Apesar
de ser uma doença cada vez mais recorrente e seu tratamento evoluir a
cada dia, a notícia do diagnóstico de câncer choca e amedronta. E o
universo de pessoas que enfrentam essa luta tende a crescer. Artigo
publicado em abril passado na revista médica The Lancet revelou que o
Brasil terá um aumento de 38% no número de casos de câncer durante esta
década. Em 2020, deverão ser mais de 500 mil novos casos por ano no
país.
O exercício de
direitos previstos em lei e reconhecidos pela jurisprudência pode ser um
estímulo ao paciente na busca por mais qualidade de vida e enquanto os
sintomas perdurarem. Diversas normas brasileiras preveem tratamento
diferenciado ao doente de câncer, como isenção de tributos,
aposentadoria antecipada e acesso a recursos financeiros especiais.
A prioridade na
tramitação de processos de interesse de pessoas com doenças graves, como
o câncer, em todas as instâncias, está prevista no CPC. No STJ, a jurisprudência traz relatos de diversas teses que dizem respeito aos pacientes oncológicos.
Isenção do IRPF
Ao lado do
direito à aposentadoria por invalidez, o benefício da isenção de
pagamento de IR sobre aposentadoria está entre os mais conhecidos pelos
doentes de câncer. O dado é da pesquisa O conhecimento dos pacientes com
câncer sobre seus direitos legais, realizada pela Escola de Enfermagem
da USP e publicada em 2011. A mesma pesquisa ainda dava conta de que 45%
dos pacientes desconheciam qualquer direito.
O STJ já tem
jurisprudência firmada em recurso repetitivo no sentido de que o
paciente oncológico faz jus à isenção do imposto sobre seus proventos (REsp 1.116.620). A doença está listada no artigo 6º, XIV, da lei 7.713/88.
Recentemente, no julgamento do AREsp 198.795,
a 2ª turma definiu que o juiz é livre para apreciar as provas dos autos
e não está adstrito ao laudo oficial para formação do seu convencimento
sobre a ocorrência de câncer, na hipótese de pedido de isenção de IR.
No caso, a Fazenda Nacional recorreu de decisão da segunda instância que
concedeu o benefício.
A paciente havia
se submetido à retirada de mama em razão de câncer. Para o STJ, sendo
incontroversa a ocorrência da neoplasia maligna, é reconhecido o direito
à isenção independentemente do estágio da doença, ou mesmo da ausência
de sintomas.
A 1ª turma tem o mesmo entendimento. Em 2008, ao julgar o REsp 1.088.379,
o ministro Francisco Falcão ressaltou que, ainda que se alegue que a
lesão foi retirada e que o paciente não apresenta sinais de persistência
ou recidiva da doença, o entendimento no STJ é de que a isenção do IR
em favor dos inativos portadores de moléstia grave tem como objetivo
diminuir o sacrifício do aposentado, aliviando os encargos financeiros
relativos ao acompanhamento médico e medicações ministradas.
Outro ponto debatido na Corte diz respeito ao prazo para requerer a devolução do imposto descontado indevidamente. Ao julgar o REsp 1.215.188, a 2ª turma reconheceu a natureza tributária do debate e aplicou o artigo 168 do CTN, segundo o qual o direito de pleitear a restituição extingue-se em cinco anos.
Proventos integrais
Se o paciente de
câncer for considerado permanentemente incapaz para trabalhar, tem
direito a aposentadoria antecipada. A exceção é para o caso de quando a
doença já existir quando o trabalhador ingressar na Previdência Social. É
a perícia do órgão que constata essa incapacidade. Se o aposentado por
invalidez ainda necessitar de assistência permanente de outra pessoa, a
depender da perícia médica, o valor do benefício será aumentado em 25% a
partir da data do pedido, ainda que o valor ultrapasse o limite máximo
previsto em lei.
Em setembro
passado, a 1ª seção concedeu aposentadoria por invalidez com proventos
integrais a um servidor público acometido por câncer (melanoma). O
servidor já havia obtido o benefício da isenção de IR. O relator,
ministro Herman Benjamin, observou que tanto a aposentadoria integral
como a isenção do IR decorrem de um mesmo fato comum (doença grave) e
são benefícios inspirados por razões de natureza humanitária (MS 17.464).
