A restituição dos valores pagos na hipótese de resiliação do contrato de promessa de venda e compra de imóvel por desistência do promitente comprador
A
compra de um imóvel na planta ou em construção tem sido a opção de
muitos brasileiros, tendo como vantagens o preço mais acessível, com a
possibilidade de parcelamento também do valor referente ao sinal e
princípio de pagamento, bem como o potencial de valorização do imóvel.
Entretanto, o atraso na entrega do imóvel, a falta de orientação e
ponderação no momento de assinatura do contrato e as mudanças repentinas
na situação financeira do promitente comprador podem resultar no
desfazimento do contrato de promessa de compra e venda do imóvel.
A aquisição de
imóvel na planta é feita, ordinariamente, por meio de contratos
celebrados para pagamento parcelado do respectivo preço, sendo
caracterizados, juridicamente, como contratos de promessa de compra e
venda, em que o vendedor promete vender ao comprador, e este, por sua
vez, se compromete a comprar o imóvel objeto do contrato. Nessa
situação, a compra e venda em si somente se aperfeiçoa após a quitação
de todas as prestações, em momento futuro.
Ocorre que, em
virtude de determinadas circunstâncias, como arrependimento, alteração
das condições financeiras, e etc, pode o comprador vir a desistir de
concluir o contrato.
Nesse caso, como
os contratos de promessa de compra e venda são celebrados em caráter
irretratável e irrevogável, é necessária a concordância de ambas as
partes para possibilitar o desfazimento do negócio.
Dessa forma, o
instrumento utilizado para tanto é o distrato de promessa de compra e
venda, que implica na resilição do contrato por mútuo acordo entre as
partes, podendo até mesmo ser motivada por iniciativa do credor, sendo
que, em qualquer das situações, o comprador terá sempre direito a
restituição dos valores pagos, com as deduções cabíveis em favor do
promitente vendedor, referentes às despesas administrativas com a
formalização dos instrumentos contratuais, das despesas publicitárias e
da corretagem de venda do bem, assim como do aluguel mensal do imóvel,
caso tenha ocorrido a ocupação do bem.
No entanto,
ocorre de as partes não alcançarem o consenso com relação à restituição
de valores que tenham sido pagos pelo promitente comprador, o que tem
aumentando as demandas judiciais envolvendo tal matéria.
Para ilustrar tal
situação, cabe destacar que, em decorrência da elevada quantidade de
processos com discussões nesse sentido, o TJ/SP sumulou os seguintes
entendimentos:
Súmula 1: O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.Súmula 2: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição.
Nesse contexto,
foi firmado pela jurisprudência o entendimento de que é abusiva e ilegal
a cláusula do distrato decorrente de compra e venda imobiliária que
prevê a retenção integral ou a devolução ínfima das parcelas pagas pelo
promitente comprador, sendo que a discussão gira em torno de se apurar
qual o percentual adequado a título de retenção, estabelecendo-se os
percentuais mínimo de 10% e máximo de 25%, conforme as circunstâncias de
cada caso, consoante o entendimento do STJ.
Em recente julgamento relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, tal posicionamento foi ratificado pela 4ª turma do STJ.
Segundo o relatório do REsp 1.132.943,
o caso julgado apresenta a situação de um casal de PE que ajuizou
demanda visando à declaração de nulidade de cláusula de contrato de
compra e venda de imóvel, cumulada com pedido de restituição da quantia
paga, sob o argumento de que, efetuado o distrato, receberam R$ 5 mil da
construtora, sendo que o valor efetivamente adimplido teria sido R$
16,8 mil.
A sentença julgou
parcialmente procedente o pedido, determinando que a construtora
efetuasse a restituição do valor total do pagamento, com a retenção da
quantia equivalente a 15%, que seria suficiente para indenizar aquela
pelos prejuízos oriundos da resilição contratual por desistência dos
promitentes compradores.
Em seu voto,
acompanhado por unanimidade pelos demais ministros, o relator reconheceu
a existência de precedentes das turmas integrantes da 2ª seção da
Corte, que, embora autorizando a rescisão por incapacidade financeira do
devedor, defendiam o entendimento de validade do distrato que
contemplasse o reembolso em quantia ali estabelecida e inferior ao que
foi pago pelo promitente comprador, ante a inexistência de submissão da
vontade de uma parte à outra.
Nesse sentido são
os seguintes julgados, citados pelo ministro: REsp 530.683/MG, Rel.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2003, DJ
09/02/2004; e REsp 158.036/DF, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 03/12/1998, DJ 22/03/1999.
