Muito já se escreveu sobre o efeito suspensivo dos recursos,
notadamente quanto a seu regime no recurso de apelação, agravo de
instrumento, recurso especial e recurso extraordinário, não havendo,
pois, grandes divergências sobre o tema, quer em sede doutrinária, quer
em sede jurisprudencial. O mesmo não se pode dizer, porém, do recurso de
embargos de declaração e seu eventual efeito suspensivo. Por pouco
explorada, trata-se de questão ainda carente de mais acurada análise, o
que provoca divergências entre doutrinadores de escol e, o que é pior,
nenhuma uniformidade quando é apreciada pelo Poder Judiciário no caso
concreto.
Objetivamente posta a questão, o que se pretende discutir nesse breve
estudo é: prolatada uma determinada decisão judicial, opondo a parte,
tempestivamente, o recurso de embargos de declaração, terá esse recurso,
ou não, efeito suspensivo? Em palavras outras: a oposição de embargos
de declaração – ou a mera possibilidade de sua interposição - tem o
condão de retirar do decisum embargado sua aptidão para gerar efeitos,
suspendendo sua eventual execução?
Como observado, a doutrina apresenta-se divergente. Prevalece, porém, o
entendimento de que o recurso de embargos de declaração é dotado de
efeito suspensivo.
Essa a posição defendida por NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY[1].
Ensinam os ilustres professores que “a regra, no direito processual
civil brasileiro, é que os recursos sejam recebidos no efeito
suspensivo: a eficácia da decisão embargada fica suspensa pela sua
recorribilidade por EDcl, vale dizer, não se admite a execução da
decisão que pode ser embargada pelo recurso de EDcl. Com muito maior
razão, não se pode executar a decisão que foi efetivamente impugnada
pelo recurso de EDcl”.
Esse, igualmente, o pensamento de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA[2],
que em seus comentários ao artigo 497 do Código de Processo Civil
explica que o legislador, em tal dispositivo, preocupou-se em indicar os
casos em que a interposição do recurso não tem efeito suspensivo.
Assim, apenas os recursos ali mencionados, quais sejam, recurso
extraordinário, recurso especial e agravo de instrumento, são
desprovidos de efeito suspensivo; os demais, aí incluído o recurso de
embargos de declaração, por não expressamente mencionados no dispositivo
em comento, seriam dotados de efeito suspensivo. Posicionam-se, ainda,
expressamente nesse mesmo sentido, ARAKEN DE ASSIS[3] e HUMBERTO THEODORO JUNIOR[4].
É preciso, antes de avançar na análise da questão principal tratada
nesse breve artigo, colocar em destaque aspecto que muitas vezes passa
despercebido pela doutrina e jurisprudência, qual seja, a existência, no
direito brasileiro, de dois regimes diferentes de efeito suspensivo: o
efeito suspensivo ope legis, que decorre de expressa disposição legal e
que mais do que suspender os efeitos de uma decisão, obsta que tais
efeitos sequer se iniciem; e o efeito suspensivo ex iudicis, que permite
ao órgão responsável pelo julgamento do recurso atribuir a ele efeito
suspensivo, preenchidos os requisitos legais[5]. Exemplo de efeito suspensivo ope legis: apelação. Exemplo de efeito suspensivo ope judicis: agravo de instrumento.
A corrente doutrinária majoritária que ora se examina defende, ainda
que não de maneira explícita, que o recurso de embargos de declaração é
dotado de efeito suspensivo do tipo ope legis.
Ocorre que, a prevalecer esse entendimento, forçoso seria reconhecer
que nenhuma decisão judicial no direito brasileiro teria aptidão para
gerar efeitos desde logo. E assim seria pois, possuindo, como quer a
doutrina majoritária, o recurso de embargos de declaração efeito
suspensivo automático, e sendo, em tese, embargável toda e qualquer
decisão judicial (vez que qualquer decisum pode, ao menos teoricamente,
ser obscuro, omisso ou contraditório), somente após a fluência do prazo
para os aclaratórios é que a decisão poderia gerar seus efeitos. E mais:
opostos os embargos tempestivamente, a decisão, que já era ineficaz,
assim prosseguiria até que o recurso fosse julgado.