Assim, afirmou o
ministro, não há incompatibilidade na concessão simultânea de ambos os
benefícios, especialmente se considerado que a própria lei estabeleceu
que a isenção recai, precisamente, sobre os proventos de aposentadoria –
a lei não previu isenção sobre os vencimentos de trabalhador ativo.
Levantamento do FGTS
A LC 110/01
admite o saque do FGTS, em única parcela, aos pacientes com câncer,
independentemente do tipo e da gravidade. O mesmo vale para o saque do
PIS/Pasep. Em 2002, o direito aplicado à neoplasia maligna foi,
inclusive, estendido pelo STJ a pacientes com Aids, no julgamento do REsp 387.846.
Naquele
julgamento, o relator, ministro Humberto Gomes de Barros, reafirmou que,
sendo o doente de câncer ou Aids dependente, os pais trabalhadores
podem sacar o FGTS (artigo 20, XI, da lei 8.036/90). O pedido deve ser feito em uma agência da CEF.
Seguro prestamista
O chamado seguro
prestamista serve para o pagamento de saldo devedor de financiamentos
adquiridos pelo segurado, em caso de morte ou invalidez. O STJ decidiu
que a seguradora não pode se eximir do dever de pagamento da cobertura
securitária, sob a alegação de omissão de informações por parte do
segurado, se dele não exigiu exames médicos prévios à contratação do
seguro. A tese está exposta no acórdão do REsp 1.230.233, analisado em 2011.
No caso, a
seguradora foi obrigada a quitar o contrato de financiamento
habitacional contratado por uma paciente com câncer de mama.
Posteriormente, ela morreu por outra causa atestada em laudo, mas a
Caixa Consórcios alegou que haveria a neoplasia preexistente e recorreu
até ao STJ para tentar ser eximida do pagamento do seguro à filha da
contratante.
Doença preexistente
Já em outro caso julgado este ano pela 3ª turma (REsp 1.289.628),
o STJ rejeitou recurso apresentado pela viúva e filhas de um segurado,
falecido vítima de liposarcoma. Elas pleiteavam o pagamento de R$ 300
mil referentes ao seguro de vida.
O TJ/SP, diante
das provas do processo, reconheceu que, ao preencher o questionário
sobre suas condições de saúde, o segurado deixou de prestar declarações
verdadeiras e completas quanto à existência de doença grave por ele
conhecida. Nessa hipótese, ficou caracterizada a má-fé, que afasta o
direito da indenização securitária.
No STJ, o
ministro Villas Bôas Cueva esclareceu que, segundo a jurisprudência do
Tribunal, a seguradora pode alegar tratar-se de doença preexistente
apenas se houver prévio exame médico, o que não ocorreu na hipótese, ou
prova inequívoca da má-fé do segurado. Essa última situação foi
constatada pelas instâncias anteriores, e o STJ não pode rever provas
quando analisa um recurso especial (súmula 7).
Para o ministro,
uma vez reconhecida a má-fé do segurado na contratação do seguro, não há
motivo para cogitar o pagamento da indenização. Embora o segurado tenha
afirmado naquele momento que não ostentava nenhuma das doenças
elencadas no questionário, as instâncias ordinárias entenderam que ele
já tinha ciência de que era portador de um tipo de câncer com alto
índice de recidiva.
Cobertura
Ao julgar o REsp 519.940,
a 3ª turma determinou que o plano de saúde cobrisse as despesas com a
colocação de prótese para corrigir a incontinência urinária em um homem
que havia retirado a próstata em razão de câncer.
Na ocasião, os
ministros concordaram que, se a necessidade da prótese decorre de
cirurgia coberta pelo plano, a seguradora não pode se valer de cláusula
que proíbe a cobertura.
