A
proteção da propriedade de marcas e patentes é um estímulo ao
investimento em inovações e uma condição indispensável ao
desenvolvimento econômico. No Brasil, marcas e patentes são protegidas
pela LPI - Lei de Propriedade Industrial (lei 9.279/96)
e também por tratados internacionais, como a Convenção da União de
Paris e o TRIPs. Para executar as normas que regulam a propriedade
intelectual no país, existe o INPI - Instituto Nacional da Propriedade
Industrial, autarquia responsável pelo registro e concessão de marcas e
patentes.
Mesmo com uma
legislação forte e uma entidade criada especificamente para o setor, uma
variedade de situações de mercado e interesses em conflito faz com que
muitas demandas sobre esse tema cheguem ao STJ.
Questionamentos
sobre anterioridade e validade de registros, semelhança de nomes, uso de
elementos comuns, identidade de embalagens, funcionamento do INPI e
marcas de alto renome estão entre os assuntos recentemente discutidos no
tribunal.
Nomes
Há casos em que uma
empresa, com marca devidamente registrada no INPI, encontra outra
empresa que utiliza a mesma marca. Na maioria das vezes, a marca
encontra-se registrada em juntas comerciais estaduais.
A jurisprudência do
STJ entende que o conflito entre marcas e nomes empresariais não pode
ser resolvido apenas levando-se em consideração a anterioridade do
registro. É preciso analisar o princípio da territorialidade e o
princípio da especificidade, referente ao tipo de produto ou serviço
oferecido (REsp 1.204.488).
A matéria foi recentemente tratada pela 3ª turma no REsp 1.191.612,
relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino. No caso, a empresa
Sociedade Civil Instituto Vera Cruz, proprietária do colégio Vera Cruz,
tinha registro na Junta Comercial do Pará desde 1957. Ela foi acusada de
utilizar indevidamente a marca, que teria sido registrada em 1979 no
INPI, pela Associação Universitária Interamericana.
Os ministros
entenderam que, pela disposição territorial das duas empresas, não havia
no caso nenhum risco de confusão entre os produtos e serviços das duas
partes, o que afastava a possibilidade de perda de clientela. Ou seja, a
convivência entre o nome empresarial e a marca é possível, porém,
aquela registrada na Junta Comercial do Pará só pode ser utilizada na
região.
Expressões comuns
A LPI determina que
expressões comuns não poderão ser exclusivas. Algumas vezes, empresas
registram marcas pouco criativas, de pouca força, e depois questionam o
registro de marcas semelhantes.
Foi o caso do
registro da marca Classificadas Amarelas, questionado judicialmente pela
empresa detentoras das marcas Páginas Amarelas e Listas Amarelas,
julgado pela 4ª turma no REsp 1.107.558.
Para os ministros, a
marca é composta de um elemento comum inapropriável – o “amarelas” –,
que além disso, expressa uma característica essencial ao objeto
comercializado. A exclusividade de seu uso seria contrária à livre
iniciativa.
"A vantagem de
incorporar à marca característica descritiva do objeto comercializado
atrai, em contrapartida, o ônus de criar um sinal distintivo fraco, sem
originalidade marcante ou criatividade exuberante", afirmou o ministro Marco Buzzi, relator do recurso.
Marca sinônimo
Uma empresa pode
registrar um nome comum como marca e, com o tempo, esse nome tornar-se
sinônimo do produto vendido. Com o caráter distintivo reduzido pela
forte relação com o produto, a marca passa a ser de uso comum, podendo
ser utilizada por terceiros de boa-fé.
Foi o caso do termo
"paleteiras", hoje utilizado para determinar aqueles carrinhos de
supermercado usados para levantar caixas. A questão chegou ao STJ depois
que uma empresa registrou o domínio de internet www.paleteiras.com e a
detentora da marca Paleteira buscou na Justiça a proibição do seu uso.
Segundo a decisão dos ministros no REsp 1.315.621,
o monopólio de um nome em benefício de um comerciante geraria
exclusividade, favorecendo o comércio de forma única e impedindo que a
divulgação de produtos semelhantes fosse feita por seu nome comum. Os
similares teriam de buscar nomes aleatórios desconhecidos, o que
dificultaria sua identificação pelos consumidores.
Alto renome
A LPI prevê
proteção especial às marcas consideradas de alto renome, porém não
estabelece os requisitos necessários para sua caracterização. O INPI
regulamenta, em sua resolução 121/05, como o alto renome no Brasil pode ser determinado.
Em fevereiro, a empresa produtora e distribuidora da vodca Absolut entrou com o REsp 1.162.281.
A declaração de alto renome foi conseguida pela empresa em sentença
judicial, que ainda conferiu à marca proteção especial em todas as
classes e condenou o INPI a proceder às alterações administrativas
cabíveis. A sentença foi anulada pela segunda instância.
Ao analisar a
questão, a ministra Nancy Andrighi entendeu que a resolução é incompleta
e omissa na regulamentação do art. 125 da LPI, o que justifica a
intervenção da Justiça. Porém essa omissão não pode ser suprida pelo
Poder Judiciário, que não pode decidir o mérito administrativo, apenas
determinar que o procedimento seja concluído em tempo razoável.
