Por sugestão de alguns leitores, volto a tratar, no texto desta
segunda-feira (4/11), da configuração do prequestionamento, para fins de
cabimento de recursos extraordinário e especial, à luz das variações
recentes da jurisprudência dos tribunais superiores.[1]
O
debate sobre o tema é importante, também, porque há, no projeto do novo
Código de Processo Civil, dispositivo específico, a respeito.
O
Supremo Tribunal Federal ensaia abandonar o entendimento, antes
pacífico, no sentido de que a oposição de embargos de declaração contra a
decisão proferida pelo tribunal de origem supriria a ausência de
prequestionamento explícito. Trata-se daquilo que se convencionou chamar
de “prequestionamento ficto”.
Sabe-se que, para que se considere
prequestionada a questão de direito constitucional ou federal, deve o
tema ter sido examinado na decisão que se pretende impugnar, por recurso
extraordinário ou especial. Caso, embora suscitada previamente pelas
partes, haja omissão a respeito da questão, devem ser opostos embargos
de declaração.
Até aqui, são uniformes os orientações
jurisprudenciais dominantes, no Supremo Tribunal Federal e no Superior
Tribunal de Justiça.
As divergências começam quanto aos
fundamentos do recurso, quando rejeitados os embargos de declaração, sem
que seja suprida a omissão.
Prevalece, na jurisprudência do STJ, a
orientação no sentido de que, rejeitados embargos de declaração, não
poderá o recurso especial versar sobre a questão federal não examinada
no tribunal de origem, devendo a parte alegar, em seu recurso, violação
ao artigo 535, inciso II do Código de Processo Civil.
Essa orientação, consolidada na Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça,[2]
significou um afastamento do que o Supremo Tribunal Federal vinha
decidindo até então, com base no que dispõe em sua Súmula 356:[3] opostos embargos de declaração, considera-se prequestionada a questão, ainda que não suprida a omissão pelo tribunal local.[4] Ambos os tribunais reconhecem a existência de tal divergência.[5]
Penso que há, aí, um grande problema: embora tenham objetos distintos, o sentido
dos artigos 102, inciso III e 105, inciso III da Constituição é o
mesmo. É inadmissível, diante disso, que os tribunais superiores adotem
orientações distintas, a respeito da configuração do prequestionamento.
Esse estado de coisas, contudo, parece estar se modificando gradativamente.
Nos
últimos anos, alguns julgados proferidos pelo STF têm se afastado da
orientação que, antes, era pacífica, nesse tribunal, não mais admitindo o
denominado “prequestionamento ficto".[6]
Os julgados que se posicionam nesse sentido, contudo, não deixam claras as razões dessa aparente viragem jurisprudencial.
Consideramos
isso importante: cumpre ao Supremo Tribunal Federal deixar claro se
está, ou não havendo o abandono da orientação outrora pacífica, no
sentido da admissibilidade do “prequestionamento ficto”, bem como
justificar os porquês da mudança de orientação. O atual estado de coisas
cria um injustificável ambiente de insegurança jurídica.
De todo
modo, temos o indicativo de que o Supremo está fazendo uma releitura do
entendimento antes firmado, à luz da Súmula 356, aproximando-se da
orientação consolidada na Súmula 211 do STJ.[7]
O
projeto do novo Código de Processo Civil, ao tratar do tema, optou pelo
entendimento outrora pacífico, no Supremo Tribunal Federal:
“Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante
pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de
declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere
existentes omissão, contradição ou obscuridade”.[8]
Tal
redação foi formulada no início do ano de 2010, época em que ainda não
se esperava que a jurisprudência do STF viesse a cambiar, a respeito.
Hoje,
contudo, à luz da viragem jurisprudencial referida, considero que a
Câmara dos Deputados deveria rever a redação do dispositivo que trata do
tema, no projeto do novo CPC.[9]
Até a próxima semana!
[1] A respeito, cf. o que escrevi no livro Prequestionamento e repercussão geral
(6. ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2012). Inevitavelmente, algumas das
ideias antes lançadas, a respeito, na presente coluna, acabam sendo
transpostas para o presente texto.
