Está em tramitação na Câmara dos Deputados o PL 8.046/10, que junto com outros PLs pretendem instituir um novo CPC
no Brasil. Uma das modificações é a inclusão do julgamento de recursos
por meio eletrônico, desde que a sustentação oral não seja admitida e as
partes concordem. Se houver divergência entre os julgadores, o
julgamento voltará a ser presencial.
Esta sugestão de mudança
reflete um modelo de julgamento em que a deliberação não é pública e que
desnatura o motivo pelo qual se mantém um órgão colegiado.
Como estabelecido em
alguns tribunais, julgamento por meio eletrônico tem significado
julgamento por e-mail (o que, na ausência de lei Federal sobre o
assunto, é inconstitucional, ao menos formalmente, uma vez que o CPC em
vigência ainda prevê o debate e a divulgação dos votos em sessão de
julgamento). Na prática, o relator produz o seu voto, envia para o
revisor e para o vogal, os quais, por meio eletrônico/e-mail, concordam
ou não. Em outros casos, cria-se um ambiente virtual em que os
julgadores, apesar de geograficamente distantes, podem conectar-se em
áudio e imagem. Em todos os casos, o público não participa da
deliberação colegiada. Ninguém tem acesso à deliberação, se é que ela
existe.
Em nosso país, vige o
sistema segundo o qual os julgamentos em 1º grau são feitos por um único
juiz e os em 2º grau por um órgão colegiado.
A publicidade da decisão
feita por um único juiz é feita em momento posterior à sua produção, uma
vez que resulta de um solitário raciocínio intelectual. Por sua vez, a
publicidade da decisão feita por um órgão colegiado, por ser o resultado
de uma deliberação de no mínimo três julgadores, é feita em momento
concomitante à sua produção, com a presença das partes e de qualquer
interessado.
O STF, por exemplo,
transmite os seus julgamentos pela televisão. E é bom que assim seja. A
deliberação feita às portas abertas, em público, não só atende à CF,
como contribui, e muito, como dito pelo novo ministro do STF, para o
fim do imaginário popular de que no Brasil atrás de uma porta fechada
estão acontecendo tenebrosas transações.
Mas, de fato, o
julgamento colegiado não pressupõe concomitante publicidade. Há países
em que o julgamento de recursos é feito por meio de uma conferência
interna, às portas trancadas, com a publicidade, apenas, da decisão. Há
quem entenda que no Brasil também poderia ser assim, porque a palavra
"julgamento", prevista na CF, também tem o sentido de decisão. Logo, tal
como acontece com a decisão proferida pelo juiz singular, a expressão
publicidade do julgamento quer significar a publicidade do resultado
final dos debates. Com esse raciocínio, defendem a validade do
julgamento por meio virtual, cujo resultado se fará público em momento
posterior.
Possível concordar com a
premissa, mas não com a conclusão. Conferência interna, às portas
fechadas, pressupõe a reunião do colegiado, mas de modo físico, em um
tribunal, com todo o ambiente e circunstâncias favoráveis aos debates e
decisões. O modelo virtual de julgamento proposto, na prática, reúne os
julgadores à distância, sem o adequado ambiente para debates (até
porque, nesse caso, volta a ser presencial) e suprime o contraditório
participativo, em que os juízes são efetivamente influenciados, não só
pelas partes, mas pelo salutar constrangimento de expor as razões em
público, de modo que todos saibam como os argumentos e as provas
influenciaram na construção da decisão.
Não é, pois, só a luz do
sol que milita em contrário ao julgamento colegiado de modo eletrônico,
mas a própria natureza deste, que ainda que realizado em portas
fechadas, precisa de um ambiente adequado e propício para que as
questões sejam efetivamente debatidas e propicie, ao final, o reforço
argumentativo, qualitativo e persuasivo da decisão judicial colegiada.
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