Marca notória
Uma vez afastado o
alto renome, uma empresa não pode exigir que sua marca não seja
utilizada em produtos de segmentos completamente diversos daquele no
qual está registrada.
Um dos casos de grande repercussão analisados pelo STJ foi o REsp 1.232.658,
em que as empresas Yahoo! Inc. e Yahoo! do Brasil buscavam impedir que a
empresa Arcor do Brasil comercializasse goma de mascar com marca
idêntica.
Segundo os autos,
embora a marca possua uma notoriedade em seu ambiente, o digital, e goze
de proteção legal independentemente de registro, ela não é uma marca de
alto renome, que possibilite alcançar outros ramos de atividade.
Sistema declarativo
E quando uma
empresa solicita o registro de uma marca no INPI, mas antes de sua
análise vê um concorrente lançar no mercado um produto do mesmo tipo com
marca e embalagem semelhantes?
A jurisprudência do
STJ entende que o sistema declarativo de proteção de marcas e patentes,
aquele que prioriza o primeiro a utilizar a marca, deve ser considerado
(REsp 964.780).
Recentemente, um fabricante de doces entrou com o REsp 1.292.958
no STJ, para discutir exatamente essa questão. Nos autos, a empresa
alegava que outra estava comercializando balinhas com embalagens e nomes
semelhantes às produzidas por ela.
Para a ministra
Nancy Andrighi, relatora do recurso, a ausência de registro de marca não
impede a sua proteção, principalmente se há depósito de requerimento na
instituição responsável. Sem esse cuidado, a marca pode terminar
deteriorada.
Atos administrativos
O registro de
marcas no INPI tem procedimentos determinados pela própria autarquia.
Quando um pedido é analisado pelo presidente da instituição, estão
superadas todas as instâncias administrativas. Se uma marca tem o
registro negado após todo o trâmite normal, não há motivos para a
intromissão do Judiciário no caso.
Em 2008 chegou ao STJ o REsp 1.080.074,
do próprio INPI. No caso, uma marca não foi registrada pela existência
de outra que poderia vir a causar confusão, mas após todo o processo na
autarquia, a marca impediente foi declarada caduca. Como a caducidade só
pode ser considerada a partir de sua declaração, não há irregularidade
ou ilegalidade no ato administrativo.
A questão da
caducidade também foi tratada pelo STJ em um processo de grande
repercussão, quando o Tribunal julgou os embargos de divergência no REsp
964.780. Estava em discussão o uso do nome "Show do Milhão" por um programa televisivo do SBT.
Como depende de uma
declaração de determinada circunstância fática, como a inexistência de
uso ou interrupção de uso, a caducidade deve ter efeitos prospectivos,
isto é, só passa a ter validade após sua determinação.
Competências conflitantes
Outro problema
comum no direito marcário é o registro de marcas parecidas com outras já
existentes, o que pode confundir o consumidor e resultar na
desvalorização da marca primeiramente registrada. Tal fato faz com que o
lesado possa pedir na Justiça tanto a anulação do registro no INPI
quanto uma indenização por danos morais.
Porém, apesar de
posições individuais contrárias entre os ministros da Segunda Seção, a
jurisprudência do STJ tem entendido que a competência para analisar os
pedidos não é a mesma. Conforme determinação legal, as anulações de
marcas só podem ser julgadas pela Justiça Federal.
A questão foi tratada pela 4ª turma no julgamento do REsp 1.188.105,
de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que determinou que a
análise dos dois pedidos cumulados seria impossível a um mesmo juiz.
Afastada a análise dos danos morais, a questão marcária do caso foi
julgada.
Uma empresa de
salgadinhos registrou no INPI a marca Cheese.ki.tos. Com nome e
embalagem semelhantes aos do salgadinho Cheetos, distribuído pela
Frito-Lay, o produto visava exatamente o mesmo mercado consumidor. Com a
decisão, o uso da marca ficou proibido.
Controvérsia
Uma questão
controversa no STJ é a do reconhecimento incidental da possível
invalidade dos registros, sem ação direta, pela Justiça estadual. Ao
analisar pedido de antecipação de tutela, o juiz ou tribunal federal
poderia negar proteção a uma marca não invalidada pela JF, diante de
notória semelhança, com fundamento apenas na aparente invalidade do
registro?
Segundo decisão da 4ª turma no agravo 526.187,
a nulidade do registro só poderia ser declarada em ação própria
proposta pelo INPI, ou com sua intervenção, perante a JF. Porém, o
reconhecimento da nulidade como questão prejudicial, com a suspensão dos
efeitos do registro, pode ocorrer na Justiça estadual.
Para
a 3ª turma, ainda que a lei preveja a possibilidade de alegação da
nulidade do registro como matéria de defesa, a nulidade deve ser
discutida em ação na Justiça Federal. "Não faria sentido exigir que,
para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma
regra especial de competência e a indispensável participação do INPI,
mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro não
se exija cautela alguma", afirmou a ministra Nancy Andrighi em seu voto no REsp 1.132.449.
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