Dano moral presumido
O STJ garantiu o
pagamento de indenização por dano moral a um segurado que teve recusado o
custeio de tratamento de câncer pelo plano de saúde (REsp 1.322.914). A 3ª turma atendeu ao recurso do segurado, aplicando a teoria do dano moral presumido (in re ipsa),
que dispensa a demonstração de ocorrência do dano. O julgamento
reverteu decisão de segunda instância e restabeleceu o valor de R$ 12
mil fixado na sentença para a indenização.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que "sempre
haverá a possibilidade de consequências danosas para o segurado, pois
este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente
situação desfavorável de saúde, tanto física como psicológica".
Para a ministra, é
possível constatar consequências de cunho psicológico, sendo
dispensável, assim, a produção de provas de ocorrência de danos morais.
Para a 3ª turma, a injusta recusa de cobertura de seguro de saúde agrava
a situação de aflição psicológica do segurado, visto que, ao solicitar
autorização da seguradora, ele já se encontrava em condição de abalo
psicológico e saúde debilitada.
Reconstrução da mama
A discussão sobre
o caráter da cirurgia de reconstrução de mama retirada em razão de
câncer – se estética ou reparadora – é recorrente nos tribunais. Para o
STJ, é abusiva a cláusula que exclui da cobertura a colocação de
próteses em ato cirúrgico coberto pelo plano de saúde, conforme definido
nos incisos I e VII do artigo 10 da lei 9.656/98, ofendendo o inciso IV do artigo 51 do CDC, salvo se empregadas para fins estéticos ou não ligadas ao ato cirúrgico.
Ao julgar o REsp 1.190.880,
a ministra Nancy Andrighi condenou a Bradesco Saúde a pagar R$ 15 mil
como indenização por dano moral a uma segurada. Ela teve de se submeter à
retirada de mama, mas ante a recusa do plano, viu-se obrigada a dar
cheque sem fundos ao hospital. Posteriormente, conseguiu na Justiça a
compensação pelo valor despendido no procedimento (R$ 32 mil), mas
somente o STJ veio a reconhecer a ocorrência do dano moral.
"À carga
emocional que antecede uma operação somou-se a angústia decorrente não
apenas da incerteza quanto à própria realização da cirurgia, mas também
acerca dos seus desdobramentos, em especial a alta hospitalar, sua
recuperação e a continuidade do tratamento, tudo em virtude de uma
negativa de cobertura que, ao final, se demonstrou injustificada, ilegal
e abusiva", refletiu a relatora.
Fornecimento de medicamentos
Em diversos
julgamentos, o STJ ratificou entendimento de outras instâncias de que é
solidária a responsabilidade dos entes federativos em relação ao dever
de fornecer medicamentos aos usuários do SUS. "A responsabilidade em
matéria de saúde, aqui traduzida pela distribuição gratuita de
medicamentos em favor de pessoas carentes, é dever do estado, no qual
são compreendidos todos os entes federativos", afirmou a ministra Eliana Calmon no julgamento do AREsp 306.524.
O caso tratava de
fornecimento gratuito de suplemento nutricional denominado prosure e
isossoure a um grupo de portadores de câncer, por no mínimo seis meses,
uma vez que se encontravam inválidos e em tratamento domiciliar. A
condenação recaiu sobre o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do
Ceará, e ambos recorreram ao STJ, sem sucesso.
O STJ também tem
diversos precedentes que consideram abusiva a cláusula contratual que
exclui da cobertura do plano de saúde o fornecimento de medicamento para
quimioterapia, tão somente pelo fato de ser ministrado em ambiente
domiciliar.
Ao julgar o REsp 183.719,
o ministro Luis Felipe Salomão destacou que a exclusão de cobertura de
determinado procedimento médico/hospitalar, quando essencial para
garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a
finalidade básica do contrato.
Em outra decisão (AREsp 292.259),
o ministro Raul Araújo salientou que a seguradora não pode alegar
desequilíbrio do contrato se há previsão para cobertura da doença. "Não
importa se o medicamente deve ser aplicado na residência do paciente ou
no hospital, o fato é que ele é destinado ao tratamento da doença,
tendo assim cobertura", afirmou o ministro.