Textos relacionados
- Direitos humanos e assistência jurídica
- Prazo para revisão de benefícios previdenciários do RGPS (RE 626489)
- Verba honorária e teto remuneratório: decisão peculiar do TJSP
- Assistência jurídica aos membros da Polícia Militar
- Título judicial fundamentado em norma declarada inconstitucional pelo STF (arts. 475-L, § 1º e 741, par. único, do CPC)
Os inconvenientes de se adotar esse entendimento são inúmeros.
Imagine-se, por exemplo, que seja deferida uma antecipação de tutela,
em caráter liminar, impondo ao réu o cumprimento de uma obrigação de
abster-se de uma certa conduta (por exemplo, paralisação de uma
atividade altamente poluidora), sob pena de multa. Por se tratar de uma
decisão interlocutória, o recurso que teria o réu para reverter tal
decisão seria o agravo de instrumento, o qual, como se sabe, é
desprovido de efeito suspensivo imediato, podendo o relator a tal
recurso atribuir efeito suspensivo, desde que presentes os requisitos
autorizadores (art. 527, III, do CPC). A prevalecer o entendimento da
doutrina majoritária, bastaria a esse réu opor o recurso de embargos de
declaração para retirar da decisão sua eficácia imediata e com isso
prosseguir em sua atividade poluidora, sem se preocupar com o pagamento
da multa.
Perceba-se a contradição: o recurso adequado ao contraste da decisão
interlocutória (agravo de instrumento) e que pode culminar na sua
invalidação ou reforma, não possui o efeito de obstar que a decisão
recorrida opere seus efeitos imediatos; entretanto, um recurso que visa
apenas aperfeiçoar a prestação jurisdicional (embargos de declaração),
sem chegar a invalidar ou reformar essa mesma decisão, teria o condão de
suprimir seus efeitos. Em palavras outras: o que é menos, no caso o
recurso de embargos, acaba por gerar um efeito maior (efeito suspensivo
imediato) do que o remédio que é mais, no caso o agravo de instrumento.
Outra situação cogitável: sentença que se enquadra em um dos incisos do
artigo 520 do CPC, casos em que a apelação é desprovida de efeito
suspensivo e, portanto, pode a sentença ser executada desde logo. Para
evitar tal situação, bastaria que o sucumbente opusesse embargos de
declaração para suspender tal execução provisória. Repete-se, nesse
exemplo, a contradição, talvez em contornos ainda mais nítidos, pois que
haveria burla ao texto expresso da lei, no caso o artigo 520 do CPC e
seus incisos.
Não é difícil imaginar a situação de caos que o acolhimento dessa
opinião doutrinária geraria na prática: toda e qualquer decisão judicial
passaria a ser recorrida, de pronto, por embargos de declaração - ainda
que não presentes os vícios da contradição, omissão e obscuridade -,
assim procedendo os embargantes com o objetivo de obstar a imediata
eficácia das decisões. Consequência automática: não existiria no direito
brasileiro decisão judicial apta a gerar efeitos imediatos.
Celeridade e eficácia comprometidas.
Parece, pois, correto afirmar que o recurso de embargos de declaração é
desprovido de efeito suspensivo, pelo menos o efeito suspensivo do tipo
ope legis, que mesmo antes da interposição do recurso já obsta que a
decisão recorrida tenha eficácia.
Com essa assertiva não se quer, entretanto, afastar por completo o
efeito suspensivo dos embargos de declaração; o que se pretende deixar
claro é que esse recurso não é, e não pode ser, dotado de efeito
suspensivo ope legis, sob pena de instalação do indesejável quadro que
antes se expôs.
Restaria, assim, investigar em que situações tal recurso pode ensejar a suspensão dos efeitos da decisão embargada.
Duas hipóteses são cogitáveis.
A primeira, quando o recurso que (provavelmente) sucederá os embargos
de declaração, possuir efeito suspensivo ope legis. Seria o caso, por
exemplo, de uma sentença submetida a recurso de apelação dotado de
efeito suspensivo. Sendo omissa, obscura ou contraditória tal sentença e
havendo embargos de declaração, o efeito suspensivo inerente à apelação
será, por assim dizer, tomado de empréstimo pelos aclaratórios. Em
palavras outras, o recurso de embargos de declaração terá efeito
suspensivo toda vez que o recurso que o suceder também tiver tal efeito.
