As mesmas provas que fundamentam a condenação no âmbito civil e
trabalhista não são idôneas para embasar a condenação criminal pelo
mesmo fato. Esse foi o fundamento do juiz federal Omar Belloti Ferreira,
de Castanhal, no Pará, para absolver
o proprietário de cinco fazendas acusado de manter 55 trabalhadores em
condições análogas à escravidão. Também foram acusados o administrador
das fazendas e o responsável pelo recrutamento dos empregados.
A
acusação foi formulada em sete itens: 1) contratação sem registro na
carteira de trabalho e falta de pagamento regular dos salários;
2) acomodação dos trabalhadores em locais sem condições mínimas de
conforto, saúde e higiene; 3) ausência de instalações sanitárias; 4) não
fornecimento de água potável, com consumo de água proveniente de um
córrego ou igarapé; 5) falta de local adequado para armazenamento e
preparo de alimentos e para as refeições; 6) falta de equipamentos de
proteção e de primeiros socorros; e 7) dificuldade em sair das fazendas e
voltar para casa, devido à distância.
Em relação ao primeiro item
da acusação, o juiz Belloti Ferreira considerou-a parcialmente
comprovada. Segundo ele, de fato, o proprietário da fazenda não
registrou o vínculo de emprego nas carteiras de trabalho dos empregados.
Os pagamentos, porém, eram feitos, ainda que exista dúvidas se eles
estariam de acordo com a legislação trabalhista. Segundo testemunhas, os
trabalhadores recebiam por diárias e os valores chegavam a ser menores
do que um salário mínimo.
Os itens 2 e 3 o juiz considerou
comprovados, já que, além dos depoimentos, fotografias mostram que os
trabalhadores ficavam alojados em um barraco coberto de lona plástica,
sem paredes e no meio da mata.
Em relação ao item 4, sobre a água
consumida pelos trabalhadores, o juiz disse que ela vinha realmente de
igarapés e de um córrego, segundo admitiu um dos acusados. Entretanto,
por falta de exame pericial, não foi possível comprovar se ela era
própria para consumo humano.
“Cumpre observar que, ao contrário do
que ocorre na seara trabalhista, em que se pode exigir da empresa a
exibição de certificado de potabilidade da água, na seara penal é a
acusação quem tem o ônus de provar que a água não é potável, não podendo
a imprestabilidade ser simplesmente presumida em razão da fonte de
captação”, disse.
Os itens 5 e 6, que tratam da falta de local
adequado para alimentação e de equipamentos de proteção e primeiros
socorros, o juiz considerou a acusação comprovada, especialmente diante
da precariedade do alojamento em que eles ficavam.
Já em relação
ao item 7, o juiz julgou a acusação improcedente, uma vez que, em sua
avaliação, a região em que os trabalhadores vivem (Irituia) não está
distante dos locais de trabalho (Paragominas e Ipixuna), e e aére seria
bem servida de rodovias e estradas vicinais. De Irituia, de onde os
trabalhadores saem, são 153 km até Paragominas e 101 km até Ipixuna.
Condutas características
Segundo o juiz, as condutas que caracterizam o trabalho escravo, como jornada exaustiva ou cerceamento de liberdade, não ficaram provadas. Em relação às condições de trabalho, Ferreira disse que o conceito de “condições degradantes” é indeterminado, o que tornaria sua comprovação problemática e sujeita à influência de concepções ideológicas.
Segundo o juiz, as condutas que caracterizam o trabalho escravo, como jornada exaustiva ou cerceamento de liberdade, não ficaram provadas. Em relação às condições de trabalho, Ferreira disse que o conceito de “condições degradantes” é indeterminado, o que tornaria sua comprovação problemática e sujeita à influência de concepções ideológicas.
“Observo, inicialmente, que, em razão da indeterminação do conceito 'condições
degradantes', este é o modo de execução do delito cuja comprovação se apresenta mais problemática, estando naturalmente sujeita à influência exercida pelas concepções ideológicas do julgador”, afirmou.
degradantes', este é o modo de execução do delito cuja comprovação se apresenta mais problemática, estando naturalmente sujeita à influência exercida pelas concepções ideológicas do julgador”, afirmou.
Ao
formar seu juízo pela absolvição, o juiz considerou ainda que existe uma
diferença entre “trabalho degradante”, que é admitido pela legislação
trabalhista, e “trabalho em condições degradantes”, vedado tanto pela
legislação trabalhista quanto pela penal. No primeiro caso, o empregador
tem obrigação de pagar adicionais de insalubridade e periculosidade.
“Ainda que se admita que esse é um conceito demasiadamente restrito da conduta
típica, notadamente por desconsiderar outras importantes questões relativas ao meio ambiente do trabalho, uma coisa parece certa: nem todo trabalho degradante pode ser taxado de criminoso”, afirmou Belloti.
típica, notadamente por desconsiderar outras importantes questões relativas ao meio ambiente do trabalho, uma coisa parece certa: nem todo trabalho degradante pode ser taxado de criminoso”, afirmou Belloti.
No
caso em questão, o juiz entendeu que os acusados cometeram apenas
infrações trabalhistas, como contratar empregados sem registro em
carteira e submetê-los a condições precárias de higiene e salubridade.
Como
não ficaram provados os elementos típicos de trabalho escravo, como
omissão de pagamentos, aliciamento de trabalhadores, vigilância armada
ou jornada exaustiva, segundo o juiz, ele decidiu absolver os acusados.
“Não
se pode legitimamente afirmar que as condições de trabalho, de moradia,
de segurança e de salubridade a que estavam sujeitos os obreiros tenham
lesionado as suas dignidades de modo a reclamar a intervenção do
Direito Penal, que, como se sabe, é a ultima ratio. Há,
portanto, que se entender que as infrações às normas de Medicina, saúde e
segurança do trabalho foram suficientemente reprimidas mediante a
aplicação das penalidades administrativas previstas na própria
legislação trabalhista”, afirmou.
Os acusados foram defendidos
pela advogada Thais Pires de Camargo, do escritório Camargo Lima
Sinigallia Moreira Lopes Advogados.
Comentários
Postar um comentário