[2]
“Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da
oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” (STJ, Súmula 211).
[3] “O
ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos
declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar
o requisito do prequestionamento” (STF, Súmula 356).
[4] Aludindo
ao referido enunciado, Alfredo Buzaid, em decisão exarada em 1983,
expôs que “através dos embargos declaratórios se prequestiona no
Tribunal de origem a questão federal, a qual fica, portanto, ventilada, independentemente da solução dada”,
concluindo, a seguir, que “o princípio dominante é, pois, que o recurso
extraordinário deve versar sobre questão que foi oportunamente suscitada e defendida nas instâncias ordinárias” (Revista Trimestral de Jurisprudência,
vol. 109, p. 303). Segundo essa orientação, assim, “o que, a teor da
Súmula 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que,
indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de
declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o tribunal a
suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir
da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário
sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no
julgamento deles, de manifestação sobre ela” (STF, RE 210638, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, 1.ª T., j. 14/04/1998). Mais recentemente, no
julgamento do AI 591391 AgR (rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª T., j.
10/03/2009), decidiu o STF que “a rejeição dos embargos de declaração
não impede a apreciação, neste Tribunal, da matéria constitucional
omitida pelo aresto atacado”.
[5] Decidiu o STF
que “a recusa do órgão julgador em suprir omissão apontada pela parte
através da oposição pertinente dos embargos declaratórios não impede que
a matéria omitida seja examinada pelo STF, como decorre a fortiori da
Súmula 356, que é aplicável tanto ao recurso extraordinário, quanto ao
recurso especial, a despeito do que estabelece a Súmula 211 do STJ”
(STF, AI 317281 AgR, rel.Min. Sepúlveda Pertence, 1.ª T., j.
28/06/2001). No STJ, por sua vez, assim se decidiu: “A matéria versada
nos artigos apontados como violados no recurso especial não foi objeto
de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, e
embora opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão
porventura existente, não foi indicada a contrariedade ao art. 535 do
Código de Processo Civil, motivo pelo qual, ausente o requisito do
prequestionamento, incide o disposto na Súmula nº 211 do STJ. O Supremo
Tribunal Federal, diferentemente desta Corte Superior, adota o chamado
‘prequestionamento ficto’, ou seja, considera prequestionada a matéria
pela simples oposição de embargos declaratórios, ainda que eles sejam
rejeitados, sem nenhum exame da tese constitucional, bastando que essa
tenha sido devolvida por ocasião do julgamento” (STJ, AgRg no AREsp
265.139/DF, rel.Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3.ª T., j. 28/05/2013).
[6]
Cf., dentre outros, os seguintes julgados: “O requisito do
prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação,
em sede de recurso extraordinário, de matéria sobre a qual não se
pronunciou o Tribunal de origem. A simples oposição dos embargos de
declaração, sem o efetivo debate acerca da matéria versada pelos
dispositivos constitucionais apontados como malferidos, não supre a
falta do requisito do prequestionamento, viabilizador da abertura da
instância extraordinária” (STF, RE 661521 ED, rel. Min. Luiz Fux, 1ª T.,
j. 17.04.2012); “O requisito do prequestionamento obsta o conhecimento
de questões constitucionais inéditas. Esta Corte não tem procedido à
exegese a contrario sensu da Súmula STF 356 e, por consequência, somente
considera prequestionada a questão constitucional quando tenha sido
enfrentada, de modo expresso, pelo Tribunal a quo. A mera oposição de
embargos declaratórios não basta para tanto. Logo, as modalidades ditas
implícita e ficta de prequestionamento não ensejam o conhecimento do
apelo extremo” (STF, ARE 678139 AgR, rel. Min. Rosa Weber, 1.ª T., j.
06/08/2013).
[7] Na obra antes citada, defendo que
a orientação firmada na Súmula 211 do STJ mais se ajusta à norma
constitucional, defendendo o abandono da tese do “prequestionamento
ficto”.
[8] Art. 979 da versão aprovada no Senado, correspondente ao art. 1.038 da versão ora em discussão na Câmara dos Deputados.
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