Trata-se de posição que conta, atualmente, com eminentes defensores em
sede doutrinária. É o que ensina, por exemplo, FLÁVIO CHEIM JORGE[6],
para quem “a aferição quanto ao efeito suspensivo deve ser feita não em
relação aos embargos, mas sim quanto ao recurso previsto pelo Código
para atacar a decisão possivelmente embargada. Os embargos, em si mesmo,
seja a sua interposição seja a mera potencialidade no seu manejo, não
influenciam na eficácia da decisão judicial”. No mesmo sentido, FREDIE
DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA[7],
que asseveram: ”parece mais correto, contudo, perfilhar o entendimento
de FLÁVIO CHEIN JORGE, para quem os embargos de declaração devem seguir a
regra do recurso que seria cabível da decisão embargada ou que seja
interposto após seu julgamento. (...) Quanto aos embargos de declaração,
são cabíveis contra todo e qualquer ato judicial, devendo, então,
seguir a regra do recurso cabível na espécie. Assim, se opostos embargos
de declaração contra decisão interlocutória, como o agravo não tem
efeito suspensivo, os embargos também não deveriam ter”.
Mas não só nesse caso. Mesmo nas hipóteses em que o recurso adequado ao
contraste da decisão for desprovido de efeito suspensivo, caso em que,
pela regra exposta no parágrafo anterior, também o recurso de embargos
de declaração será desprovido desse efeito, mostra-se possível a
atribuição excepcional de efeito suspensivo pelo julgador, quando se
entender absolutamente indispensável.
E quando isso poderá ocorrer?
Em duas situações, apenas.
A primeira, nos casos em que a omissão, obscuridade ou contradição for
de tal monta que torne efetivamente impossível o cumprimento daquela
decisão; a segunda, quando o vício apontado nos embargos de declaração
seja tal que possa acarretar a integral modificação do julgado recorrido
(efeitos infringentes dos embargos de declaração). Essa opinião foi
também manifestada por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER em excelente artigo
doutrinário que cuidou desse mesmo tema[8].
Sistematizando, pois, tudo que se expôs, tem-se o seguinte quadro
relativo aos embargos de declaração e seu eventual efeito suspensivo:
1) A despeito da opinião majoritária da doutrina, o recurso de embargos
de declaração não é dotado de efeito suspensivo ope legis. Logo, a sua
potencial ou efetiva interposição não altera o regime de eficácia da
decisão embargada;
2) Nada obstante, em duas hipóteses tal recurso assumirá efeito suspensivo:
2.1.) Quando o recurso que sucederá os embargos possuir efeito
suspensivo ope legis, caso em que o efeito suspensivo inerente àquele
recurso será aplicado aos embargos de declaração. Ou seja: os
aclaratórios terão efeito suspensivo toda vez que o recurso que o
suceder também tiver tal efeito.
2.2.) Nos casos em que a omissão, obscuridade ou contradição for de tal
monta que torne efetivamente impossível o cumprimento daquela decisão;
ou quando o vício apontado nos embargos de declaração seja tal que possa
acarretar a integral modificação do julgado recorrido (efeitos
infringentes dos embargos de declaração). Nessas duas hipóteses, nada
impede que o embargante requeira ao juízo competente para o julgamento
dos embargos que a tal recurso se atribua efeito suspensivo (ope
iudicis, por óbvio).
Notas
[1] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 10ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 914.[2] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil; 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Vol. 5, p. 236.
[3] ASSIS, Araken. Manual dos Recursos. São Paulo: RT, 2007, p. 242.
[4] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol. I, p. 624.
[5] Classificação de Araken de Assis, em Manual dos Recursos. São Paulo: RT, 2007, p. 245/246.
[6] JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 297.
[7] DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2006, vol. 3, p. 51.
[8] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os embargos de declaração têm mesmo efeito suspensivo? Panóptica, Vitória, ano 1, n. 7, mar. – abr. 2007, p. 70.83. Disponível em:
Comentários
Postar um comentário