Com isso, tendo o
STJ como uma de suas funções constitucionais a de harmonização da
jurisprudência, foi reconhecida tal necessidade sobre o tema em questão,
considerando as hipóteses de resilição contratual quando o promitente
comprador não mais reúne condições econômicas para arcar com o pagamento
das parcelas avençadas, sendo estabelecidas duas premissas (i) a de
incidência, no distrato, das mesmas regras aplicáveis ao contrato, em
razão da natureza jurídica daquele instrumento e (ii) a não
correspondência do reembolso de valores ao montante integral das
parcelas adimplidas.
Quanto ao primeiro ponto, e com base no artigo 472 do CC/02,
firmou-se o entendimento de que o fato de o distrato pressupor um
contrato anterior não lhe desfigura a natureza contratual, cuja
característica principal é a convergência de vontades, razão pela qual
não seria razoável contraposição dos referidos negócios jurídicos no
sentido de que somente disposições contratuais seriam passíveis de
anulação por abusividade.
O segundo ponto
refere-se ao valor a ser devolvido pelo promitente vendedor ao
promitente comprador no caso de extinção do contrato por consenso das
partes.
De fato, nessa questão, aplica-se o disposto pelo artigo 53 do CDC,
de forma que são consideradas nulas de pleno direito as cláusulas que
estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor,
por consubstanciar vantagem exagerada do incorporador, hipótese vedada
também com fundamento no artigo 51, IV, do CDC.
De outro lado,
não se pode desconsiderar o fato de que o desfazimento da contratação
gera prejuízos ao promitente vendedor, notadamente referentes às
despesas administrativas com a divulgação, comercialização e corretagem,
bem como pela própria contratação em si, além do pagamento de tributos e
taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo
promitente comprador, razão pela qual é justo e razoável admitir-se a
retenção de parte das prestações pagas como forma de indenizá-lo por
tais prejuízos.
No caso em
análise, o TJ/PE entendeu que, pelos fatos e provas apresentados nos
autos, a retenção de 15% (quinze por cento) sobre o valor pago pelos
promitentes compradores seria suficiente para indenizar a construtora
pelos prejuízos oriundos da resilição contratual.
A Construtora
apresentou nos autos planilha de cálculo com o fim de demonstrar que as
despesas efetuadas durante a vigência do contrato com o imóvel adquirido
pelo casal teriam sido no montante de R$ 14,5 mil, hipótese em que a
quantia devolvida (no montante de R$ 5.000,00) seria legítima.
Entretanto, o
Juiz de primeiro grau, entendeu não haver razoabilidade nos cálculos da
Construtora, que se mostrariam excessivos, fixando o percentual de
retenção em 15% (quinze por cento) sobre as prestações pagas.
Tendo em vista
que tal percentual foi arbitrado de acordo com as circunstâncias fáticas
do caso, o ministro argumentou que estaria impedido o STJ de efetuar o
reexame do ponto controvertido, ante a necessidade de análise da matéria
de fato e das provas produzidas pelas partes, o que é vedado pela
súmula 7 do STJ.
Por fim, o
ministro confirmou que o STJ tem entendido que a retenção do percentual
entre 10% e 25% do valor pago pelo promitente comprador seria razoável
para cobrir as despesas administrativas, conforme as circunstâncias de
cada caso.
Conclusivamente,
tem-se que a jurisprudência já consolidou o entendimento de que o
promitente comprador tem o direito de pleitear a rescisão contratual em
decorrência da situação financeira que ocupa, sem que isso autorize a
retenção integral dos valores pagos pela construtora.
Assim, na
hipótese de desfazimento do negócio por desistência ou inadimplência do
promitente comprador, ainda que as partes não tenham firmado o distrato
do compromisso de compra e venda do imóvel, o compromissário comprador
tem o direito a reaver as quantias pagas, sendo admitida a compensação
com os prejuízos suportados pelo promitente vendedor.
Não se admite,
todavia, a perda total das prestações pagas, de forma que, se tal
disposição estiver prevista em termos contratuais, será considerada
nula.
Nesse cenário, e
estabelecidas tais premissas, tem-se que a discussão deve dizer respeito
à apuração do percentual que é adequado a título de retenção por parte
do promitente vendedor, sendo necessária a análise individual de cada
caso, pois há situações em que tal percentual pode ser maior do que o
estabelecido como razoável pelo STJ e, mesmo assim, ser considerado
legal, como em situações em que o adquirente já utilizou o imóvel.
Portanto, na hipótese
de resilição contratual por desistência ou inadimplência do promitente
comprador, para evitar que o percentual de retenção sobre os valores
pagos por este seja estabelecido de modo indiscriminado pelo Poder
Judiciário, é aconselhável que a promitente vendedora faça constar em
seu contrato, de forma expressa, percentual razoável para o caso de
distrato, bem como que se assegure de demonstrar os prejuízos
efetivamente sofridos com o desfazimento da contratação na hipótese em
questão.
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