Posse em concurso
No julgamento do AREsp 76.328,
em 2011, o ministro Cesar Asfor Rocha (hoje aposentado) entendeu ser
impossível rever fatos e provas a ponto de alterar decisão de segunda
instância que garantiu a posse de uma candidata em concurso público.
Acometida por câncer de mama, ela já havia concluído o tratamento quando
foi nomeada. Apresentou atestado, relatório e perícia médica do INSS
para demostrar a aptidão para o trabalho, mas o órgão tornou sem efeito a
nomeação.
O Tribunal de
Justiça de Minas Gerais considerou abusiva a exigência do transcurso de
cinco anos de sua cirurgia de retirada do tumor, como condição para
posse. Para o tribunal, trata-se de fator de risco de recidiva, fator
incerto e futuro, que não pode ser empecilho para a posse.
Em outro caso (AREsp 185.597),
a UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul não teve admitido
recurso em que contestava a posse – garantida pelas instâncias
anteriores – de uma candidata em concurso público. Ela foi considerada
inapta no exame físico, em razão do diagnóstico de câncer de mama.
Obteve, depois, na Justiça, o direito de assumir o cargo, com
recebimento de parcelas atrasadas. O ministro Humberto Martins destacou
que o entendimento manifestado até então no processo estava de acordo
com a jurisprudência do STJ, o que impediu a admissão do recurso.
Situação semelhante foi apreciada no REsp 1.042.297. A UFAL - Universidade Federal de Alagoas alegava que "a
pessoa portadora de neoplasia maligna necessitaria de tratamento
contínuo e eficiente a fim de evitar a recidiva da doença e garantir sua
sobrevivência, não podendo, portanto, desenvolver com regularidade a
sua função". A candidata havia se submetido à retirada de uma mama em razão de câncer.
O ministro
Arnaldo Esteves Lima disse que rever a decisão de segunda instância,
favorável à candidata, exigiria análise de provas, o que não é possível
no STJ. Além disso, a divergência com casos anteriormente julgados pelo
Tribunal Superior não foi demonstrada pela universidade.
Vaga em universidade
Ao julgar o REsp 1.251.347,
a 2ª turma assegurou a uma estudante acometida por câncer a
transferência para outra universidade, a fim de dar seguimento ao
tratamento da doença (linfoma de Hodgkin). Ela cursava Comunicação
Social na UFSM - Universidade Federal de Santa Maria e ingressou com
mandado de segurança para ter garantida uma vaga na UFSC - Universidade
Federal de Santa Catarina, pela necessidade de estar junto aos
familiares e de ter a doença sob controle.
A decisão
favorável à estudante considerou necessária a observância de seus
direitos fundamentais, como a saúde e a educação. Como foram tratados
temas constitucionais, o ministro Herman Benjamin entendeu ser
impossível rever a questão no STJ, que trata de matéria
infraconstitucional. Em outro ponto, em que se alegava que a
transferência constituiria burla ao vestibular, o ministro rejeitou o
argumento considerando que a estudante foi aprovada no concurso para
ingresso na UFSM.
Prisão domiciliar
Quando a matéria é
penal, o paciente oncológico também pode receber tratamento
diferenciado da Justiça. Há jurisprudência no STJ que reconhece o
direito à prisão domiciliar para aquele que está acometido por doença
grave, como o câncer, a ponto de não resistir ao cárcere. Foi o
entendimento aplicado pela 6ª turma ao julgar o HC 278.910. No caso, fez-se uma "substituição da prisão preventiva, calcada em motivos de ordem humanitária".
O preso de 63
anos, sofrendo de câncer de próstata, havia sido internado, sob
custódia, por 44 dias. A situação, para os ministros, preencheu a
exigência legal para a concessão da prisão domiciliar, isto é, estar
"extremamente debilitado por doença grave". A turma levou em conta a
previsão da neoplasia maligna como doença grave contida na lei 7.713/88,
que trata da isenção de IR.
Em outro caso (RHC 22.537),
julgado em 2008, a turma também determinou a prisão domiciliar, mas
ressalvou que o benefício deveria perdurar apenas enquanto a saúde do
agente assim o exigisse, cabendo ao juízo de 1º grau a fiscalização
periódica dessa circunstância.
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