6365 | DJ 28/02/13 | 02/12/10 |
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