A direito de sucessão do cônjuge e do companheiro tem passado por
profundas alterações, decorrentes do próprio avanço da sociedade e da
multiplicidade de arranjos familiares nos dias atuais. A maioria das
mudanças são vistas como positivas pela doutrina, embora ainda persistam
campos nebulosos e lacunas que precisam ser preenchidas, não apenas
como forma de acompanhar as transformações sociais, mas também para
garantir a segurança jurídica, ameaçada com decisões díspares tomadas
pelos tribunais. Sucessão do Cônjuge, do Companheiro e outras Histórias,
recém chegado às livrarias, relaciona grande parte das polêmicas e
mostra como a doutrina evolui no sentido de dar respostas aos vazios
existentes na legislação.
O livro reúne estudos de um grupo de
mestrandos do Núcleo de Pesquisas em Direito Civil Comparado da PUC-SP e
tem a coordenação de Maria Helena Diniz, ela própria responsável por
uma extensa relação de títulos e obras publicadas. Na apresentação do
trabalho, Maria Helena destaca o fato de os estudos reunidos no livro,
ao redimensionarem, sob um enfoque realista e moderno, os vários temas
abordados, deixam um alerta para a necessidade de se adequar a norma ao
valor e à realidade social. "Existem pontos polêmicos engendrados pelo
Código Civil vigente que suscitam problemas e lacunas que reclamam
soluções", afirma.
Uma das lacunas expostas no livro, por sinal, é
objeto de um projeto de lei em tramitação no Congresso que pretende
criar o artigo 1.963-A no Código Civil, com menção expressa à
possibilidade de o cônjuge ser deserdado, bem como as hipóteses que
autorizam a deserdação. Parte da doutrina sustenta que, por se tratar de
verdadeira pena ao deserdado, a deserdação do consorte não seria
possível por absoluta ausência de previsão normativa. Isto porque,
embora a lei contemple a deserdação dos herdeiros necessários, inexiste
norma que preveja as causas de deserdação do cônjuge, ao contrário do
que ocorre com relação às causas de deserdação dos descendentes por seus
ascendentes e vice-versa.
Outro ponto polêmico abordado no livro é
quanto ao reconhecimento ou não do direito sucessório ao cônjuge
separado. Em todo o país existe um grande contingente de pessoas que já
foram casadas, mas não tornaram oficial a dissolução do casamento, pela
separação judicial ou pelo divórcio. Para alguns, o fato de o casal,
anteriormente casado, ter se separado de fato, seria suficiente para pôr
fim à relação conjugal, assim como ao regime de bens e deveres
matrimoniais. Outros, no entanto, entendem que o direito sucessório do
cônjuge só estará afastado depois de homologada a separação consensual
ou passada em julgada a sentença de separação litigiosa ou o divórcio
direto. A situação complica mais ainda, quando, no intervalo da
separação, um dos cônjuges passa a viver em união estável com outra
pessoa, dando origem a uma polêmica concorrência entre o ex-cônjuge e o
companheiro na sucessão de um mesmo indivíduo.
Questão
extremamente controversa no direito brasileiro envolve, ainda, a
sucessão de companheiros nos casos de existência simultânea de filhos
comuns e filhos exclusivos do autor da herança, situações contempladas
no artigo 1.790 do Código Civil em dois incisos distintos e específicos
para cada caso. Diante da impossibilidade prática de aplicação dos dois
incisos ao mesmo tempo, os tribunais se dividem na busca da "melhor
solução", enquanto aguardam mudanças na legislação no sentido de
contemplar, de forma expressa, a forma de concorrência do companheiro
com filhos híbridos.
Marcella Kfouri Meirelles Cabral e Daniela
Antonelli Lacerda Bufacchi admitem no livro o vácuo legal, mas lembram
que a Constituição garante a igualdade entre os filhos, não importa se
biológicos, adotivos, se da mesma relação conjugal ou não. Para elas, a
preocupação da questão concorrencial do companheiro com filiação híbrida
não deveria se concentrar na posição do companheiro, propriamente dito,
mas na relação entre a prole e o falecido, "pois é deste que os filhos
herdarão e não do companheiro sobrevivente", justificam.
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