Meu amigo Outrem Ego mora em frente a alguns restaurantes que oferecem serviços de manobristas grátis (os chamados valets).
E, um dia desses, me ligou indignado. Ele disse que é perigoso
atravessar as tranquilas ruas de perto de sua casa porque os manobristas
passam em alta velocidade: "Os manobristas recebem o automóvel das
mãos do cliente e, assim que este entra no restaurante, eles saem em
disparada, pisando fundo no acelerador". Disse, também, que a rua tem sido o local de estacionamento dos veículos: "Ora, se é para estacionar na rua, eu mesmo faço", reclamou.
De fato, esses e
outros problemas atingem os consumidores que entregam seus automóveis
para os manobristas de bares, restaurantes, teatros e outros
estabelecimentos.
Assim, na coluna de hoje tratarei dos direitos e violações relativos a esse serviço, que é oferecido por uma série de estabelecimentos comerciais na cidade de São Paulo e em todo o país.
Os abusos são
muitos e vão além dos apontados por meu amigo, tais como excesso de
velocidade, ultrapassagem de semáforo no vermelho, conversões ilegais,
estacionamento em locais proibidos, o que inclui calçadas e guias
rebaixadas, etc. E, muitos consumidores não sabem dos riscos que correm:
se o automóvel entregue nas mãos dos manobristas sofrer algum tipo de
multa de trânsito, como de estacionamento irregular ou ultrapassagem
proibida no semáforo, é o consumidor que arcará com seu pagamento. Claro
que ele tem direito de se ressarcir junto ao serviço de valet ou do estabelecimento comercial que o oferece.
Mas a solução não
é tão simples, pois o consumidor tem que, primeiro, pagar a multa,
depois procurar o prestador do serviço ou restaurante, teatro, etc. e
tentar receber. E, infelizmente, não há boas notícias por aqui, porque
muitos estabelecimentos simplesmente se negam a fazer o reembolso,
alegando que não há prova de que foi o manobrista ou que não há como
provar que aconteceu naquele momento, dentre outros tipos de escusas.
A saída, então, é
o Poder Judiciário, mas muitos desistem porque nem sempre o valor da
multa compensa o trabalho e o custo. Pior: se a multa gerar pontuação
negativa no prontuário do proprietário, é para este que vai. Aliás,
mesmo que o prestador do serviço ou o estabelecimento comercial faça o
reembolso da multa, ainda assim, o consumidor sofrerá mais transtornos,
pois terá ainda que apresentar recurso ao Detran e tentar provar que era
outro o motorista. Algo difícil de conseguir.
Além disso, o
comum é que o manobrista, ao verificar que o veículo sofreu multa,
retire a notificação do vidro e a jogue fora. Conclusão: o consumidor só
fica sabendo quando recebe o aviso para pagamento em casa.
Há mais
problemas. O manobrista pode riscar a lataria do veículo, pode rasgar o
assento, pode quebrar o câmbio, estragar o motor (lembre-se de que, às
vezes, até mesmo na cara do cliente, o manobrista sai cantando pneu ou chega rasgando,
como se diz). Ele pode bater o veículo em outro ou na guia ou no poste,
etc. Mais grave: ele pode atropelar alguém. Acontece também dele deixar
o veículo aberto e ele ser furtado ou furtarem coisas que estavam no
interior.
A responsabilidade pelos danos, segundo a lei, é tanto do prestador de serviço de valet
como do estabelecimento comercial que o oferece. O problema é que, mais
uma vez, nem tudo é constatado na hora ou pode ser provado pelo
consumidor.
Alguns
estacionamentos já adotam a tática de verificar os vícios aparentes que o
carro tenha e, no ato da entrega do recibo, anotam as avarias. É uma
boa ação que garante ambas as partes. Mas, muitos não fazem isso, nem os
serviços de valet. Além do mais, os problemas com motor, câmbio,
etc. não podem ser constatados desse modo. Logo, se o manobrista causar
algum dano ao veículo, é difícil provar que aconteceu quando estava nas
mãos dele.
A situação piora
muito se o acidente causado atingir bens de terceiros ou causar danos
diretamente a outra pessoa, que deve ser socorrida, hospitalizada, etc.
e, é mais grave ainda, se causar invalidez provisória, permanente ou
morte.
Em todos esses
casos, segundo entendimento do Poder Judiciário, o proprietário do
veículo causador do acidente poderá ser processado e responsabilizado
para indenizar o terceiro atingido. E não é pouca coisa: evidentemente
depende da extensão do dano, mas, por exemplo, pode ocorrer perda total
do veículo do terceiro, hospitalização, invalidez ou morte. A
indenização nesses casos envolve tudo o que esse terceiro/vítima perdeu.
Além disso, poderá haver indenização pelos danos morais sofridos a ser
paga à vítima que sobreviveu ou aos familiares da vítima falecida.
É verdade que a responsabilidade final é do prestador do serviço de valet
ou do estabelecimento comercial. Porém, como o Judiciário entende que o
proprietário que entrega o veículo ao terceiro (pode ser o manobrista, o
filho, o amigo, etc.) é o primeiro responsável, este, uma vez
processado, terá que arcar com toda a indenização e, só depois, é que
poderá acionar o prestador do serviço de valet ou o estabelecimento comercial.
Lembro de que há o seguro: tanto o do consumidor (se tiver seguro para indenizar terceiros) como o do serviço de valet
e do estabelecimento comercial. Contudo, se o consumidor tiver seguro, é
necessário que não haja restrição na apólice para a entrega do veículo a
terceiros, pois se houver a seguradora não quererá pagar a indenização.
Além disso, as indenizações do seguro têm limites para cada tipo de
dano e o juiz não está limitado a eles: a condenação pode ser maior e o
proprietário terá que pagar a diferença, que pode ser altíssima.
No caso do seguro do prestador do serviço de valet
e do estabelecimento comercial, o mesmo se dá em relação aos limites.
Mas, o principal nesse aspecto é que não dá para garantir que eles
tenham, de fato, seguro contratado.
Por
tudo isso, como diria meu amigo Outrem Ego, a melhor prevenção é, sem
dúvida, não utilizar o serviço, especialmente se o consumidor desconfiar
de que seu veículo será largado na rua. Se é para estacionar nas ruas, é
melhor ele mesmo fazer o serviço, pois é mais seguro, ele o coloca em
local permitido, tranca o veículo corretamente, liga o alarme e leva as
chaves.
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